Não, o PT não se transformou no Partidão
PCB de Curitiba – PR
Recentemente veio a público um texto do ex-senador Roberto Requião com o título “Teria o PT se transformado no Partidão?” No texto, o ex-senador tece duras críticas ao PT, referindo-se ao “Plano de Reconstrução e Transformação do Brasil” proposto pelo Partido dos Trabalhadores. Para Requião, o tal Plano do PT deixou muito a desejar e ele esperava um programa revolucionário, ou pelo menos que se comprometesse com a reestatização dos setores estratégicos que foram privatizados nos últimos anos ou que, pelo menos, rompesse com a lógica do famigerado tripé macroeconômico.
Pois bem, para entender o que Requião está a se referir quando diz que o PT teria se transformado no Partidão, é válido resgatar alguns dados históricos. O fato é que o PCB foi a referência da classe trabalhadora nas lutas por melhores condições de vida e por sua emancipação. Exemplo disso foi a ampla participação nas lutas populares e conquistas dos direitos trabalhistas promulgados na CLT de 1943, nas conquistas previstas na Constituição de 1946, por exemplo. Vale relembrar o importante papel de todas as organizações que atuaram na resistência contra a ditadura. Inclusive, um dos principais objetivos do golpe de 64 foi o aniquilamento do PCB. Um terço do Comitê Central do PCB foi assassinado pelo Estado e até hoje seus corpos nunca foram encontrados. A tática adotada no contexto da ditadura pelo PCB era a de Frente Democrática, sendo que muitos de seus militantes atuavam no interior do MDB, como forma de conseguir realizar alguma luta institucional. Mas, principalmente no interior das fábricas, os comunistas estavam inseridos e, mesmo com a repressão, o PCB era a organização com maior capilaridade no interior da classe trabalhadora.
Todavia, quando se iniciam os primeiros sinais de abertura política, desde a volta dos exilados (dentre eles os camaradas do Comitê Central do PCB) com a aprovação da Lei da Anistia, o Partido Comunista Brasileiro – o Partidão – muito influenciado pelo chamado “eurocomunismo” (e pela social-democracia europeia com que esses membros do CC conviveram por onde estiveram exilados) se colocava na contramão dos anseios e necessidades da nossa classe. A maioria da direção do PCB, presa à tática de Frente Democrática, que funcionou muito bem nos anos anteriores às greves durante os terríveis Anos de Chumbo – atuava como um freio na luta de classes. O principal partido de esquerda do Brasil, no momento em que os operários assumiam o protagonismo da luta e possibilitavam que se trilhasse o caminho da ruptura política e social, se colocava muitas vezes contra as greves, com medo que isso levasse a um retrocesso e a um novo fechamento do regime.
Diante do equívoco do PCB naquele momento, o Partido dos Trabalhadores surge nos anos 80, em um período de fortes, massivas e importantes mobilizações da nossa classe. Greves, principalmente no setor automobilístico, no ABC paulista, por demandas da classe trabalhadora à época, a radicalização das lutas por melhores condições de trabalho (reajuste salarial, estabilidade de emprego, redução de jornal e etc), mas, principalmente, a luta contra a ditadura empresarial-militar, em defesa das liberdades democráticas.
Na falta de um partido que pudesse dirigir as massas nesse novo ascenso das lutas contra o capital, novos instrumentos foram forjados no seio da luta. Essa é a conjuntura que levou à criação de PT e da Central Única dos Trabalhadores e que, ao mesmo tempo, fez com o PCB fosse isolado da classe trabalhadora. Mesmo sabendo que a posição majoritária da direção do PCB naquele momento não era unânime, ou seja, havia muitos camaradas que estavam lutando internamente para que o Partido acertasse o passo. Assim, surge o PT como nova referência da classe trabalhadora, que não quer dizer que algum dia tenha sido um partido revolucionário. No início, havia em suas resoluções alguma intenção de se chegar em “um horizonte socialista”. Então, buscando superar a estratégia Democrático-Nacional, o PT dos anos 80 formula a estratégia Democrático Popular.
A estratégia Democrático Nacional, formulada pelo PCB até aquele momento, pressupunha que era necessário, antes de adentrar a uma estratégia de uma Revolução Socialista, primeiro desenvolver um capitalismo autônomo juntando-se à burguesia nacional para finalizar tarefas em atraso, tais como reforma agrária, sistema democrático, além de desenvolver as forças produtivas considerando que, supostamente (segundo aquela formulação), o Brasil estaria em um estágio semifeudal.
