O Ministério da Saúde do governo genocida
Foto: Igo Estrela/Metrópoles
Por Marcelo Bamonte Seoane, membro da Comissão de Comunicação e Jornalismo do PCB.
Colocada de joelhos diante da maior crise sanitária do século, a classe trabalhadora brasileira trava uma luta de sobrevivência contra a COVID-19. Se antes as medidas de isolamento social pairavam como fábulas, restritas ao estrato superior das classes médias altas, agora elas se tornam inexistentes, sendo um pequeno peso na balança da contenção do vírus no país. Passando o número de 300 mil mortos, se contarmos com as subnotificações, o Brasil continua a ser o país com mais mortes por dia em decorrência da doença, com mais de 1.000 brasileiros vitimados. Os estados, vulneráveis, tentam promover medidas de segurança social, que se provam falhas, escancaradas pelo colapso do sistema de saúde, pela falta de vacinas e recusa dos altos setores do governo em reconhecer a situação da nação. Todos esses fatores, que fizeram do Brasil um laboratório aberto, possibilitando a propagação de novas cepas da doença, são diretamente decorrentes do projeto genocida de Jair Bolsonaro e das Forças Armadas. Para compreender o fenômeno, é necessário que conheçamos os agentes envolvidos nos processos. Principalmente os ministros que atuaram durante o cenário pandêmico.
No início da pandemia, o responsável era o médico ortopedista Luiz Henrique Mandetta, que assumiu o Ministério da Saúde no dia 1º de janeiro de 2019, ficando no cargo até 16 de abril de 2020. Em sua gestão, realmente houve uma defesa do padrão mínimo das orientações da OMS (Organização Mundial da Saúde), promovendo o isolamento social, uso de máscaras e o cumprimento da quarentena. Travou conflitos com Bolsonaro, que pretendia estabelecer como projeto o uso da cloroquina no tratamento do vírus, medida que se mostrava ineficaz pela comunidade médica internacional. Dentro do projeto e das verbas disponíveis, Bolsonaro ordenou, à época, que o Exército Brasileiro confeccionasse o medicamento, alcançando a marca de 3,2 milhões de comprimidos produzidos. Hoje, há um estoque de mais de 400 mil comprimidos sem uso.
O embate com Mandetta resultou em sua demissão, mas não há campo para ilusão. Mandetta, quando deputado federal pelo DEM, foi um dos principais articuladores da PEC do Teto de Gastos. A Emenda Constitucional-95, que também teve o apoio de Bolsonaro, retirou R$ 22,5 bilhões do SUS. O valor, que à época era maior do que o próprio fundo emergencial do Governo para a contenção do vírus (R$ 18, 9 bilhões), poderia ter sido utilizado para garantir o funcionamento do sistema de saúde sem seu iminente colapso. Além disso, Mandetta era crítico ferrenho do programa Mais Médicos. Com a falta de profissionais diante da conjuntura inicial da pandemia, Mandetta tentou reconvocar os médicos cubanos após o país decidir deixar o programa Mais Médicos, principalmente diante das ameaças de Jair Bolsonaro.
O saldo era previsível. Em sua gestão, dos dois mil leitos prometidos para combate à COVID-19, apenas 350 foram entregues. A testagem em massa, prometida e fixada na casa de dois milhões de profissionais de saúde, segurança pública e familiares, também não foi cumprida. Ainda ao final de abril, dez mil respiradores foram comprados, enquanto 33% das cidades brasileiras tinham, no máximo, dez respiradores mecânicos. Ineficaz, sem articulação política e exaltado diante da ilusão de ter feito muito, Mandetta deixou o Ministério da Saúde, abrindo espaço para seu sucessor, Nelson Teich.
A passagem de Teich foi curta, tendo assumido em 16 de abril e deixando o cargo no dia 15 de maio. A troca sucessiva do Ministro da Saúde expressava claramente o negacionismo das evidências científicas para empreender a abjeta política de morte adotada pelo Governo. Pesquisadores da Fiocruz recebiam ameaças e ataques de seguidores do presidente, principalmente após a divulgação de resultados preliminares de estudo sobre o uso da cloroquina em pacientes de COVID-19. Teich se opôs ao uso do remédio, mas teve pouca utilidade no cargo, nem sendo consultado quando o governo federal, por exemplo, editou decretos que iam contra as medidas estabelecidas pela OMS. Também obteve fracassos. O ex-ministro anunciou a compra de 46 milhões de testes, que mal chegaram ao número de 5,1 milhões. Além disso, também falhou em entregar leitos emergenciais de UTI. Em abril, por exemplo, mais de duas mil unidades estavam previstas para serem entregues, mas o número não passou da casa das 273. Não havia diálogo do ministro entre os estados e municípios, mergulhando em um discurso confuso e esparso, dificilmente estabelecendo uma linha de atuação.
