“Plano de paz” de Trump: o embuste do século

imagemA rejeição dos palestinianos ao chamado «acordo do século» é total, dentro e fora da Palestina Créditos / nst.com.my

AbrilAbril

Ao lado de Benjamin Netanyahu e sem a presença de representantes palestinos, o presidente norte-americano, Donald Trump, apresentou na última terça-feira o polêmico plano de paz para o Médio Oriente.

A iniciativa de paz com a qual Trump diz estar decidido a resolver o «conflito» entre israelenses e palestinos foi apresentada na Casa Branca como algo de muito positivo para «ambas as partes», como se os palestinos, vários povos do Oriente Médio e representantes políticos do mundo árabe não se tivessem declarado claramente contra o plano – ao longo dos meses de propaganda norte-americana –, criticando a sua perspectiva enviesada a favor de Israel, denunciando a violação dos direitos dos palestinos e considerando o «acordo» morto ainda antes de nascer.

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, caracterizou o chamado plano de paz de Trump como uma «conspiração» e disse que os direitos dos palestinos «não estão à venda». Nas ruas – na Faixa de Gaza cercada e na Cisjordânia ocupada –, sucederam-se as manifestações, antes e depois da apresentação, em Washington, de um plano de que foram excluídos e que é entendido como uma afronta por todas as facções palestinas.

Na Palestina, na região do Médio Oriente e noutras partes do mundo o acordo gerou indignação e foi classificado como «traição do século», «pesadelo», «conspiração, «catástrofe», «nova Declaração de Balfour», «plano de anexação», «acordo natimorto», «guia para mais sofrimento», «acordo para o caixote de lixo da história», enumera a PressTV.

Embora Donald Trump tenha tentado passar a ideia de que a proposta é vantajosa para ambas as partes – e uma «oportunidade única para os palestinos» –, a questão central dos milhões de refugiados é ignorada, deixando-os de fora de um processo que, alegadamente, visa solucionar a «questão palestina».

O próprio Netanyahu foi claro a este respeito, afirmando que «o problema dos refugiados», nos termos do plano, deve ser «resolvido fora do Estado de Israel» – ou seja, depois da limpeza étnica associada à criação do Estado de Israel, o direito de retorno deixa de ser reconhecido aos palestinos.

Outras questão centrais do acordo são o reconhecimento da soberania israelita sobre os colonatos – considerados ilegais à luz do direito internacional – e a do estatuto de Jerusalém.

De acordo com Trump, a iniciativa que apresentou daria início a uma fase de transição para uma solução de dois estados – há muito contemplada nas resoluções das Nações Unidas –, e proporcionará aos palestinos uma capital em partes do Leste Jerusalém. No entanto, não se percebe muito bem como, uma vez que o plano determina que Jerusalém será a capital de Israel e que este Estado terá o controle total sobre a cidade.

A concretização de um Estado palestino fica também dependente do cumprimento, por parte dos palestinos, de determinadas condições, como aquilo a que chamou «rejeição do terrorismo», «a adoção de leis básicas para proteger os direitos humanos» (nada disto foi exigido a Israel), travar as atividades do Hamas e da Jihad Islâmica, acabar com aquilo que designou como compensação financeira aos terroristas e parar com o incitamento contra Israel – que a Autoridade Palestina deverá reconhecer como um «Estado judaico».

Neste sentido, não é de estranhar que Benjamin Netanyahu tenha chamado nesta terça-feira ao presidente norte-americano o melhor amigo que Israel teve na Casa Branca.

Na apresentação, além do lobby sionista e evangélico norte-americano, também se fizeram notar os embaixadores de Omã, do Bahrein e dos Emirados Árabes Unidos.

Diversos comentadores – alguns dos quais por cá – referiram-se à apresentação do polêmico «plano de paz» no atual contexto como uma jogada política para favorecer tanto Netanyahu, antes das eleições de 2 de março, como Trump, que, como o primeiro, enfrenta acusações no seu país.

https://www.abrilabril.pt/internacional/trump-anunciou-um-plano-de-paz-pro-israel

O embuste do século que os EUA querem impor aos palestinos

por MPPM [*]

O Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente (MPPM) condena firmemente o conteúdo do chamado “acordo do século” para a resolução da questão palestina, apresentado no dia 28 de janeiro pelo presidente dos EUA, Donald Trump, acolitado pelo ainda primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.

