Chile: a proposta comunista de acesso à universidade
EL SIGLO
Projeto para dar fim à questionada PSU (Prova de Seleção Universitária) será encaminhado ao Parlamento
O presidente da Juventude Comunista do Chile (JJCC), Camilo Sánchez, e os parlamentares do Partido Comunista do Chile (PCCh), Camila Vallejo e Karol Cariola, anunciaram um projeto destinado a criar um novo sistema de acesso às universidades, deixando para trás a questionada PSU (Prova de Seleção Universitária). Com isso, avançaríamos para um sistema mais moderno e adequado, equitativo e de acordo com a realidade dos estudantes chilenos. A iniciativa propõe que o novo sistema seja nacional, com acesso centralizado e universal às instituições e deve implementar um plano comum ou de bacharelado que permita o acesso a um treinamento comum e multidisciplinar.
Camila Vallejo destacou “a necessidade de um sistema de acesso inclusivo, universal”, considerando as “consequências perversas, classistas e tendenciosas do PSU”. O projeto das e dos comunistas foi apresentado em meio a críticas generalizadas de estudantes, professores, acadêmicos e especialistas quanto às características da PSU, considerada ineficaz para estabelecer o ingresso de jovens nas universidades, além de segregadora, classista e desigual. Camilo Sánchez disse que, como as Juventudes Comunistas estão promovendo este novo projeto, “ele será baseado no acesso universal à universidade”.
O texto a seguir será apresentado ao Parlamento:
Princípios para um sistema de admissão à Educação Superior do Chile
Juventudes Comunistas
Santiago, 11 de janeiro de 2020
Introdução
O Sistema Único de Admissão (daqui por diante, SUA) à Educação Superior do Conselho de Reitores é um processo integrado e nacional. O processo é coordenado pelo Departamento de Avaliação, Medição e Registro Educacional (doravante, DEMRE) da Universidade do Chile e é usado como método de seleção para as Universidades do Conselho de Reitores (CRUCh) e Universidades Particulares vinculadas ao Sistema (DEMRE, 2018).
O instrumento de medição, desde 2003, é a Prova de Seleção Universitária (doravante, PSU), que substituiu a Prova de Atitude Acadêmica (PAA). O objetivo da PSU é selecionar os alunos candidatos que obtiverem os melhores desempenhos na bateria de provas realizadas. “Supondo que os selecionados apresentem melhores possibilidades de superar com êxito os desafios que enfrentarão posteriormente no ensino superior” (Centro de Estudos MINEDUC, 2012).
Vários especialistas, estudos e o movimento social pela educação, principalmente estudantes do ensino médio, durante as mobilizações de 2006 e 2011, criticaram o instrumento PSU (que significava uma alternativa “transitória”) por seu alto nível de segregação socioeconômica, socioterritorial, de gênero (Díaz, Ravest e Queupil, 2019) e modalidade educacional ( cientista-humanista, técnico-profissional, artístico e adultos). Por exemplo, no processo de 2018, dos 91.225 estudantes de estabelecimentos públicos de ensino (municipais e SLEP) que fizeram a PSU, 29,6 (27 mil alunos aprox.) acessaram uma universidade. Por outro lado, dos 27.400 estudantes de estabelecimentos particulares pagos que fizeram a PSU, 79% (22.000 alunos aproximadamente) acessaram uma universidade. Considerando que a educação pública representa 34,8% do total de matrículas e a educação privada 9,1%, este é o reflexo de uma característica fundamental do sistema escolar chileno: seu extenso processo de mercantilização que, como consequência, gerou um sistema altamente segregador e desigual (Atria, 2014; Bellei, 2015).
O objetivo desta minuta é apresentar um conjunto de princípios que podem orientar um novo Sistema de Admissão ao ensino superior. O desafio é que o sistema não reproduza a desigualdade, em suas diversas expressões, incorporando medidas corretivas e que garantam o direito à educação dos jovens no País.
