A imposição do século e o fracasso do Fórum de Bahrein

imagemPor Pablo Jofre Leal
Resumen Latinoamericano
HispanTV

A necessidade de ser preciso, para notificar o que está acontecendo em um nível global, nos obriga a usar termos corretos ao discutir o plano que os EUA e Israel têm para a Palestina.

Este não é um “acordo do século”, como quer fazer crer o consórcio estadunidense-sionista nem a “bofetada do século”, como sustenta a Autoridade Nacional Palestina (ANP), é simplesmente uma imposição, um crime, uma violação da lei internacional e sobretudo dos direitos humanos do povo palestino. Portanto, ser claro no uso da linguagem implica que tanto o cronista, como o leitor, aqueles que analisam e promovem o respeito pelo direito internacional, os meios de comunicação, entre outros, devem ser capazes de usar o conceito apropriado para dar conta de um plano elaborado entre quatro paredes.

Fracasso em Manama

O pomposamente denominado “Plano do Século” é uma empresa de domínio destinado ao fracasso. Primeiro, porque não conta com a participação do povo palestino. Este ponto nega veementemente que estamos diante de um processo de negociações, bem como estamos longe de ser capaz de chamá-la e aceitá-la como uma proposta histórica, tão megalômana como só pode ser com Trump e Netanyahu. Em segundo lugar, porque o que está sendo apresentado é a imposição do século sem adornos, que, juntamente com o último dos números deste quadro de falsa comédia, representado pela parte econômica intitulada Fórum de Bahrein ou “Oficina de Paz para a Prosperidade” realizada em Manama, a capital desta monarquia do Golfo Pérsico, em 25 e 26 de junho, revelaram as propostas de suborno ao anseio de autodeterminação do povo palestino.

A “Oficina de Paz para a Prosperidade” montou a manipulação da oferta virtual – porque o dinheiro não existe e precisa ser coletado de doadores – num plano econômico de 50 bilhões de dólares, incluindo 179 projetos de investimento na Palestina, Jordânia e Egito, apresentando sem dissimulação a entrega dos territórios palestinos à ocupação israelense, usando para isso planos antigos em que Cairo e Amman teriam alguma participação. Foi mencionado até mesmo o Líbano entre os possíveis beneficiários do plano, em uma clara tentativa de gerar discrepâncias dentro dos partidos governantes neste país levantino.

Estamos enfrentando uma tentativa de suborno promovida pelo governo dos EUA em aliança com a entidade sionista, a Casa al Saud e o governo dos Emirados Árabes Unidos (EAU). A tarefa foi confiada publicamente ao genro do presidente Donald Trump, o empreendedor imobiliário e apoiador do sionismo Jared Kushner, que se esforçou para mostrar os supostos benefícios de um plano que só favorece o desejo de mais controle e ocupação do território palestino pelas mãos do sionismo. Kushner mostrou gráficos de redução da pobreza na área, projeções de crescimento econômico, valores multimilionários, projetos de infraestrutura a serem executados. Tudo isso diante de uma exígua concorrrência formada pelos ministros das finanças dos regimes das casas governantes da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos e do próprio Bahrein.

Entre os participantes estavam também o chefe do Fundo Monetário Internacional Christine Lagarde, o presidente do Banco Mundial David Malpass, o tesoureiro dos Estados Unidos Stevhen Mnuchin e o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair. Kushner disse, ao final do fiasco que significou o Fórum Bahrein, que “a parte política do plano (o que os EUA chamam de negócio do século”) será lançada “no devido tempo”. Para o jornal britânico Daily Telegraph, “o esforço dos EUA para promover a paz no Oriente Médio entrou em colapso antes de seu início, já que, com a exceção de poucos países, ninguém acredita no sucesso do plano do século”.

Representa uma convenção, aceita sem reparo algum, que, quando usamos um conceito como o de “acordo”, estamos nos referindo a uma decisão que indivíduos, corporações, estados, organizações, instituições ou governos manifestam ter pontos comuns, de convergência, consenso em torno de determinadas situações, que requerem ter como objetivo chegar a um bom porto. É algo que se combina entre as partes, a fim de solucionar uma controvérsia. Tal desenvolvimento de um processo de negociação tem efeitos no âmbito legal quando se trata de uma disputa, que envolve, por exemplo, devolução de territórios, retirada de tropas, cessação da ocupação militar ou outros elementos que envolvem consequências no campo jurídico. A dita obrigatoriedade para as partes, denominada no Direito com a máxima latina Pacta Sunt Servanda (o acordo obriga), cria direitos e obrigações que surgem naturalmente, emanam do consentimento das partes em disputa, sob a exigência de ser válida, certa, determinada, além de possível.

