Maradona: futebol e política

imagemFelipe Gonçalves

Quem já esteve na Argentina ou conversou com argentinos sabe que Maradona é considerado um semideus ou até um deus em seu país. Inclusive existe uma inusitada “Igreja Maradoniana”, localizada na cidade de Rosário, fundada por torcedores fanáticos que criaram uma espécie de “culto a Maradona”. Mas Maradona não é tão idolatrado apenas por sua genialidade com a pelota ou por ter sido ídolo do Boca Juniors (clube mais popular da Argentina) e da seleção argentina. É também isso, mas vai além.

De 1976 a 1983, a Argentina viveu uma brutal ditadura militar de direita, que resultou em regressão de seu estado de bem-estar social, repressão, perseguição política e milhares de mortos e desaparecidos. O terrorismo de estado foi tão bárbaro que os militares praticavam até sequestros de crianças, o que resultou na criação do movimento “Mães da Praça de Maio” – mães e avós de crianças sequestradas pelos militares que se reúnem até os dias de hoje para buscar notícias das crianças desaparecidas. Somado a isto, a ditadura argentina entrou numa guerra contra a Inglaterra pela disputa das Ilhas Malvinas (1982) e sofreu uma derrota rápida e humilhante. Após o término da ditadura, em 1983, os sentimentos de frustração e humilhação tomavam conta de grande parte da população argentina.

Em 1986, pouco tempo após a derrota na Guerra das Malvinas e a queda da ditadura militar, a seleção argentina de futebol entrava na disputa da Copa do Mundo no México. Com um time considerado modesto, o grande destaque da seleção argentina era um jogador de baixa estatura, canhoto, rápido e muito habilidoso chamado Diego Armando Maradona. Resumindo: a seleção argentina saiu vencedora da copa e hoje muitos defendem que a atuação de Maradona naquela copa foi uma das mais importantes do ponto de vista individual. Alguns chegam a dizer – talvez com certo exagero – que Maradona carregou a seleção argentina nas costas.

Mas a partida mais importante de Maradona e da seleção argentina naquela copa foi o jogo contra a seleção da Inglaterra (país que venceu a Argentina na Guerra das Malvinas). A Argentina venceu a partida por 2 x 1, com dois gols de Maradona. Mas não foram quaisquer gols. O primeiro gol de Maradona foi motivo de muita contestação por parte do time inglês. Isto porque, num lance em que disputou a bola com o goleiro, Maradona marcou um gol… com a mão. Depois da partida, ao comentar o lance, Maradona afirmou que foi “la mano de dios”. Quatro minutos depois, Maradona recebeu a bola antes do meio de campo e foi passando pelos marcadores, driblando todos eles, até marcar um dos gols mais bonitos (talvez o mais bonito) da história das copas. Um gol antológico que ficou conhecido como o Gol do Século.

Após o término do jogo, a nação argentina se sentia de alma lavada. Era como se, por meio do futebol, aquele baixinho canhoto houvesse “descontado” na seleção inglesa a humilhante derrota que a Argentina sofreu na guerra contra a Inglaterra. O peso dessa vitória, dentro daquele contexto político, explica e justifica porque Maradona, um dos maiores jogadores de todos os tempos, é considerado um semideus – e para alguns um deus – em seu país.

Categoria
Tag