Antecedentes
A Lei nº 21.091 do ensino superior, publicada em 29 de maio de 2018, em seu artigo 11, estabelece:
“Criar um Sistema de Acesso às Instituições de Ensino Superior (doravante,“ Sistema de Acesso”) que estabelecerá processos e instrumentos para a postulação e admissão de estudantes em instituições de ensino superior adscritas a ele, em relação a carreiras ou programas de estudos conducentes a títulos técnicos e profissionais ou licenciaturas. Este Sistema de Acesso será objetivo e transparente e deverá considerar, entre outros, a diversidade de talentos, habilidades ou trajetórias anteriores dos alunos. A determinação dos requisitos e critérios de admissão em cada carreira e programa de estudos para a seleção de candidatos será sempre realizada pela respectiva instituição de ensino superior, de acordo com as normas vigentes. O Sistema de Acesso funcionará por meio de uma única plataforma eletrônica, cuja administração corresponderá à Subsecretaria, que terá informações atualizadas relacionadas a: acesso a instituições de ensino superior; oferta acadêmica e vagas; processos de admissão; mecanismos e fatores de seleção, se aplicável; programas especiais de acesso referidos no artigo 13 e os prazos de inscrição, entre outros aspectos relevantes. Para adscrever ao Sistema, as instituições devem informar o Subsecretariado”.
Como mencionado acima, é necessário estabelecer certos princípios orientadores sobre os quais o novo Sistema de Admissão para o ensino superior seria edificado. Para isso, é importante perguntar sobre os objetivos da educação que projetamos e como esses fins conversam com o novo sistema. A educação superior deve contribuir para superar as desigualdades de origem, contribuir para a mobilidade social, responder a um projeto de desenvolvimento do país e não, como é hoje, do mercado. Embora tenha havido importantes correções no sistema atual, como o Programa de Acesso Efetivo ao Ensino Superior (PACE), que reúne as experiências de diferentes estudantes universitários.
O PACE, desde 2014, visa permitir o acesso ao ensino superior de alunos destacados do ensino médio, em contextos vulneráveis, realizando ações de preparação e apoio permanente, garantir cotas adicionais à oferta acadêmica regular das instituições de ensino superior participantes, além de cumprir a missão de facilitar o progresso dos alunos que acessam a educação superior por meio do Programa, acompanhando atividades destinadas a retê-los durante o primeiro ano de estudos superiores. O Programa contempla o apoio e acompanhamento às comunidades educacionais das 3ª e 4ª séries do ensino médio.
Do ponto de vista da política comparada, a América Latina possui diversos sistemas de admissão e seleção para a educação superior. Um deles é o caso da Universidade de Buenos Aires (UBA) na Argentina. O caso argentino permite interpretar que a entrada direta na maioria das instituições públicas de ensino superior, juntamente com sua gratuidade, são consideradas “políticas inclusivas” por si mesmas. Nesse caso, o princípio orientador é “a geração de oportunidades iguais” para o acesso à educação superior.
A UBA, como mencionado nas instruções de entrada, estabelece que para ingressar é necessário ter o ensino médio completo (os maiores de 25 anos possuem condições diferentes estabelecidas em resoluções da mesma universidade). A admissão é irrestrita e sem vestibular. Existe o “Ciclo Básico Comum” (CBC), que constitui o primeiro ciclo de estudos universitários para todas as carreiras da UBA. O CBC visa promover uma formação básica, integral e interdisciplinar, desenvolvendo o pensamento crítico, consolidando metodologias de aprendizagem e contribuindo para a formação ética, cívica e democrática das e dos estudantes. Possui, em essência, um ciclo de orientação para os alunos. O processo busca que as e os estudantes obtenham um compromisso claro com a carreira específica após um ano de vida universitária, tendo a oportunidade de conhecer o campus, as especialidades e suas projeções de trabalho através da orientação ativa do Departamento de Orientação Profissional (DOV) da Universidade. O ingresso no CBC tem dois momentos durante o ano letivo.
Por outro lado, é interessante observar também o caso do Brasil em relação a suas cotas que têm por objetivo “ser representativas da realidade socioeconômica e cultural” do país. O anterior é importante observar e analisar para construir os princípios de um novo sistema de admissão. Para fortalecer o “direito à educação” de todos e todas, o acesso universal é um horizonte plausível, com o compromisso das comunidades educacionais, instituições de educação superior, autoridades políticas, a fim de garantir os recursos necessários.
O princípio do SUA e da PSU, como mencionado acima, “(…) que os selecionados apresentariam melhores possibilidades de superar com sucesso os desafios que enfrentariam posteriormente na Educação superior”, é um princípio similar ao que se deu por parte de alguns mantenedores de estabelecimentos educacionais quando o Sistema de Admissão à Escola (SAE) foi criado. A procura por alunos com melhores resultados acadêmicos, altamente correlacionada com o nível socioeconômico, “reduz os custos do processo de ensino-aprendizagem e mantém os padrões de qualidade das instituições em testes padronizados, como o SIMCE”.
