Chile: quando a dor não paralisa, muito pelo contrário

imagemPor Carlos Aznárez, desde o Chile, Resumen Latinoamericano

Para alguns, é uma revolução, porque está transformando tudo desde a raiz, outros dizem que é uma revolta em movimento, interclassista e até plurinacional. Há quem pense que está em marcha desde outubro um novo tipo de processo insurrecional, que aposta na continuidade para aumentar sua força. A verdade é que não importa como é chamada essa enorme mobilização popular nacional, que nos move todos os dias e nos desafia. Especialmente para aqueles de várias gerações que, tempos atrás, quando jovens, também fomos às ruas para que “la tortilla se vuelva”.

O importante é que, como dizem companheiros de outras latitudes da Pátria Grande, a luta está sendo travada. E aqui, garanto que esta consigna é válida todos os dias. Por exemplo, no fim de semana passado, houve demonstrações claras de que a rebelião popular, com um componente juvenil muito forte (e eu acrescentaria que também adolescente), não está disposta a parar por causa de tal ou qual calendário. Claro está que não são dias para se relaxar, pois a morte de Mauricio Fredes, eletrocutado por cair em um poço aberto de propósito em um local escuro, a um quarteirão da Plaza de la Dignidad, enquanto fugia de uma perseguição policial violenta, não deixa margem para dúvidas sobre os pontos em que a repressão dos meganhas chilenos se encaixa. Mauricio era um cara amado em sua humilde comuna nos arredores de Santiago. É a clássica solidariedade militante, amigável, mas ao mesmo tempo comprometida até as últimas consequências. Portanto, desde o início da primeira grande luta contra o governo de direita de Sebastián Piñera, ele não hesitou em se unir ao protesto e depois se alistar na “primeira linha” de contenção e autodefesa contra o ataque feroz daquela força policial apenas comparável ao Esmad colombiano, à guarda civil espanhola ou à soldadesca sionista.

No sábado, quando o corpo de Mauricio, aos 31 anos, ainda estava no necrotério, seus companheiros de bairro e de corações cheios de ternura, além de outras pessoas movidas por sua morte (que não foi acidental como a mídia amarela diz, mas deliberada), começaram a se reunir em um velório improvisado (velas de homenagem), novamente foram os policiais que quiseram mostrar que estavam dispostos a exterminar aqueles que seus superiores ordenam. Apareceram com pelo menos oito carros blindados e um lançador de d’água com produtos químicos, pulverizaram e jogaram gases sobre o pequeno grupo que apenas colocava velas e flores no lugar. Lá, se repetiu novamente o sadismo que eles costumam usar como arma, esses sujeitos impunes. Não apenas atacaram os presentes, mas, como resultado da água e do gás, conseguiram levar ao desmaio uma mulher que, com sua filha de 10 anos, havia se aproximado para colocar algumas flores. A garota se aproximou desesperadamente do corpo de sua mãe chorando, e foi nesse momento que um dos monstros uniformizados lançou um jato poderoso que jogou longe seu pequeno corpo, fazendo-a se chocar brutalmente ao solo. Hoje, a menina está em estado grave e provavelmente sofrerá dificuldades motoras quando se recuperar. E a classe política? Silêncio. E a mídia? Silêncio. É assim que acontece neste país, onde há entre 2.500 e 3.500 políticos e numerosas pessoas desaparecidas, além de nunca terem sido punidos os militares genocidas do pinochetismo.

Por outro lado, de Vina del Mar, veio outra notícia semelhante, anunciando que outro jovem da primeira linha havia sido morto em circunstâncias muito estranhas, atingido por um veículo. Seu primeiro nome é Lian, e seu grande rosto não deixa dúvidas sobre o que seus companheiros contam, sobre seu desejo de lutar para que os nascidos de hoje não sofram as adversidades desse presente neoliberal obscuro e repressivo.

Sem demora, e isso demonstra que esta Revolução é dotada de toneladas de solidariedade corpo a corpo entre seus guerreiros e guerreiras, as ruas de Santiago foram preenchidas neste domingo com atos de homenagem aos caídos. Um gigantesco passeio de bicicleta, carregando as bandeiras mapuche e chilena, andou pelas ruas denunciando os assassinos e seus promotores intelectuais e, quando chegaram ao necrotério, cantou músicas como as que Mauricio certamente cantava. Então, depois de inúmeras horas de burocracia, a família conseguiu velar o corpo do garoto, e a caravana de ciclistas e muitas outras pessoas em carros ou a pé, se aproximou da casa do lutador da linha de frente. Lá, em meio ao choro incontrolável de seus irmãos de luta, os slogans antecipatórios de que “as balas lançadas contra nós retornarão” e reiterando que “o povo unido jamais será vencido”, alguns com violões, outros com harmônicas, dedicaram músicas compostas ao longo destes dias de rebeldia. Além disso, uma das rappers mais conhecidas da América Latina, que fez da música uma ferramenta de denúncia e convocatória à resistência, Anita Tijoux, chegou ao local para se juntar à homenagem.

E por momentos a dor se transformou em recital, do modo que Mauricio mais gostaria.

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Chile. Cuando el dolor no paraliza, sino todo lo contrario

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