Nada do mencionado acima se cumpre com este plano ou acordo absolutamente desequilibrado que os Estados Unidos e seu parceiro israelense pretendem impor à Palestina e seu povo e que, em sua versão econômica, foi apresentado em Manama. O nome mostra não apenas a perturbação conceitual, mas também a aberração legal que subjaz a denominação desse miserável plano: o “Acordo do Século”. Nome tão ostentoso como falso, uma vez que persegue algo que agora é um segredo aberto: negar a possibilidade do Estado Palestino soberano autodeterminado, estabelecendo uma autonomia ainda mais falsa do que a contida nos fracassados Acordos de Oslo. Querem de fato impedir o retorno dos refugiados palestinos, sionizar Al-Quds (Jerusalém), estabelecendo-a como capital da entidade israelense e transferindo a capital desta Lilliputiana Palestina desmembrada para uma cidade ao sul de Al-Quds. Para a aldeia de Abu Dis, localizada na chamada Zona B, sob o suposto controle administrativo da Autoridade Nacional Palestina e controle militar do exército invasor, que coordena suas ações com essa autoridade.

A imposição do século amplia a ocupação

Verificou-se, também, que a decisão deste quinto período de governo Benjamin Netanyahu vai anexar à entidade chamada Israel os assentamentos com colonos terroristas estabelecidos na Cisjordânia. Irá expandir os quilômetros de muro do apartheid e, sobretudo, evitar qualquer possibilidade de reunir os territórios da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, através da construção de novos assentamentos na faixa de terra que separa os dois territórios palestinos. O objetivo é ampliar ainda mais a pressão contra o povo palestino, sufocar a população, submetê-la ao controle militar e econômico, para impedir qualquer contato. A concepção da “Imposição do Século” que os Estados Unidos preparam com seu cúmplice israelense é, essencialmente, desde sua concepção, a expressão do colonialismo em sua versão mais criminosa.

Embora sejam tomadas medidas para sionizar a Palestina, tentando implementar medidas econômicas como as apontadas no Bahrein, o sionismo também trabalha no campo cultutral e político, com os topônimos palestinos, em uma operação em grande escala, semelhante à vivida após a criação desta entidade em 1948, o que levou à criação de unidades voltadas a tornar invisível o povo palestino, renomeando vilas e cidades, removendo todos os vestígios da Palestina e iniciando um processo de construção de uma mitologia que procura fazer o mundo acreditar que os sionistas, principalmente de origem europeia, da religião judaica têm suas raízes históricas na Palestina. A política de Netanyahu é a continuação da falsa narrativa da violação dos direitos humanos dos palestinos, que tece uma história da infâmia, correspondendo aos objetivos de David Ben Gurion, Menahen Begin, Golda Meir, Levi Eshkol e cada um dos criminosos que se mudaram da Polônia, Belarus, Ucrânia ou outros locais para o Levante, para usurpar as terras do povo palestino, saquear e roubar o que não lhes pertence.

O que é apresentado nas mãos da diplomacia sionista que reúne Washington e Israel, sob o nome de “Acordo do Século” é um objetivo absolutamente prejudicial ao direito internacional, que viola os direitos humanos do povo palestino e seu direito à autodeterminação. Somam-se a isso as posições reacionárias de regimes fantoches dos Estados Unidos, como a monarquia jordaniana, a Casa al Saud, a pseudodemocracia egípcia e o silêncio cúmplice de todos os países que tendem a levantar suas vozes de condenação a sanções quando se trata de Venezuela, Síria, Rússia, Irã, mas mantêm a calma vilmente quando os infratores das leis internacionais, que dão a impunidade ao regime de Israel por seus crimes contra a humanidade e contra o povo palestino, são os Estados Unidos e seus incondicionais apoiadores dentro do Conselho de Segurança da ONU, como é o caso da França e da Grã-Bretanha, fundamentalmente, que permitem que Washington e Israel atuem como juiz e partido em relação à Palestina.

Para tentar dar a esta “Imposição do Século” o verdadeiro aspecto de legitimidade internacional, os Estados Unidos convocaram o chamado Fórum do Bahrein, que se tornou um evento pró-Israel, aparentemente focado em economia sob o título de “Oficina da Paz para a Prosperidade”, com a participação de organismos oficiais, a fim de “aumentar o apoio a possíveis investimentos econômicos” que sustentam o chamado “acordo do século”. Uma atividade criada pelo conluio entre Washington e Tel Aviv, que tenta marcar as linhas políticas e de comunicação que o regime dos EUA vai ordenar àqueles que participaram deste fórum. A ousadia de Washington chega ao extremo de que o enviado especial do governo dos EUA para o Oriente Médio, Jason Greenblatt, advertiu que, se os palestinos não participassem da conferência do Bahrein, “eles seriam muito prejudicados”, reconhecendo ademais que o plano dos EUA cancela o direito de retorno dos refugiados palestinos, ao informar que Washington está prestes a iniciar conversas com governos que hospedam refugiados palestinos.

