Não é só uma chuva de verão!

imagemCharge: Mauro Iasi

Espaço Aberto

Leonardo Santos

Prof. do Depto. de Serviço Social da UFMT, militante da Corrente Sindical Unidade Classista

Corro atrás do tempo
Vim de não sei onde
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento
Na minha cidade
Vou pra rua e bebo a tempestade

Chico Buarque, “Bom conselho”

Muitas pessoas – de esquerda, progressistas ou algo nesse sentido – têm acompanhado o desenrolar da conjuntura com indignação. Contudo, lidam com o nosso atual momento como quem lida com uma chuva dessas de verão: forte, com raios, relâmpagos, ventania…, mas passageira! Estão procurando ou já acharam um teto confortável – na medida do possível – para passar o tempo ruim. Muitos esperam o momento para “o Brasil ser feliz de novo”. O problema é que essa não é uma chuva passageira, e mais que isso, os estragos causados não serão facilmente revertidos.

Estamos vivenciando no Brasil os efeitos econômicos, sociais e políticos da crise que assola o mundo capitalista. Diferente do que acreditava o ex-presidente Lula da Silva, essa crise não nos pegou como uma marolinha, ela nos revirou como um furacão.

Deflagrou-se em 2016 um golpe institucional, jurídico e midiático. Assumiu o poder um Temer que mesmo com 3% de aprovação por parte da população conseguiu nos enfiar goela abaixo uma Contrarreforma Trabalhista que destrói uma série de direitos conquistados por nossa classe pelo menos nos últimos 80 anos. Passou ainda uma Emenda Constitucional que congela os gastos sociais do Estado brasileiro nos próximos 20 anos. Em suma, o Golpe representa um novo momento de dominação burguesa no Brasil, com teor mais autocrático e descartando até a possibilidade de democracia de cooptação expressa pelos Governos do PT.

Com a situação já não dramática o suficiente, temos a eleição (com uma série de irregularidades e fraudes, é importante assinalar) de Jair Bolsonaro em 2018, que arregimenta para si os setores mais reacionários da sociedade, em conjunto com uma crescente base religiosa neopentecostal, além daqueles descontentes com os rumos do país que canalizam tudo em um antipetismo que se transforma numa caça a movimentos sociais e partidos de esquerda, uma volta trágica do anticomunismo tão característico dos golpes que a elite brasileira já deu ao longo do último século.

Bolsonaro segue na linha de desmonte das conquistas cravadas na Constituição de 1988, seja no âmbito dos direitos e das políticas sociais, seja no âmbito das liberdades democráticas. Junto com o Congresso aprovou uma draconiana Contrarreforma da Previdência, tem se empenhado em entregar as riquezas e empresas nacionais para imperialismo e em adotar uma política externa subserviente. Além de, internamente, atacar movimentos sociais e grupos já historicamente marginalizados.

As saídas que são apontadas não são nada esperançosas. Em primeiro lugar há a possibilidade de continuidade de Bolsonaro com seu séquito fascista em disputa fratricida com o Congresso, entretanto alinhados no que há de mais danoso para a classe trabalhadora. Em segundo lugar se apresenta a alternativa de um autogolpe que garantiria os desejos ditatoriais do grupo de Bolsonaro (na atual conjuntura latino-americana não nos parece um cenário impossível). Em terceiro, a substituição de Bolsonaro (provavelmente em 2022) por um ultraliberal mais refinado – no estilo PSDB ou Luciano Hulk – que tenderia a aprofundar ainda mais o projeto começado por Temer e continuado por Bolsonaro.

Há uma quarta opção, bem menos provável, mas que merece um pouco de atenção, que seria uma volta do projeto do PT ao Governo Federal. Apesar de as classes dominantes terem descartado o PT como gestor do seu Estado, esse partido, com destaque para Lula, ainda possui uma base social – e principalmente eleitoral – que não pode ser descartada no jogo político brasileiro atual.

Mas acontece que, se repararmos nas movimentações do PT nos últimos anos em que esteve no Governo Federal, podemos perceber que este se esforçou em agradar os anseios destrutivos do capital em sua nova fase. Vejamos: Dilma em seu segundo mandato coloca Joaquim Levy, representante do rentismo, como Ministro da Fazenda; atacou de morte vários benefícios e as pensões previdenciárias e, não menos importante, propôs e aprovou a Lei antiterrorismo que é um dispositivo autocrático de criminalização das lutas sociais. O PT parece só ter sido descartado como gestor do Estado burguês nessa sua nova fase porque não podia implementar as medidas solicitadas pelo capital na velocidade que este queria.

Para pensarmos em exemplos mais recentes, basta lembrar que governadores petistas e aliados, como Camilo Santana (CE); Rui Costa (BA) e Flávio Dino (MA) aprovaram a toque de caixa contrarreformas previdenciárias estaduais mais pesadas que a nacional. Em suma, nos parece que o sonho de reversão de todo mal pela volta do PT não faz sentido.

Diante do quadro exposto é difícil ser otimista, é difícil esperar pelo fim da tempestade e por um belo dia ensolarado. Mas há ainda um elemento de fora dessas previsões: a classe trabalhadora organizada, ativa, combativa e nas ruas. Em um país já tão acostumado com a conciliação de classes e com o apassivamento das lutas sociais, já tão familiarizado com a avalanche conservadora e reacionária, tal saída parece ilusória, utópica. Mas se nos voltarmos para a resistência atual latino-americana, no Chile, no Equador, até na Argentina, fica mais fácil entender que nossa apatia pode não ser eterna.

As mobilizações, paralisações, greves e embates precisam aflorar com urgência no Brasil, construídas com as forças que temos no momento e com a unidade entre todos aqueles que se colocam honestamente contra o fascismo e contra o ultraliberalismo. Mas essa luta requer também fôlego, trabalho de base continuo, nos locais de trabalho, estudo e moradia. Esvaem-se, aqui e no mundo, as possibilidades de conciliação de classes. O que nos resta? Semear o vento, ir pra rua e beber a tempestade. Construir o Poder Popular!

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