O dia seguinte ao Lula Livre
Por Golbery Lessa*
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de tornar sem efeito prisões a partir de condenações em segunda instância impõe a soltura do ex-presidente Lula. Suspende a prisão política que ajudou a garantir a vitória dos setores mais reacionários da direita na eleição presidencial de 2018. Sem ser capaz de mudar radicalmente o equilíbrio de forças, o fato tem potencialidade de modificar dimensões significativas da conjuntura nacional, principalmente a de contribuir para que o lulismo apareça como de fato é e não a partir de mistificações que o encarceramento de Lula produziu.
O STF “mudou de opinião” porque cumpriu a missão de completar o golpe contra Dilma Rousseff com a inviabilização da candidatura do líder petista e, um ano e sete meses depois, percebeu que pode tentar readquirir certa respeitabilidade jurídica sem se chocar radicalmente com o status quo. Por uma questão de sobrevivência, o órgão entendeu também que precisa se opor, mesmo sem se desviar um milímetro do seu atávico liberalismo conservador, ao plano do bolsonarismo de estrangular as liberdades democráticas e esvaziar o Legislativo e o Judiciário.
A liberdade de Lula o coloca diante do desafio de reinventar a prática e o discurso petistas no sentido de enfrentar a crise da hegemonia do PT nas grandes cidades do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A realização do Lula Livre consiste na extinção da principal linha tática petista na última conjuntura e, portanto, impõe questões até então suspensas. A principal delas é a de como o PT vai reapresentar para os trabalhadores e setores da classe média a velha estratégia da conciliação de classes, marcada pela aceitação de uma política econômica neoliberal com franjas keynesianas e por coalizões com os partidos de centro e de direita.
Mesmo sem ter as mínimas condições de superar esse desafio no curto ou no médio prazo, o PT poderá, com Lula nas ruas, agir para consolidar sua presença no Nordeste e, mesmo sem ter condições de readquirir hegemonia nacional em horizonte de tempo previsível, fortalecer objetivamente o bloco de oposição ao bolsonarismo. Para os partidos à esquerda do PT, como o PSOL e o PCB, a liberdade de Lula significará um momento mais propício para a continuidade da crítica à estratégia reformista e conciliatória, pois esta estava sendo encoberta pela prisão política de Lula.
*Membro da Comissão Política Nacional do PCB
Charge: Mauro Iasi