Carta do MUP ao II Encontro de Mulheres da ANPG
Eles não vão nos calar! Criar, criar, Universidade Popular!
Somos mulheres pesquisadoras, pós-graduandas, trabalhadoras. Estamos em diferentes regiões, do norte ao sul do país. Trazemos conosco múltiplas culturas, expressões de gêneros e formas de relacionarmo-nos. Questionamos a lógica hegemônica das relações, que é patriarcal, racista, heteronormativa, e diariamente nos articulamos para combatê-la. Temos consciência de que vivemos em uma sociedade desigual, capitalista, cuja superação depende necessariamente da nossa luta coletiva e organizada!
Viemos para o II Encontro de Mulheres da ANPG com a intenção de compartilhar um pouquinho das nossas trajetórias e construir caminhos comuns para nossas futuras mobilizações. Em cada grupo de discussão, vamos denunciar os permanentes ataques, inclusive ideológicos, que estão em curso nas Universidades, Institutos e demais instituições de pesquisas contra os estudos feministas, sexuais e de gênero. Ao mesmo tempo, frente aos modos de produzir conhecimento ou fazer pesquisa diretamente vinculados ao desenvolvimento do capital, apresentaremos alternativas construídas por pesquisadoras militantes, movimentos sociais, extensão populares.
Sabemos bem o quanto a experiência das mulheres na academia tem particularidades, e trazemos aqui alguns exemplos que ilustram como as desigualdades estruturantes da nossa sociedade se expressam em nosso dia a dia: ainda que as mulheres sejam maioria na academia hoje, elas são minorias nos “topos da carreira”. [1] Além disso, no período da pandemia, vimos que as publicações de mulheres pesquisadoras diminuíram em proporção aos homens.[2] Não suficiente, entre nós mulheres há também muitas desigualdades: pesquisadoras negras, trans, lésbicas precisam construir seus próprios círculos de apoio, auto-organizados, para enfrentarem as discriminações na academia.
Da mesma forma, a maternidade e os demais trabalhos relacionados ao cuidado são elementos importantes para pensar a desigualdade das relações de gênero, já que, historicamente, têm sido relegados principalmente às mulheres. Em meio a tantas tarefas cotidianas, afetadas pelas múltiplas jornadas de trabalho e/ou pela ausência de assistência estudantil, terminamos nossos dias exauridas, dificultando em muito nossa condição de estudo/pesquisa. Além disso, as questões de assédio, moral e sexual, são pontos que não podem deixar de serem considerados neste processo de esgotamento, bastante frequentes em nossas trajetórias acadêmicas.
Ainda assim, não queremos reduzir nossa luta à busca pelo mesmo lugar que em geral ocupam os homens cis na academia, uma vez que isso apenas contribuiria para aprofundar as relações de exploração e opressão típicas da sociedade capitalista. O produtivismo acadêmico e a competitividade não são princípios que estão em nosso horizonte, e entendemos que nossas pesquisas devem produzir conhecimento, ciência e tecnologia para transformar essa difícil realidade, inclusive no que tange ao acesso desigual ao ensino superior e às pós-graduações.
Ademais, como efeito direto do produtivismo e da competitividade na academia, vemos muitas colegas adoecerem e até mesmo desistirem das suas carreiras. Não à toa, o sofrimento psíquico é um tema cada vez mais presente em nossas vidas, e a ausência de espaços efetivos de acolhimento institucional são sintomas da naturalização desse ritmo doentio de produção. Em meio a tanto descompasso, emergem técnicas de adequação, diagnósticos ou teorias mirabolantes, todos com a intenção de anestesiar nossa indignação e invisibilizar nossas dores. Dentro desse complexo contexto, nós acreditamos que a revolta é urgente e necessária! Não podemos normalizar as desigualdades e o sofrimento.
É bem verdade que há uma série de reivindicações que podem contribuir para uma melhor trajetória das mulheres na carreira acadêmica, tais quais: a socialização das tarefas relativas a cuidados, a divisão não sexista do trabalho, os refeitórios populares, as creches públicas, as lavanderias comunitárias, a educação sexual dos homens e mulheres em oposição à violência de gênero, mais vagas em moradias estudantis, ações afirmativas, dentre outras tantas. Em nossa história nas universidades e na sociedade, contudo, nada foi conquistado sem muita luta e, tragicamente, muitas de nossas poucas conquistas estão sendo retiradas ou ainda são colocadas em questão.
Os constantes ataques do governo de Jair Bolsonaro, Mourão e seus aliados às pesquisadoras das áreas dos estudos feministas, da diversidade sexual e de gênero, ou simplesmente vinculadas a movimentos sociais de cunho anticapitalista, são a mais evidente expressão de que nossos trabalhos são perigosos à ordem estabelecida hegemonicamente. Diariamente eles tentam nos calar, mas coletivamente nós resistimos!
Somos pós-graduandas, pesquisadoras, e fazemos parte do Movimento por uma Universidade Popular (MUP)! Através desta carta, convidamos a todas que carregam consigo a indignação e a vontade de criar alternativas para nosso futuro a tornarem-se parte do MUP também. Basta preencher nosso formulário, que entraremos em contato contigo: https://forms.gle/YBA7GAJgZxVnx9Xj8
Leiam, na íntegra, o manifesto do Movimento por uma Universidade Popular para o próximo Congresso da ANPG: https://ujc.org.br/ciencia-e-tecnologia-para-soberania-popular/
Referências:[1] https://www.unifesp.br/noticias-anteriores/item/3169-mulheres-sao-minoria-entre-reitores-e-nas-bolsas-de-pesquisa-mais-prestigiadas[2] https://www.aguia.usp.br/noticias/49310/