Com a reconstrução revolucionária e no bojo da resistência contra a tentativa golpista de liquidação do PCB, a partir de 1992, essa estratégia é abandonada e em seu lugar é formulada a estratégia da Revolução Brasileira, pela qual se entende que o Brasil é um país capitalista e o baixo desenvolvimento tecnológico é devido a seu papel periférico e dependente no capitalismo mundial, portanto, não havendo mais que se falar em hipótese de uma burguesia nacionalista que tenha projeto nacional de desenvolvimento.
A estratégia Democrático Popular (formulação petista), por sua vez, assume um entendimento de que no Brasil ainda perdura tais tarefas em atraso, devendo-se atuar no interior das instituições do Estado Liberal para saná-las, a fim de que nesse processo se busque um horizonte socialista. Em resumo, é uma estratégia reformista. Mesmo sendo equivocada, a estratégia Democrático Nacional pressupunha uma ruptura revolucionária.
A estratégia Democrático Popular foi a que conduziu a luta da classe trabalhadora desde os anos 1980 até 2016, com o golpe que depôs Dilma Roussef, quando se esgota devido a suas limitações de origem. Para melhor compreender essa análise da estratégia Democrático Popular, indicamos a leitura da obra de Mauro Iasi, “Política, Estado e Ideologia na trama conjuntural” e também recomendamos uma aula onde esse assunto é abordado de forma magistral.
Um dos aspectos principais que foi possível analisar dessa estratégia foi a contradição em priorizar cada vez mais os espaços de disputa pelo poder nas instituições. De início, a ideia era apostar nas disputas institucionais aliadas aos movimentos de massa. Mas, na medida em que as vitórias no campo institucional se apresentavam possíveis, os movimentos de massa foram sendo cada vez mais subordinados às disputas institucionais. Exemplo disso foi o sindicalismo da CUT já nos anos 90, quando se produziram algumas vergonhosas derrotas contra as privatizações, uma vez que agiu-se de modo pragmático para obtenção de apoio eleitoral. Durante os governos do PT foi pior ainda, e a CUT passou a atuar como bombeiro da luta de classes, uma vez que foi completamente aparelhada para atuar com fins exclusivamente eleitoreiros. E nesse jogo da “real politik”, o PT colocou o golpista e (quem diria) peemedebista Michel Teer na linha de sucessão de Dilma Roussef. Trocando em miúdos, foi dessa forma que a estratégia Democrático Popular alcançou seu limite, ou seja, ela estava fadada a abandonar as lutas de massa.
Em alguma medida, é possível entender o que Requião quer dizer com “PT se transformou no Partidão”, e lhe dar razão, todavia, de forma parcial. É preciso entender que ele está a se referir ao PCB dos anos 1980. Nesta década, após o PCB ter sido quase destruído pela ditadura (teve parte do CC assassinada e parte obrigada a seguir para o exílio), havia ainda a continuidade da crise iniciada pela traição que representou o relatório Kruschev, que atingiu em cheio o movimento comunista mundial. Muitos Partidos Comunistas, sobretudo na Europa, passaram a capitular e abandonar a sigla e símbolos comunistas, adotando uma estratégia reformista e social-democrata. Muitos dos antigos quadros que retornaram ao Brasil vieram com essa mentalidade e reforçaram a política de Frente Democrática, se negando a apoiar a construção da CUT (que naquele momento era sim um importantíssimo instrumento de luta dos trabalhadores) e mantendo a sustentação política do governo Sarney até o final.
Em resumo, quando a classe trabalhadora estava mobilizada e sedenta por mudanças, o PCB estava absorvido pelas ilusões das disputas institucionais. E não foi por acaso que, após anos de uma prática que minava a democracia interna no Partido, o então Secretário Geral Roberto Freire e seus comparsas vieram a propor a liquidação do PCB, lançando mão de práticas fraudulentas e as mais espúrias possíveis. Mas como havia legítimos comunistas no PCB, esse intento não se consagrou e os golpistas e liquidacionistas tiveram que fundar um novo partido sob a sigla PPS (Partido Popular Socialista). Quando essa corja já parecia ter alcançado o fundo do esgoto, o PPS foi um dos partidos mais atuantes no impeachment de Dilma e tiveram amplo espaço no governo do golpista Michel Temer.
