O neoliberalismo e a falácia da modernização
Por Beatriz Contelli
LAVRA PALAVRA
Sustentado pela fábula do empreendedorismo, é conveniente ao neoliberalismo que o trabalhador tenha a ilusão de não estar sendo explorado e carregue em si a promessa de uma suposta autonomia e independência. Sob o signo da flexibilidade, os trabalhadores estão cada vez mais subordinados ao capital, o vínculo empregatício e a proteção social desaparecem e mascara-se a exploração da mais-valia.
Encabeçado pela retórica do laissez-faire, o neoliberalismo propaga uma suposta liberdade individual e econômica que aos olhos de muitos entusiastas chega quase a ser perfeita. Aliada de políticas antipopulares, esta doutrina dissemina uma modernização que além de excludente, agride diretamente a ampliação da oferta de serviços públicos, a preservação dos povos originários, a conquista de direitos trabalhistas, entre outros segmentos essenciais da sociedade.
O neoliberalismo, ao imprimir uma marca não apenas na esfera econômica, mas também na forma como se vê o público em relação ao privado, reconfigura uma noção de que o primeiro é ineficiente e oferece serviços precários, enquanto o segundo é sinônimo de eficiência e qualidade.
Os ataques sistemáticos à educação, do ensino básico ao ensino superior, sob a escusa do desenvolvimento tecnológico e da necessidade de adaptação do ensino às demandas do mercado, é uma ofensa à educação pública, gratuita e de qualidade, direitos estes reservados pela Constituição.
Em 2012 falava-se da aprovação da Lei de Cotas nas universidades. Em 2019 o assunto já era sobre um tal programa Future-se, que ao usar terminologias como “inovação” e “incubadoras de startups”, escondia seu real objetivo: ser o primeiro passo para a privatização das universidades e contribuir para a mercantilização da educação.
Assim como o ensino, o transporte público está entre os segmentos mais afetados pelas políticas de privatização. Diferente do que foi defendido por muitos, o setor privado não garante mais conforto e eficiência aos passageiros dos transportes coletivos. Com uma arquitetura que não comporta o número de usuários – observado principalmente nos horários de pico – as estações do Metrô decorrentes das parcerias público-privadas (PPP) não só tiveram suas obras atrasadas, como exigiram gastos públicos exorbitantes, favorecendo a degradação de estações que não fazem parte das PPP.
Caminhando ao lado da educação e dos transportes, as questões ambientais tiveram seus problemas aprofundados e suas soluções invisibilizadas pelo neoliberalismo. Poluição acentuada, extração elevada de recursos naturais, desmatamento crescente e até mesmo extermínio de povos nativos e negação de direitos básicos como acesso à água potável, se mostram interessantes para a doutrina neoliberal que aprofunda a problemática ambiental e social.
Com a privatização da água vem junto o aumento de preço, o que impede o acesso da população mais pobre. Com o aumento da desigualdade social, quem tem dinheiro compra água potável, quem não tem se contenta com água contaminada. E não para por aí: a privatização da água resulta em consequências para o meio ambiente. Característica de países subservientes, a redução de leis ambientais torna a privatização ainda mais atrativa aos olhos dos investimentos estrangeiros.
O sucateamento das regulações ambientais tem efeitos perversos. Ela provoca um aumento contínuo de garimpeiros, madeireiros e conglomerados estrangeiros ilegais, que envenenam solos e rios, e traz consigo o genocídio de tribos como os yanomamis, os kanamaris e os guaranis, tratados com descaso por autoridades federais.
No campo do trabalho não seria diferente. Dotado de uma busca brutal por produtividade, o neoliberalismo destrói a força humana que trabalha ao difundir a desregulamentação, a flexibilização e a terceirização. A nova dinâmica do desenvolvimento do capitalismo cria uma condição de insegurança e um modo de vida e de trabalho precários, produzindo o incremento da informalidade associada à perda de identidade individual e coletiva.
Sustentado pela fábula do empreendedorismo, é conveniente ao neoliberalismo que o trabalhador tenha a ilusão de não estar sendo explorado e carregue em si a promessa de uma suposta autonomia e independência. Sob o signo da flexibilidade, os trabalhadores estão cada vez mais subordinados ao capital, o vínculo empregatício e a proteção social desaparecem e mascara-se a exploração da mais-valia.
Assim como tudo o que é sólido desmancha no ar, o neoliberalismo e sua falaciosa modernização devastam subjetividades e economias por onde passam. Palco de experimentos fracassados, a América Latina sofre os efeitos desse discurso que ao propagar a modernização, na verdade reforça sua servidão em relação aos países centrais.
O desmonte dos serviços públicos, a degradação do meio ambiente, a precarização do trabalho, o aumento da concentração de renda, a hegemonização dos monopólios, a disseminação de preconceitos e violências, o desprezo pelas políticas sociais, fazem parte da lógica da austeridade fiscal, que característica da agenda neoliberal, valorizam a liberdade em detrimento da igualdade.
Aproveitador de cenários instáveis, o neoliberalismo perpetua a herança colonial dos países subdesenvolvidos e torna os interesses do capital como essencial para o seu desenvolvimento e efetivação. O neoliberalismo é perverso, é genocida, é agressivo, é totalitário, é produto de governos e empresas que concentram privilégios, excluem a voz das maiorias nas decisões e colocam o Estado cada vez mais a serviço de objetivos elitistas, que deliciam-se com uma bonança sem precedentes enquanto os povos das nações mais atrasadas do mundo são arrasados por pobreza e opressão absolutas.