E o Brasil!? Caramba!

imagemLuís Fernandes*

Mais uma semana se passou e até agora me parece que nós, forças oposicionistas à esquerda, ainda não conseguimos compreender e enfrentar consistentemente o fenômeno bolsonarista que cada vez mais se notabiliza por ser algo mais do que passageiro, mas uma faceta (contraditória) no aprofundamento da via autocrática e dependente do desenvolvimento do capitalismo brasileiro.

Se por um lado lideranças de uma esquerda social liberal apostam na tática de comentários públicos condenando as falas absurdas de Bolsonaro e seus ministros, ironizando projetos governamentais e assim obtendo “likes” e popularidade entre o eleitorado progressista, por outro, acompanhamos uma significativa estabilidade e até crescimento de popularidade do governo. Desde 2015, ainda sob a política austera do governo Dilma, a crise parecia aprofundar a situação de desemprego, violência urbana, fome e desmonte de políticas sociais progressivamente. No entanto, conforme identificou Paulo Nogueira Batista Jr., no final de 2019 o governo adotou algumas políticas heterodoxas “envergonhadas” como o saque do FGTS e o décimo terceiro do bolsa família que fizeram a situação aparentar que, se não melhorou, parou de piorar para significativas parcelas da população. Além disso, a crescente (des) sofisticação produtiva do país nos serviços e na indústria e a desregulamentação do mercado de trabalho impulsionaram a questão da uberização e a criação de subempregos extremamente precarizados.

A diminuição nos números absolutos de assassinatos, por mais que os dados e as metodologias de pesquisa devam ser criticados e questionados, também revelam uma consequência imediata da “terceirização” da segurança pública ao crime organizado e às milícias. Enquanto isso, uma parte de grupos, lideranças e quadros da esquerda brasileira, ainda viciados na lógica dos gabinetes, aposta suas fichas na composição de palanques para as eleições municipais e, muitas vezes, se desconecta do Brasil profundo, não oferece alternativas concretas nem valoriza devidamente as lutas sociais em curso.

Prova disso é a absoluta desvalorização existente na solidariedade, apoio e divulgação de importantes greves e paralisações em curso. Movimentos, inclusive, que obtiveram vitórias parciais contra o governo, como na Dataprev e na Casa da Moeda. A greve dos petroleiros não mereceu nem destaque e centralidade nas últimas intervenções públicas de Haddad e Marcelo Freixo. A possível greve do funcionalismo público, no dia 18 de março, mais do que vídeos e textos, necessita de mais apoio, solidariedade e unidade concreta de todas as forças e lideranças oposicionistas.

Unidade nas lutas, a formulação e propagação de propostas concretas para o país devem ser a prioridade máxima nesse ano de 2020 na luta contra o governo Bolsonaro. Sem menosprezar a luta eleitoral, mas compreendendo que o desafio de reconectar a esquerda brasileira com as lutas sociais e o “Brasil profundo” são as tarefas imediatas para minar o crescimento da base social da extrema direita e de grupos fascistas.

A recente entrevista do ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e o artigo de Luciano Huck na Folha de S. Paulo ensaiam um consistente projeto de renovação da direita brasileira, que busca aliar fiscalismo na área econômica, novas políticas sociais e pautas identitárias. Um projeto que disputa espaço globalmente à direita e à esquerda, tratando-se de uma novidade não especificamente brasileira. Se nos atentarmos aos últimos editoriais do “Financial Times e até mesmo do Blog do FMI, constatamos reflexões da direita globalizada sobre os efeitos do neoliberalismo, globalização e o crescimento de uma nova direita fascistizante que tendem a adotar medidas isolacionistas e protecionistas nos EUA e Europa.

No Brasil, Huck e Fraga não falam de desenvolvimento ou da desindustrialização do país, mas de modernização no combate às desigualdades. Ensaiam até um discurso pró reforma tributária progressiva e o fim de políticas de desoneração ao grande empresariado. Mais do que questionar a sinceridade ou não nessas propostas, nos cabe questionar qual o projeto alternativo que temos debatido para o país?

Tendo em vista o caráter associado e dependente da burguesia brasileira, sabemos que o crescente atraso em nosso aparato produtivo e a supremacia financista no aparelho de Estado são apoiados pelos nossos “industriais” e suas organizações. Além disso, dada a agressividade nas disputas intercapitalistas, nossa economia, desde 2015, passa por um brutal processo de desnacionalização através de privatizações, venda de terras e recursos naturais, expropriação de reservas indígenas e quilombolas e até o fim da proteção a empresas brasileiras na concorrência de licitações e prestação de serviços ao Estado.

Quando falamos de propostas concretas, não nos referimos a um mero programa de governo. Mas medidas contra o nosso atraso produtivo, dependência e a desigualdade estrutural e que dependem da construção de uma nova correlação de forças e de um profundo processo de transformações na perspectiva da revolução brasileira. Portanto, urge um programa de lutas que reconecte a esquerda organizada às lutas sociais e ao Brasil profundo. Quem proporá isso?

Acredito que esta tarefa não é dos “neoliberais progressistas”, da esquerda social liberal ou de lideranças personalistas. Mas sim de forças revolucionárias consequentes, sem menosprezar importantes contribuições, mais do que debater polêmicas sobre uma possível volta do “estalinismo”, é hora de priorizarmos e jogarmos nossas forças na elaboração de um projeto para o país e a nossa via revolucionária de transformações, a fim de superar nossos problemas concretos.

*Professor de História e membro do Comitê Central do PCB

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