A cultura mundial perde Roberto Fernández Retamar

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O intelectual Roberto Fernández Retamar morreu em Havana, neste sábado, 20 de julho, aos 89 anos de idade. Presidente da Casa das Américas desde 1986, Retamar tornou-se um dos pensadores mais prestigiosos do continente.

O poeta, ensaísta e promotor cultural de destaque ganhou o Prêmio Nacional de Literatura em 1989, além de múltiplos reconhecimentos e condecorações. Integrou a Academia Cubana de Idiomas, instituição que também presidiu, e ao seu trabalho infinito seria necessário acrescentar o trabalho docente e a inigualável faceta de editor.

Foi deputado da Assembleia Nacional do Poder Popular e membro do Conselho de Estado da República de Cuba. Por decisão familiar, seu cadáver será cremado e suas cinzas jogadas no mar.

A morte de Roberto Fernández Retamar é uma perda irreparável para a cultura cubana.

Trajetória acadêmica

Entre 1945 e 1946, Roberto foi aluno de um curso de artes plásticas. Formou-se Bacharel em Ciências e Letras no Instituto La Víbora, em Havana (1947). Em 1948, deixou a carreira da arquitetura e ingressou em Filosofia e Literatura. Em 1954, concluiu seu doutorado em Filosofia e Letras na Universidade de Havana. Em 1955, estudou Linguística na Sorbonne e, em 1956, estudou na Universidade de Londres.

Entre 1947 e 1948, foi chefe de informação da revista Alba (para a qual ele entrevistou Ernest Hemingway); desde 1951 foi colaborador da Revista Origens; foi diretor, entre 1959 e 1960, da Nova Revista Cubana.

A partir de 1955, lecionou na Universidade de Havana (que em 1995 o nomeou Professor Emérito), sendo que também foi, entre 1957 e 1958, membro da Universidade de Yale, que lhe ofereceu palestras, leituras e cursos. Participou de reuniões em muitos outras instituições culturais da América, Europa e Japão.

Em 1965 deu palestras sobre literatura latino-americana nas universidades de Praga e Bratislava. Viajou para a República Democrática do Vietnam em 1970 para colaborar nas filmagens do filme cubano “Viet Nam, Terceiro Mundo, Terceira Guerra Mundial”, dirigido por Julio García Espinosa.

Doutor em Filologia e pesquisador, foi professor honorário (1986) da Universidade de San Marcos (Lima) e Doutor Honoris Causa da Universidade de Sofia (1989), Buenos Aires (1993) e da Universidade Central de Las Villas (2011) .

Trajetória revolucionária

Após seu retorno a Cuba em 1958, integrou o Movimento da Resistência Cívica durante a ditadura de Batista e publicou na imprensa alternativa. Após o triunfo da Revolução (janeiro de 1959), se juntou à universidade novamente.

Em 1960, ocupou o cargo de Conselheiro Cultural em Paris. Como delegado de Cuba, participou da XI Conferência Geral da UNESCO. No primeiro Congresso da União Nacional de Escritores e Artistas de Cuba (1961) foi eleito secretário coordenador da UNEAC. Foi um dos fundadores da Revista Unión, onde trabalhou com Nicolas Guillen, Alejo Carpentier e Jose Rodriguez Feo. Em 1965 passou a dirigir a revista que é o órgão da Casa das Américas, instituição que também preside desde 1986. Fundou, em 1977, e dirigiu, até 1986, o Centro de Estudos Martianos e seu Anuário.

Entre 1998 e 2013 foi deputado da Assembleia Nacional do Poder Popular e membro do Conselho de Estado.

Colaborou com vários jornais e revistas, tendo pertencido aos conselhos editoriais de várias publicações na América e na Europa, incluindo: Origens, Nuestro Tiempo, Lunes de Revolución, Bohemia, Cuba, Cuba Socialista, Poesía de América, Siempre!, El Corno Emplumado, La Gaceta del Fondo de Cultura Económica (México), el suplemento de El Nacional (México), Marcha (Uruguai), Asonante (Porto Rico), Amaru (Peru), Revista Hispánica Moderna (Nova York), Triad (Estados Unidos), Partisans (França), Ínsula (Espanha), Literatura Internacional e A Gazeta Literária (União Soviética).

É autor de Órbita de Ruben Martinez Villena (1964), da seleção e do prólogo para a antologia “Cinco Escritores da Revolução Russa” (1968) e da antologia de poesia “Para um mundo moldado por trabalhadores” (1973), entre outros obras dessa natureza. Em colaboração com Fayad Jamis, compilou a antologia Poesia Jovem de Cuba (1959).

