Não são 30 pesos, mas 30 anos de abusos
Esta revolução é profundamente democrática. O marionete da democracia chilena criada na ditadura sucumbe.
Pablo Monje – Reyes
Membro do Comitê Central do Partido Comunista do Chile
Muita água passou sob as pontes da história desde o dia virtuoso em que nossa juventude valiosa e preciosa pulou a primeira catraca do metrô, numa medida sem precedentes de insurreição social para gritar a todo o Chile: “Não mais!!”
A cada dia, o protesto se espalha como fogo em todas as ruas do vale urbano do Mapocho. Santiago começa a respirar com raiva e sonhos, decepções e esperanças, conquistas e frustrações. O povo se levanta, o poder popular se impõe, o pânico invade o poder e o confronto começa. A luta acontece nos shoppings, continua nas ruas, continua nas barricadas, é ouvida gritando no campo de Marte: “O povo unido jamais será vencido”. O protesto avança, as regiões são adicionadas e continua nas comunas e suas localidades. Ouve-se como as pessoas explodem e como pano de fundo a carta “O direito de viver em paz”, Víctor Jara coloca a trilha sonora desse tempo insurrecional, em que as pessoas exigem direitos, exigem justiça e pedem paz.
Com que responde a direita, estabelecida no governo? Responde declarando guerra, responde com repressão, com a bala e o gás lacrimogêneo, com o flagelo e refutação de ontem, com a luma e a arma de hoje, com a força, brutalidade e violência criminosa do estado repressivo. E não foi suficiente. Chamou as forças armadas e tudo ficou obscuro, porque pôs a bota militar a caminhar pelo cimento quente da fogueira popular, mas o povo e sua jovem e rebelde seiva não a temem e enfrentam: aqui estamos novamente sem medo. Os mastins do poder recuam e a primeira derrota da direita nas ruas começa a se forjar. E assim, o povo chileno segue firme em sua determinação e marcha, parecendo dizer: “Se eles não pensam em nós há 30 anos, é hora de pensar em nós mesmos”.
E hoje a maioria ocupou os espaços da cidadania e falou com clareza e lucidez: mais educação pública, mais saúde pública, melhores salários, nova Constituição, que se materializa com um retumbante: “Renuncia, Piñera”! No final do dia, este povo quer um novo Chile e mostrou que não será subjugado e continuará se mobilizando. Ele quer mudanças profundas e não quer conversas, ele quer um projeto social diferente que o tenha como protagonista. E eles, os donos de tudo, temem as pessoas mobilizadas. A velha social-democracia, vestida com novas echarpes, não sabe o que fazer. Procura fórmulas republicanas, examina Rousseau, Montesquieu e diz que o povo quer um novo pacto social. O povo olha para ela com desconfiança e segue seu próprio caminho. A mobilização e suas reivindicações não param.
Essa revolução é profundamente democrática. O fantoche da democracia chilena criado na ditadura sucumbe. A burguesia e seus cúmplices buscam, por todos os meios, convencer as pessoas enraivecidas de que o futuro será melhor se elas confiarem. Mas “confiar em quê?”, como disse com simplicidade e lógica abismal um popular. Não foram 30 pesos, mas sim 30 anos de abusos. Se isso não é uma insurreição, o que é? O povo reivindica justiça e claramente quer um novo Chile. É hora de definições e definições revolucionárias. Construir o poder popular, poder na base, o debate, a conscientização e mobilização permanente, o julgamento da direita e sua saída do poder e, como um corolário e uma exigência estrutural, o fim do modelo neoliberal. São estas as fases da insurreição popular que estão sendo instaladas lenta mas inevitavelmente. Consolidar essas etapas são hoje e nas próximas horas a tarefa esforçada e nobre daqueles que querem e precisam estar nessa luminosa vereda da história.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Fonte: http://www.elsiglo.cl/2019/10/28/insurreccion-en-chile-no-son-30-pesos-son-30-anos-de-abusos/