Pacote anticrime e a classe trabalhadora

imagemPor Ellen Sanchez

O pacote anticrime (LEI Nº 13.964/19), desde seu planejamento até a sua
aprovação e publicação, às vésperas do natal de 2019, mostrou seu caráter
antidemocrático. Aos favoráveis à medida, as alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal trazem um novo modelo de sistema penal, ao qual se dirigem como impecável. Aos críticos do pacote, recaem os mesmos estigmas de “defensores de bandidos” e favoráveis ao crime, já que o próprio nome da lei leva ao senso comum a
fantasia de que ser contra o pacote é, então, nada mais que ser favorável ao que o nome representa.

Do Art. 25 do Código Penal, extrai-se o seguinte: “Entende-se como legitima
defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem” (BRASIL, 1984). O Pacote Anticrime acrescentou um parágrafo único ao referido artigo, que deixa claro o desejo em evidenciar e especificar a excludente de ilicitude já existente no ordenamento jurídico, mas agora exclusivamente aos agentes de segurança pública. Veja: “Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”.

É manifesto que o Estado utiliza de suas forças coercivas como método de
controle social, ora através do medo causado, ora através da violência. Para provar que o Estado legitima a violência policial como forma punitiva, o mestre em Ciências Penais, Orlando Zaccone, buscou 308 autos de ocorrências envolvendo a polícia, entre 2003 e
2009. Na análise, descobriu que todos os casos foram arquivados a pedido do Ministério Público e que, em apenas um caso, uma viatura policial havia sido atingida por disparos de arma. Do total, 99% dos casos foram arquivados em menos de 3 anos.

“Ao analisar o perfil das vítimas, Zaccone observou que 75,6% dos autos de resistência aconteceram dentro de favelas. A maior parte das vítimas (78%) era negra ou parda. Em 60,7% dos
processos nos quais os mortos eram maiores de idade, foi anexado ao processo a folha de antecedentes criminais da vítima”.

Para além da violência, o alto índice de letalidade policial também é alarmante.
Em uma breve análise, referente ao estado do Rio de Janeiro, nota-se um resultado temeroso e, evidentemente, seletivo. Os casos pintam o retrato da impunidade e da aquiescência do Poder Judiciário, entregue aos agentes de segurança. Em 2010, Hélio Ribeiro foi morto por um policial do BOPE, que confundiu sua furadeira com uma arma,
enquanto estava no terraço de sua casa. Em outubro de 2015, Jorge Lucas, de 17 anos,carregava um macaco hidráulico quando foi morto.Segundo o policial, ele teria confundido o equipamento com um fuzil. Uma semana depois, um jovem de 16 anos teve seu skate confundido com uma arma e foi atingido por disparos no braço direito. Em 2018, um guarda-chuva foi causa da morte de Rodrigo Alexandre, de 26 anos. Os autores dos disparos teriam confundido seu guarda-chuva com um fuzil.

Há uma semelhança entre todos os casos de violência policial supracitados: a classe social à qual todas as vítimas pertencem. Todas elas pobres e em sua maioria negras. O alvo de tais medidas moldadas em um projeto de interesse da burguesia é, nitidamente, a classe trabalhadora. Não bastassem o desemprego, as péssimas condições de trabalho, o desmonte da educação e da previdência social, o ataque aos direitos e à vida dos trabalhadores, embora sejam questões estruturais, vêm sendo aprofundados pelo governo Bolsonaro, de forma inteiramente institucional.

Portanto, é notável que o fortalecimento da excludente de ilicitude em favor dos
agentes de segurança trazido pelo pacote vem para materializar e legitimar ainda mais a violência policial como método punitivo contra a classe trabalhadora. Manter a ordem,
o sistema e as relações como são e desenvolver o estado penal intensificando e endurecendo suas penas, para responder às desordens advindas, sobretudo de uma crise sistêmica, em virtude da desregularização da economia, precariedade do trabalho assalariado e escassez de condições mínimas de vida da população, equivale apenas à materialização de uma verdadeira seleção estatal, uma “Ditadura sobre os pobres”, nas palavras do sociólogo Loic Wacquant.

Ellen Cristini Sanchez, militante do PCB.