Eles estão com medo

imagemHenrique Suricatto

Não sei se aqui a maioria consome noticiário dos grandes jornais. Nota-se uma identificação do posicionamento político dos editoriais e das colunas de jornais: um desespero latente diante da situação com a pandemia, e não como a pandemia em si, mas das suas consequências econômicas, como isso abala os alicerces do modo de produção capitalista e de seu estágio neoliberal, que vigorou de 40 anos pra cá. É como se eles tivessem desesperadamente tentando ser ouvidos por empresários, pelos políticos e por todos aqueles detentores de poderes da classe dominante para melhor orientá-los na condução da crise e sempre os advertir acerca das consequências que podem ser geradas se forem omissos ou se não fizerem o suficiente pra conter um vírus mais poderoso que o Covid-19, podendo infectar a consciência “adormecida” de massas de trabalhadores que de um dia pra outro descobrem com a força dos fatos que não possuem nada a não ser a própria força de trabalho, como um analista de conjuntura burguês definiu em suas próprias palavras, insuspeito de ser um socialista.

Algumas evidências podem ser encontradas na Folha de São Paulo, do Valor Econômico, do Estadão, d’O Globo, do G1, R7 e das mídias internacionais burguesas como o Washington Post, The Guardian, The Economist, Financial Times (olhe aquele editorial do FT pedindo um novo Contrato Social), BBC, Bloomberg e as grandes agências de notícias como Reuters, AP e a AFP. Por motivos objetivos, a maioria dos trabalhadores não consome estas notícias, geralmente mascadas e publicadas em telejornais, como o Jornal Nacional da TV Globo ou em portais de noticias.

Não vou me deter a expor muita coisa aqui, suponho que seria uma repetição do meu artigo anterior[1]. A advertência que quero trazer, para o aqui e agora, é que prestem bem atenção nestas posições burguesas, vejam como fazem um esforço desgraçado de tentarem propor soluções já tentadas em outras conjunturas, mas ao mesmo tempo carregadas de incertezas sobre seus reais efeitos, pois como a pandemia não passou e nem todos querem seguir as mesmas soluções e preferem dobrar a aposta, eles no fundo sabem que sintoma agravante da não reação aos seus remédios de solução da crise pode ser aquele que está nas mãos das vanguardas revolucionárias.

É o socialismo que eles temem, temem a tomada coletiva da consciência de classe, temem que esta seja organizada, temem os trabalhadores serem colocados em movimento para a tomada do poder, temem que o trabalho venha lutar contra o capital numa força tal como foi testemunhada no século passado. Esse é o medo inominável deles. A barbárie não pode triunfar. Não podemos ser negligentes com as nossas tarefas históricas.

Experiências como as que estão correndo nos bairros periféricos são importantes de serem observadas. Mobilizações como a que ocorrem na favela de Paraisópolis, na Zona Oeste de São Paulo, acontecem em menor escala em inúmeras regiões periféricas das grandes cidades brasileiras. Isso acontece com o envolvimento direto de entidades como as associações de bairros, criadas pela necessidade de se organizar por baixo as demandas dos moradores das regiões mais precárias das periferias das grandes cidades. Para quem acompanha o movimento dos trabalhadores brasileiros dos últimos 45 anos, já viu até uma atuação mais forte destas entidades, como as do ABC Paulista no início dos anos 80, com forte ligação com o movimento sindical. Toda vanguarda precisa de uma retaguarda.

A novidade está na forma de organização: é destacado um representante por rua e viela eleito pelos moradores deste espaço, para representar os interesses coletivos desta rua/viela e estar encarregado da logística de distribuição de cesta básica, assistência médica junto com a saúde da família (pessoa da UBS local responsável por visitar de domicílio a domicílio), verificar o estado de saúde dos moradores e colher as demandas destas pessoas. Pelas informações que me chegaram, ocupam uma função parecida com a de um delegado, mas não total, noções como a de “revogação de representação”quando este não atende mais os interesses coletivos daqueles que o “elegeram” ate onde sei não existe. Mas é um detalhe.

E por que é um detalhe? Porque estamos testemunhando a direção coletiva através da democracia direta, com algumas contradições ainda, sendo construída diretamente pela população, através da própria necessidade material, que é a sobrevivência, ter o que comer nesta pandemia, já que muitos não exercem atividades assalariadas, são informais, historicamente marginalizados e suas rendas são construídas dia a dia.

Não dá para se empolgar ainda, mas um avançado germe de poder popular está sendo erguido em cada quebrada novamente. Essa experiência prática será de grande utilidade não só para agora, mas para os tempos que virão.

Militante do PCB e da UJC de São Paulo

Recomendo este artigo de W. Poiato escrito para a UJC em 2018: https://ujc.org.br/a-ujc-e-as-brigadas-comunitarias/?fbclid=IwAR1X8DHa28UCrmRxVlmSt3CXgH90xy_6hgM3y5TpfXcVQCZUWQY-XMFI5xE

[1] https://pcb.org.br/portal2/25269/quando-a-grande-ficha-cair/

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