Se o Chile decide ter uma composição representativa e heterogênea da matrícula na educação superior, em primeiro lugar, não deve manter uma prova de seleção que meça os conteúdos, pois sabemos da alta segregação que o sistema escolar possui e, por outro lado, deve tomar as medidas para evitar o abandono (ou deserção) dos alunos, com medidas como orientação profissional, retenção e acompanhamento contínuo (trabalho multidisciplinar), reconhecendo as diferenças das formações anteriores associadas aos níveis de segregação e desigualdade socioeconômica, socioterritorial, de gênero e modalidade educacional, como mencionamos anteriormente. Em um país profundamente desigual em várias áreas, a educação superior permanece sendo apenas para uma “elite”; portanto, o compromisso das instituições de ensino superior em aceitar a entrada de vários alunos em suas salas de aula exige medidas adicionais e uma profunda mudança.
Princípios para um novo Sistema de Admissão
▪ O novo Sistema de Admissão deve ser consistente com os objetivos do ensino superior. A educação deve ser um direito; deve cumprir uma missão nacional; está a serviço das pessoas e do seu projeto de desenvolvimento; deve ser humanista, nacional e democrática; deve estar a serviço do bem comum e do bem-estar social, entendendo a diversidade de contextos culturais, econômicos e sociais; deve formar pessoas críticas, criativas e transformadoras, cidadãs e cidadão plenos e integrais.
▪ O novo Sistema de Admissão deve ser nacional, centralizado e de acesso universal às instituições de ensino superior (universidades, institutos profissionais e centros de treinamento técnico). Diferentemente do sistema atual, ele deve reconhecer o desafio de educar em diversos contextos, buscando eliminar as desigualdades de origem e não reproduzi-las por meio de um processo de seleção dos “mais aptos”.
▪ Deve ser avaliada a existência de um “Plano Comum” ou “Bacharelado”, que permita a todos os estudantes acessar uma formação comum e multidisciplinar que oriente o reconhecimento de habilidades e aptidões, para a escolha da carreira final pela qual se optará.
▪ Um novo sistema também deve ser desenvolvido paralelamente com a revisão dos planos de estudos das carreiras oferecidas pelas universidades, buscando coerência com o novo sistema de admissão.
▪ Um novo sistema de admissão exigirá novas vagas na educação superior. Portanto, deve ser acompanhado de um investimento significativo, que permita às Instituições de Ensino Superior públicas aumentar sua oferta, corpo acadêmico e infraestrutura.
▪ No caso da educação técnico-profissional, a possibilidade de “articulação” entre a educação TP secundária e superior, a fim de assegurar trajetórias educacionais que facilitem a experiência das e dos estudantes no ensino superior.
▪ O novo Sistema de Admissão deve considerar, essencialmente, um programa nacional de acompanhamento e retenção, por meio de um conjunto de medidas, iniciativas e profissionais (equipe multidisciplinar).
▪ Por fim, se realmente queremos que as comunidades educacionais que historicamente foram excluídas da educação superior finalmente entrem nela, as instituições de ensino superior devem estar preparadas para isso, dotando-as dos recursos necessários e superando “o modelo de mercado que sustenta a concorrência”.
Referências:
Atria, F. (2014). Derechos sociales y educación: un nuevo paradigma de lo público. Santiago, Chile: Editorial LOM. Bellei, C. (2015). El gran experimento. Mercado y privatización de la educación chilena. Santiago, Chile: Editorial LOM. Centro de Estudios MINEDUC (2012). Inclusión del ranking de notas en el proceso de admisión 2013: posibles efectos en la equidad de acceso a la educación superior. Serie Evidencias (No. 7). Santiago, Chile. DEMRE (2018). Prueba de Selección Universitaria. Informe técnico admisión 2018. Universidad de Chile. SIES (2014). Mi futuro. Ministerio de Educación, Chile. Díaz, K., Ravest, J. y Queupil, J. P. (2019). Brechas de género en los resultados de pruebas de selección universitaria en Chile. ¿Qué sucede en los extremos superior e inferior de la distribución de puntajes? Revista Pensamiento Educativo, 56(1), pp. 1-19.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
La propuesta comunista de nuevo sistema de acceso a universidades