Saeb Erekat, Secretário Geral da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), apontou em sua oportunidade, diante das ameaças americanas, que “nossa organização não ouvirá o ultimato dos EUA e boicota um fórum pró-Israel no Bahrein. Nenhum dos organizadores ou participantes do fórum econômico do Bahrein pode debater em nome dos palestinos o chamado “acordo do século”. A Organização para a Libertação da Palestina não foi consultada sobre este evento, portanto, boicota este Fórum que quer forçar os palestinos a aceitar a ocupação de suas terras em troca de dinheiro. “A ANP nunca aceitará tal plano”, disse o líder palestino. Por seu turno, a oposição ao regime de Al Khalifa indicou que a realização desta reunião se destina a “liquidar a causa palestina”.

Os Estados Unidos, sob mandato do lobby sionista, apoiado pelos setores mais reacionários da sociedade americana, decidiram que a Palestina não existe e por isso entregará a Israel, como um presente impregnado de sangue palestino, um plano destinado a negar qualquer tentativa de descolonizar as terras da Palestina, remover o ocupante sionista e, portanto, impedir qualquer direito à formação de um estado autônomo, livre e soberano. Um plano que os meios de informação alinhados com a extrema direita dos Estados Unidos e o sionismo israelense chamam de “Acordo do Século”, para o que conseguiram os apoios e consentimentos dos governos regionais, num quadro regional que também gera tensões contra o Movimento Resistência Islâmica do Líbano (Hezbollah), provoca permanentemente a República Islâmica do Irã, impondo mais sanções e medidas destinadas a afetar a nação persa. Apoiam Israel para continuar sionizando as Colinas de Golã ocupados depois da guerra de junho de 1967 e ameaça, à direita e à esquerda, a quem se atreve a levantar a voz contra as atrocidades cometidas contra o povo palestino.

Foi relatado em meios de imprensa sionista, com o uso sibilino da linguagem normalmente utilizada pelo sionismo e sua hasbara, que o plano dos EUA não iria falar sobre a anexação de assentamentos com colonos terroristas na Cisjordânia ocupada, mas sim falar da “aplicação da lei de Israel”, semelhante ao que foi feito em 1981 com os montes ocupados do Golã Sírio. De acordo com o canal 12 de Israel, Trump não especificará nada do chamado “Acordo do Século” até que seu parceiro Netanyahu forme um governo e possa assim liberar a comunicação do plano de usurpação.

A Imposição do Século é o sinal evidente da conspiração criminosa entre Washington e Israel, sob o silêncio obsequioso e covarde de organizações internacionais e dos países submetidos a Washington, aqueles que covardemente se calam quando o sionismo está envolvido. Israel e seu guia dizem à Palestina: “aceitem o apartheid que oferecemos a vocês e sua vida será menos dura do que é agora. Não aceite essa imposição e vamos exterminá-los”. Esse é o plano que querem impor, do qual só é possível tirar algumas conclusões. Primeiro, que somente a resistência palestina teimosa e digna consegue manter o direito de seu povo a existir. Não para ser confinado em campos de concentração ou exterminado sob o sionismo nacional que foi imposto na Palestina desde 1948 nas mãos do sionismo. E, segundo, que a solução de dois estados, que serviu meramente para permitir que Israel estenda seu domínio criminal, é uma falácia que não é válida. A Imposição do Século terminou de enterrá-la, concretizando um sistema de apartheid com todas as suas letras.

Diante desta realidade reitero que somente se pode argumentar contra essa imposição: qualquer proposta no âmbito de um caminho assumido para a paz (de que o povo palestino não tem participado nem como ouvinte) que se chame de acordo século ou do milênio é simplesmente uma piada macabra. Um jogo político destinado ao fracasso. As facções palestinas, seu povo, a sociedade palestina devem avançar na unidade de suas forças para se oporem com força a qualquer tentativa de dar legitimidade a esse conluio entre o imperialismo e o sionismo. Não se pode ter qualquer relação com o ocupante. Recordemos a cada vez que vemos apertos de mãos entre os líderes sionistas e americanos: não há paz possível no Oriente Médio sem a eliminação do imperialismo e do sionismo.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Fonte: http://www.resumenlatinoamericano.org/2019/06/30/palestina-la-imposicion-del-siglo-y-el-fracaso-del-foro-de-barein/