O Triunfo da Barbárie
H. Suricatto- militante da UJC e do PCB de São Paulo
I
Há exatamente um ano, a quarentena começava pra valer em muitos lugares do Brasil. Não havia ainda muitas mortes confirmadas, mas as notícias vindas da Itália e da China assustavam. Medidas mais duras poderiam ter sido executadas, um lockdown (trancaço) de fato e aliado a medidas de contenção econômica, como viria a cumprir parcialmente o auxílio emergencial, proposta vinda da oposição parlamentar. Na contramão do Ministro da Economia, que queria R$ 200 de início, a Câmara dos Deputados, mais “sensível” aos interesses de suas bases eleitorais, deu truco de R$ 500 e o Governo cedeu em R$ 600 reais a partir de abril de 2020.
O senso comum das massas atribuiu o êxito do auxílio emergencial ao próprio Bolsonaro, que oportunista competente que é, capitalizou todo o êxito do programa emergencial de transferência de renda para si, saboreando o populismo propriamente dito. Conversando com os proletários na espontânea sobre estas questões, sobretudo os beneficiários do programa, e muitos agradeceriam a Bolsonaro por esse programa. Não foi de surpreender que tivesse efeito imediato nos índices de aprovação do Governo.
Esse programa emergencial foi necessário para atenuar a miséria absoluta que se abatia sobre as massas de trabalhadores informais e desempregados, que do dia pra noite se viram sem renda e precisavam sobreviver; logo, sairiam mais para as ruas e se sujeitariam às piores condições possíveis de trabalho do ponto de vista sanitário para ter o que comer.
Mas as leis da (crítica da) economia política são perversas: a transferência de renda não gera em si riqueza social, pois ela é mera transferência de outras fontes e o Capital exige contrapartidas de outros lugares. A inflação sobre os produtos de primeira necessidade (alimentos da cesta básica, tarifas de luz, gás e combustíveis e produtos de higiene e limpeza) corrói a renda do auxílio e forçou novamente essa massa mais tarde a se lançar às ruas em suas atividades informais para correr atrás do poder de compra perdido. A diminuição gradual do auxílio até o final de 2020 potencializou esse movimento.
Outro grupo que sofreu bastante foram os demitidos da pandemia, vindos sobretudo do comércio e dos serviços, os quais ocupavam postos de trabalho assalariados mal remunerados e de fácil descarte pelo mercado de trabalho por conta da baixa qualificação exigida. O problema é que estes postos são a maioria de muitas cidades grandes e médias, são as áreas onde mais se emprega trabalhadores no regime CLT e isso teria grande impacto não só na taxa de desemprego, mas também na maior concorrência entre o Exército Industrial de reserva nas filas do desemprego e nas já inchadas atividades informais. Cenas como as vistas no Brás, no centro de São Paulo, em dezembro de 2020, com brigas violentas entre ambulantes, se repetem cada vez mais nas regiões onde os ambulantes concentram-se mais.
II
Diante de toda essa pressão, o programa emergencial da crise do PCB trazia consigo reivindicações que combinavam com efetivas medidas a permitir o isolamento social, como a abolição dos despejos e suspensão dos aluguéis, residências e dos pequenos estabelecimentos comerciais, redução da jornada de trabalho sem redução dos salários, distribuição de cestas básicas e produtos de higiene, limpeza e de máscaras seguras para a população mais vulnerável, em suma, muitos dos pontos colocados pelo programa do nosso partido, lastreado nas efetivas necessidades dos trabalhadores, sequer foram feitas pelo Estado. Se não fossem as ações pontuais descentralizadas, muitas vezes tocadas por bravos lutadores em socorro à nossa classe em brigadas de solidariedade, a barbárie teria sido bem maior e o oportunismo bolsonarista de estímulo ao caos teria triunfado por completo.
Os trabalhadores são obrigados a se sujeitar ao transporte lotado, à violência urbana e à repressão policial, à precária situação da saúde pública e de uma educação embrutecedora, ao aumento da inflação e à consequente carestia que se abate sobre suas famílias. Riem pra dentro quando veem a intelligentsia chamada pela imprensa clamando pela defesa da democracia, quando em seus locais de trabalho sequer há democracia e não encontram na maioria das entidades que os deveria defender qualquer ajuda em defesa séria dos seus direitos.
III
A barbárie, meus camaradas e companheiros, infelizmente foi naturalizada, já era naturalizada antes da pandemia e a COVID-19 é só mais uma barbárie das várias barbáries que já se batem sobre nossa classe. E nada colaborou mais para essa aceitação sistemática de todas estas violências que o desarme da organização independente de nossa classe, promovida pela conciliação de classes em comum acordo com a burguesia para se manter no poder. O curioso é que os mesmos que promoveram a desorganização dos trabalhadores e enfiaram goela abaixo a barbárie são os mesmos que, choramingando pela ausência de uma contestação maior e organizada ao governo Bolsonaro, clamam por uma reação insurgente contra o Governo.
Giram tudo para o institucional, sufocam a organização independente e coletiva da classe, apagam suas tradições de luta e não fazem nenhum esforço real para organizá-la sob estes termos, senão para ser massa eleitoral para 2022, sendo cúmplice desta barbárie. Se é consciente ou não depende muito de um grupo pra outro, de um indivíduo para outro.
Se não é a mínima movimentação da esquerda revolucionária contra as aspirações golpistas de Bolsonaro no meio de 2020 – a única oposição consequente ao Governo – estaríamos em uma situação muito, mas muito pior. Devemos nos orgulhar desta iniciativa, mas ela é insuficiente para dar conta das tarefas colocadas ao conjunto dos revolucionários nesta conjuntura onde já perdemos 270 mil pessoas para esta doença, onde milhões de brasileiros foram lançados a pobreza e miséria e pelas particularidades de nossa desgraça, se não nos movimentar-nos está longe de acabar.
IV
Os trabalhadores não devem mais aceitar este estado permanente de miséria e barbárie, precisam ter mais que a consciência de toda esta condição – pois já tem, mas procurar superar de forma coletiva, não aceitar essa desumanização para si e para os seus pares, encontrar em nós, a vanguarda consequente, a saída. Devemos reorganizá-la dentro de suas demandas para lutar contra o Governo e derrubá-lo.
Não somos como a falsa oposição ao Governo, seja a direita, seja a “ex-querda”, que fazem os cálculos para 2022 em cima de seus projetos mesquinhos de poder sobre as vítimas da doença. A rejeição ao Governo é maior que sua aprovação, mas os seus apoiadores estão bem mais organizados e coesos que qualquer oposição. As tarefas colocadas aos comunistas depois de um ano de pandemia no Brasil continuam atuais. É necessário estar junto à classe na superação de suas dificuldades, erguer e fortalecer as brigadas de solidariedade, usar a agitação e propaganda para organizá-la em torno de nossas palavras de ordem para além do apoio passivo, mas para a ação coletiva pela defesa da vacinação em massa, da retomada dos empregos, contra o aumento dos preços e em defesa do SUS público e da permanência do auxílio enquanto o estado de emergência durar.
Não é nenhum exagero afirmar que estas palavras de ordem encontram convergência numa única palavra de ordem capaz de mobilizar, por diferentes interesses de classe, amplos setores da sociedade, mas apenas os comunistas podem levar até às últimas consequências e fortalecer a organização de nossa classe: FORA BOLSONARO E MOURÃO!