Prêmios e distinções
Nacionais

Prêmio Nacional de Poesia (1952)
Ordem Félix Varela de Primeiro Grau (1981)
Prêmio Nacional de Literatura (1989)
Medalha Alejo Carpentier, 1994
Ordem Juan Marinello, 1996
Prêmio da Crítica Literária por Aquí em 1996
Prêmio Nacional de Investigação Cultural (2007)
Prêmio da Latinidade (2007)
Premio ALBA das Letras, 2008
Ordem José Martí (2009)
Medalha Centenário de José Lezama Lima (2010)
Prêmio Nacional de Ciências Sociais (2012)
Internacionais

Condição de Membro de Honra da Sociedade de Escritores de Chile (1972) e Prêmio Felipe Herrera Lane (1999), Chile
Prêmio Latinoamericano de Poesia Rubén Darío (1980), Nicarágua
Prêmio Internacional de Poesia Nikola Vaptsarov (1989), Bulgária
Prêmio Internacional de Poesia Pérez Bonalde, Venezuela (1994)
Prêmio Alba das Letras (2009), Venezuela
Grau de Oficial da Ordem das Artes e Letras (1994), França
Prêmio Feronia (2000) e Prêmio Nicolás Guillén (2001), Itália
Condição de Puterbaugh Fellow (2002), nos Estados Unidos
Prêmio Juchimán de Plata, em 2004
Prêmio Internacional José Martí 2019, outorgado pela Unesco
Obras
Livros de sua autoria em prosa e verso, traduzidos, foram publicados na Alemanha, Brasil, Bulgária, Checoslováquia, Coreia, Cuba, Estados Unidos, França, Galícia, Grécia, Itália, Jamaica, Polônia, Portugal, União Soviética e Iugoslávia.

Seus poemas e ensaios aparecem em antologias e volumes coletivos publicados em muitos idiomas. Em Havana foram impressos um disco, duas fitas cassetes e um disco compacto com poemas de sua autoria lidos por ele.

Escreveu textos para filmes de Armand Gatti, Santiago Álvarez, Julio García Espinosa e Alejandro Saderman. Sobre sua vida e obra se filmou um documentário em Alicante (España), e dois em Havana, além de um CD-Rom sobre sua obra.

Entre os autores para cujos livros escreveu o prólogo ou compilou, há: Domingo Alfonso, Juan Almeida, Mario Benedetti, Jorge Luis Borges, Regís Debray, Julio García Espinosa, Fayad Jamís, Ernesto Che Guevara, George Lamming, Juan Marinello, José Martí, Ezequiel Martínez Estrada, Rubén Martínez Villena, Pablo Neruda, Fernando Ortiz, José Antonio Portuondo, Alfonso Reyes, César Vallejo.

Entre os artistas plásticos que apresentou ou sobre os quais comentou: Basquiat, Corrales, Antonia Eiriz, Ernesto, Feijoo, Gasparini, Korda, Mariano, Matta, Raúl Martínez, Mayito, Peña, Portocarrero, Rauschenberg, Osvaldo Salas, Víctor Manuel.

(Com informações de Cubadebate e Ecured)

Declaração da Casa das Américas: “É necessário dizer que será conosco, em nós”

“Pôs à disposição dos homens o que tinha de inteligência // […] Deu a eles o que tinha de coragem // […] Fez a sua parte, quando chegou a hora // […] no final, declarou que iria começar de novo se assim o desejassem”. Assim, expressou o poeta nos versos intitulados “Seria bom merecer este epitáfio”, e assim nos lembramos dele.

A morte de Roberto Fernández Retamar é uma perda irreparável para a cultura cubana. Desde que se deu a conhecer em 1950 com a coleção de poesia Elegia como um hino, seu trabalho estava abrindo canais e marcando firmes passos na poesia da língua espanhola. Legou textos que permanecerão eternos como “Felizes os normais”, “E Fernandez?” ou “Com as mesmas mãos”.

Não menos importantes são os seus ensaios penetrantes e luminosos, que demonstram a amplitude de seu pensamento e a extensão de seu trabalho intelectual. Basta lembrar o clássico da reflexão sobre a América Latina e o Caribe, Caliban, assim como a obra “Para uma Teoria da Literatura hispano-americana”, em sua fervorosa paixão pelo trabalho de Marti, ou em seus ensaios lúcidos sobre o papel do intelectual e os processos de descolonização cultural em nossa América.

É impossível dissociar seu nome da história da Revolução Cubana, separá-lo de um fenômeno que tem sido assunto e preocupação permanentes, tanto como cenário vital quanto como caixa de ressonância de sua figura e de seu trabalho.

Já seria muito, se esse fosse o legado de Roberto, mas a sua obra literária teria que se acrescentar seu trabalho como docente e sua faceta única de editor, o que o levou a dirigir várias revistas antes de assumir em 1965 a direção da Casa das Américas, para consolidá-la como uma das referências culturais mais importantes da nossa América.

Mas ele ainda faria mais, à frente de toda Casa das Américas desde 1986, como continuador do trabalho da heroína e fundadora Haydee Santamaría e do grande pintor Mariano Rodríguez. O privilégio de Roberto ter presidido nas últimas décadas esta Casa contribuiu para que – sob sua liderança – ela apostasse mais no risco sem deixar de ser fiel a si mesma, ao espírito que a viu nascer na imensa e inconclusiva tarefa de integração cultural da América Latina e do Caribe.

Na ocasião da dolorosa perda de Haydee, a Casa das Américas divulgou um comunicado – no qual a escrita de Roberto é revelada – que concluiu, afirmando:

“É necessário dizer que ela estará conosco, em nós. […] Mas a partir de agora somos mais pobres, embora a honra de ter trabalhado sob sua orientação, em voz baixa, que continuamos a sentir, orgulhosos e profundamente comovidos, esteja sempre conosco.

Essas palavras ainda são válidas para Haydee, tanto quanto são para esse seu querido irmão que acabou de nos deixar. Nós a fazemos nossas para ti, neste momento de infinita tristeza, querido Roberto.

Fallece el eminente intelectual cubano Roberto Fernández Retamar (+ Video)