Em resumo, o ano de 1992 (ano da queda da União Soviética) representou um ano de refundação do PCB. Finalmente, aqueles que eram traidores da classe trabalhadora assumiram o golpismo abandonando o partido e, a partir de então, iniciou-se um processo de consolidação da estratégia da Revolução Brasileira. Para nós, esse marco temporal chamamos de Reconstrução Revolucionária. Em tal estratégia, reconhecemos que o Brasil é um país capitalista, portanto, sem tarefas em atraso por fazer, e sua baixa densidade tecnológica, baixos índices de desenvolvimento humano e altíssimas taxas de desigualdade social, além do arranjo político pouco democrático e repressivo, faz parte de suas características enquanto um país periférico e dependente, cumprindo seu papel na divisão internacional no sistema capitalista mundial.
Por isso não há que se falar em alianças com burguesia nacional, já que, de 1964 a 2016, como constatação fática, não há uma burguesia que tenha qualquer compromisso com um projeto nacional de desenvolvimento. A característica da burguesia nacional é a de fazer do Brasil um quintal do imperialismo estadunidense, atuando pelo cassino do mercado financeiro e garantindo as exportações de seus produtos primários e do setor do agronegócio. O atraso e a miséria serão superados somente pelo Poder Popular.
No processo de Reconstrução Revolucionária, nos congressos seguintes reafirmamos nosso compromisso com os princípios marxistas-leninistas, com a classe trabalhadora e a luta revolucionária pela superação do capitalismo e a construção do socialismo, através do Poder Popular. E é esse o caminho que seguimos até hoje e seguiremos até alcançar nossos objetivos. Feitas todas as autocríticas de períodos anteriores, assumimos e superamos todos os erros da nossa quase centenária existência, incorporando os acertos e convictos de que só com a ruptura radical com o sistema capitalista é que poderemos construir uma sociedade verdadeiramente justa e igualitária.
A União Soviética acabou, muitos bradaram o fim da história, mas a própria história se encarregou de mostrar que o capitalismo, este sim, é um cadáver fétido que deve ser enterrado. Basta observarmos, desde 1992, que as guerras se intensificaram, sobretudo as intervenções imperialistas por todo lado (Brasil, Bolívia, Venezuela, Líbia, Síria, Cuba, etc, etc, etc), as crises do capital, principalmente a de 2008 e a que vivemos agora. Pelo mundo, fala-se em “crise de representatividade” nos sistemas políticos de países capitalistas, quando na verdade são expressões da ditadura da burguesia atuando em detrimento aos interesses da classe trabalhadora. E com isso, por outro lado, cresce o interesse das juventudes pela inesgotável literatura de orientação marxista e se reconstroem mundo afora os partidos marxistas-leninistas fortemente atacados no pós-1992.
Nossa estratégia é revolucionária. Sem nenhuma ilusão de que, dentro dos limites do capitalismo, através de políticas reformistas ou conciliatórias, poderemos alcançar tal modelo de sociedade. E é justamente por termos essa compreensão que em nosso programa se encontram, dentre os principais eixos táticos:
• A luta pela revisão das privatizações, com reestatização das principais empresas.
• Monopólio estatal do petróleo, com a reestatização plena da Petrobras, extinção da Agência Nacional de Petróleo (ANP), anulação dos contratos de risco e leilões e gerência dos recursos do pré-sal pela Petrobras;
• A luta pelo rompimento com a submissão ao FMI e o não pagamento da dívida externa;
Por mais que o PT cometa erros parecidos com os cometidos pelo PCB dos anos 1980, por insistirem em um estratégia que, nos últimos 40 anos, tornou clara sua ineficácia na luta contra o capital e que em certa medida é responsável pela conjuntura em que vivemos hoje, é errado achar que tenha se transformado no Partidão. Afinal, o PCB não acabou. Tentaram, sim, liquidar o PCB. Mas é impossível acabar com o Partidão. Seguimos vivos, juntos da nossa classe e lutando pelo fim das opressões e de toda exploração do homem pelo homem.
Temos total ciência de que não somos o único partido que irá construir uma mudança de qualidade para a classe trabalhadora, e assim atuamos incansavelmente pela construção do Bloco Histórico Revolucionário. O PT capitulou, entrou em decadência e aquilo que é novo estamos a construir dia após dia, como disse nosso camarada Mauro Iasi. Para finalizar e, em homenagem aos camaradas Ivan Pinheiro, Zuleide Faria de Mello, Edmilson Costa, Eduardo Serra, Milton Pinheiro, Sofia Manzano e, in memorian, Horácio de Macedo, Ana Montenegro, e tantas outras e tantos outros que lutaram contra o fim do PCB, dizemos em alto e bom tom:
NÃO É MOLE NÃO, É IMPOSSÍVEL ACABAR COM O PARTIDÃO !!!!