Apresentado com soberba imperial, o mal designado plano “Paz para a Prosperidade” rasga todas as resoluções aprovadas ao longo de décadas pela ONU sobre a questão palestina, e rasga mesmo os acordos, como Oslo, promovidos sob a égide dos Estados Unidos da América desde a década de 90. O “Plano” acompanha inteiramente as posições da extrema-direita israelense e assume a forma de um diktat que pretende impor ao povo palestino, cujos representantes não foram sequer considerados dignos de consulta, a total renúncia aos seus direitos nacionais, reconhecidos e consagrados pelo direito internacional.

A legitimação da anexação e o prosseguimento da limpeza étnica dos palestinos

O “acordo do século” proclama (de novo) Jerusalém indivisa como capital do Estado de Israel; promove a anexação por Israel de todos os colonatos judaicos na Cisjordânia ocupada; reconhece a anexação do Vale do Jordão por Israel; nega aos refugiados palestinos, expulsos em sucessivas campanhas de limpeza étnica pelas forças sionistas e depois por Israel, o direito ao retorno. O mapa que acompanha o “Plano” traça uma fronteira que anexa a Israel os Montes Golã sírios, ao arrepio de toda a legitimidade internacional.

O arguido por corrupção Netanyahu não perde tempo: abençoado por Trump, quer que o governo de Israel discuta a primeira fase da anexação já no próximo domingo.

Em contrapartida, aos palestinos caberia aceitar um “Estado” de farsa, ainda assim remetido mais uma vez para as calendas gregas: uma entidade informe, fragmentada em guetos descontínuos que fazem lembrar os planos de bantustões da África do Sul do Apartheid, sem controlo das fronteiras, sem controlo do espaço aéreo e das águas territoriais, com capital num arrabalde de Jerusalém Oriental, sem o direito a ter forças militares próprias mas sujeita à eterna presença militar de Israel. Além disso, os palestinos teriam de renunciar aos subsídios financeiros às famílias dos presos e das vítimas mortais da repressão israelita; de reconhecer Israel como “Estado-nação do povo judeu”, ou seja, a discriminação dos palestinos cidadãos de Israel; e de aceitar o desarmamento dos movimentos da resistência palestina.

Uma parte dos palestinos cidadãos de Israel estariam destinados a ser anexados à força ao pseudoestado palestino. A coberto do falacioso argumento de um Estado-nação para os judeus e de um Estado-nação para os palestinos, a pretexto de “compensação territorial” pelos colonatos implantados no coração da Cisjordânia, trata-se na realidade de mais uma medida de limpeza étnica, visando aquilo que o sionismo não conseguiu realizar em 1948: um Estado judaico “etnicamente puro”, desembaraçado dos seus habitantes palestinos, muçulmanos e cristãos.

Na linha direta de medidas anteriores da administração Trump — reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e transferência para aí da embaixada dos EUA; corte do financiamento à UNRWA, a agência da ONU de assistência aos refugiados palestinos; anexação dos Montes Golã sírios ocupados em 1967; negação do caráter ilegal dos colonatos israelitas nos territórios palestinos ocupados —, o plano estadunidense parece saído da pena dos sionistas mais radicais, dos colonos mais extremistas. E não por acaso: é significativo que Trump e Netanyahu tenham ambos saudado o papel desempenhado neste processo por David Friedman, embaixador dos EUA em Israel, por Jason Greenblatt, enviado especial para o Oriente Médio, e por Jared Kushner, genro de Trump e principal autor do plano, todos sionistas assumidos com ligações estreitas ao movimento dos colonos.

Uma nova ordem internacional no Oriente Médio com o Irã na linha de mira

A relevância do que está em causa transcende o quadro estrito da questão palestina. Trata-se de uma violação brutal da legalidade internacional, para mais apresentada expressamente como parte de um plano de agressão contra o Irã. Trump afirmou, e Netanyahu reiterou e aplaudiu, que o plano surge na sequência do rompimento unilateral pelos EUA do acordo de limitação nuclear assinado com o Irã pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha, e jactou-se do assassinato em Bagdá, em gritante violação da soberania do Iraque, do general iraniano Qassem Soleimani, protagonista destacado do combate ao Daesh e outros terroristas que atentam contra a integridade e a soberania da Síria.

Trump silencia sobre o terrorismo de Estado e a limpeza étnica praticados desde há décadas por Israel contra o povo palestino e outros povos da região, e quer retirar à questão palestina a centralidade que tem no estabelecimento de um clima de paz no Oriente Médio.

O que se visa é toda uma reorganização política e geoestratégica da região sob a égide imperial. Apresentando o Irã como principal promotor do terrorismo, o que se procura é criar em torno do eixo Israel-Arábia Saudita um alinhamento de certos países árabes contra os países e as forças que no Oriente Médio se opõem ao domínio dos Estados Unidos e se colocam ao lado do povo palestino. O documento explicita-o ao recomendar a criação de um “Conselho de Segurança Regional” composto pelos EUA, Israel, “Estado da Palestina”, Jordânia, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos.

A comunidade internacional deve assumir as suas responsabilidades

De resto, a presença na sessão de apresentação do “acordo do século” dos embaixadores em Washington do Bahrein, de Omã e dos Emirados Árabes Unidos é bem o sintoma do estado avançado da realização deste plano — e da traição cada vez mais descarada e ignóbil de regimes reacionários e ditatoriais árabes à causa palestina.

A gravidade inaudita do documento e dos perigos reais que faz pesar sobre os povos do Médio Oriente, e em primeiro lugar sobre o martirizado povo palestino, exige que a operação agora em curso seja barrada.

Para isso é necessário que países e organizações que defendem um mundo regido pelo direito internacional e não pela lei do mais forte atuem energicamente e sem demora, rejeitando de forma categórica o plano apresentado unilateralmente pelos EUA e reafirmando que a solução para o drama palestino é inconciliável com a continuação, seja sob que forma for, do controlo e colonização sionista dos territórios palestinos ocupados em 1967. A ONU, cuja legitimidade é diretamente posta em causa por este plano, bem como a União Europeia, que reafirmaram já o seu continuado apego à solução de dois Estados, incluindo um Estado palestino nas fronteiras de 1967, devem, ademais, passar das pias declarações de princípios aos atos.

O MPPM considera intolerável que a União Europeia mantenha com Israel um Acordo de Associação, quando este refere como condição, logo no preâmbulo, o respeito pelos direitos humanos e pela democracia. O que a situação reclama são antes sanções contra Israel, violador contumaz e impenitente do direito internacional e dos direitos humanos dos palestinos.

Portugal não pode continuar a ser complacente com Israel

O MPPM considera inaceitável que o governo português continue a manter relativamente aos crimes e violações do direito internacional por parte de Israel uma atitude de chocante complacência. É inaceitável que o governo português mantenha uma cooperação de longa data com Israel nos domínios militar e de segurança, recentemente evidenciada na aquisição de equipamento israelita de guerra eletrônica para os aviões KC-390 destinados à Força Aérea Portuguesa. É inaceitável que o governo português enfileire com aqueles que querem desqualificar a justa crítica ao sionismo e aos crimes de Israel equiparando-a ao antissemitismo, como pretende a capciosa definição da International Holocaust Remembrance Alliance que o governo subscreveu.

No cumprimento do preceituado pela Constituição, o MPPM considera que o governo português deve, ao invés, assumir uma posição ativa de denúncia dos crimes e violações do direito por parte de Israel. O governo português deve dar cumprimento à recomendação da Assembleia da República e reconhecer soberanamente o Estado da Palestina nas fronteiras de 1967, bem como agir nesse sentido dentro das instituições da União Europeia, aderindo à proposta do Luxemburgo.

Solidariedade com a causa palestina

Os desígnios dos EUA e do Estado sionista de liquidar de vez as aspirações do povo palestino à liberdade, à justiça para os refugiados, a um Estado soberano e independente contam com a oposição firme e cada vez mais unida do próprio povo palestino.

Neste momento de extrema dificuldade para o povo palestino, e num combate que é também pela paz e a justiça em todo o Médio Oriente e no mundo, o MPPM reitera a sua solidariedade de sempre à causa do povo da Palestina e apela à solidariedade ativa de todas e todos os cidadãos e organizações portugueses com o povo palestino no seu anseio pela realização dos seus legítimos e imprescritíveis direitos nacionais.

30 de Janeiro de 2020

Direção Nacional do MPPM

[*] Movimento pelos Direitos do Povo Palestino e pela Paz no Médio Oriente, www.mppm-palestina.org

Este comunicado encontra-se em https://resistir.info/