À época, o PCB já denunciava a inércia e o descaso do Governo Federal e Ministério da Saúde frente ao grave quadro apresentado, reivindicando diversas medidas em seu manifesto pela vida e contra a política de morte. Vale igualmente lembrar que a classe trabalhadora, sem condições de se manter em casa, sem acesso aos equipamentos de proteção individual e forçada a escolher entre morrer de fome ou com o vírus, conseguiu um breve suspiro com o início da distribuição do auxílio emergencial. Em 16 de abril foi paga a primeira parcela aos beneficiários do Bolsa Família, que receberam um valor de 600 reais. A distribuição do montante se estenderia até o final do ano, sofrendo modificações pelo sucessor de Teich, o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello.
A entrada de Pazuello escancarou a profunda e complexa ligação de Bolsonaro com as Forças Armadas. A própria eleição de Bolsonaro ocorreu com um general como vice-presidente e amplo apoio no Exército. Desde a ditadura militar, nunca houve presença tão grande dos braços armados do Estado em um governo. Se o apoio dos militares se mostrava crucial no jogo político de manutenção do poder, trocas de moedas e estabilização de bases, a ida de Pazuello ao Ministério era apenas mais um fator no tabuleiro. Funcionando como o braço de uma chave de moderação, o general assumiu no dia 15 de maio. As medidas iniciais foram de indicação do uso de cloroquina para pacientes com quadros leves de Covid-19. Além disso, a divulgação de dados sobre a propagação do vírus foi ocultada e desorganizada de maneira proposital, tentando esconder o projeto de genocídio em curso, inclusive com a própria sabotagem planejada do site do Ministério da Saúde.
As conversas sobre vacinação começaram em agosto, ainda sem um planejamento definido. Dados posteriores indicaram que, apenas em 2020, Bolsonaro recusou três ofertas do Instituto Butantan para comprar a CoronaVac, a vacina produzida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. A primeira oferta, feita em 30 de julho, por meio do ofício 160/2020, alertava que o instituto tinha condições de fornecer “60 milhões de doses da vacina a partir do último trimestre de 2020”. A correspondência, assinada pelo diretor do Butantan, Dimas Covas, foi endereçada a Pazuello. Como se sabe, o Butantan nunca recebeu uma resposta sobre a oferta. O instituto voltaria a insistir na oferta no dia 18 de agosto. Enviou um segundo ofício, sob o número 177/2020, em que reafirmava a proposta. Em 7 de outubro, o Butantan decidiu tentar de novo e enviou outro ofício ao Ministério da Saúde. Era mais enfático que os anteriores, mas todos sem resposta.
O auxílio emergencial, único fator que poderia garantir o cumprimento do isolamento social pelas camadas inferiores da população, sofreu fortes ataques. Neste ano de 2021, o novo auxílio emergencial deve atender 39,8 milhões de pessoas. Isso significa 28,4 milhões a menos do que os 68,2 milhões ajudados no ano passado. Em 2020, segundo dados da Caixa Econômica Federal, o governo federal gastou R$ 292,9 bilhões com as duas rodadas de auxílio emergencial (a primeira de R$ 600 e a segunda de R$ 300). Para 2021, a previsão é de que apenas R$ 44 bilhões sejam gastos. Mais 5,4 milhões de pessoas deixarão de receber o benefício só em São Paulo. Na sequência, Minas Gerais (2,7 milhões), Bahia (2,4 milhões) e Rio de Janeiro (2,3 milhões) são os estados que terão mais cidadãos excluídos do novo auxílio. Considerando o tamanho da população, o Piauí foi o estado com o maior percentual de pessoas recebendo o auxílio no ano passado (40% da população recebeu o benefício em 2020).
Enquanto isso, os preços de alimentos e bens de consumo apenas aumentaram, escancarando a preferência de um modelo econômico utópico à sobrevivência do povo. Com os preços atuais do auxílio, que são de R$ 150 para quem mora sozinho, o brasileiro não poderá comprar nem uma cesta básica, já que a verba destinada não alcança nem 30% de seu preço. Com os pagamentos estimados para começarem apenas em abril, o mercado e as elites se regozijam no topo de seu próprio mundo. Furando vilas de vacinação, o que importa é o giro das ações da Bolsa. Um dos acionistas da Via Varejo, por exemplo, o milionário Michael Klein, chegou a afirmar que “Bolsonaro está fazendo um bom trabalho” e que o “manteria no governo”. Segundo o empresário, o ponto forte seria a atuação de Paulo Guedes na economia e o que importa é “ser um bom gestor”. A fala foi feita no dia em que o Brasil batia a marca de 1972 mortos em 24 horas.
As mortes continuavam a subir e os escândalos da relação de subserviência de Pazuello a Bolsonaro se mostravam mais evidentes. O general, “designado para cumprir uma missão”, como o próprio afirmava, era mais utilizado como um apoio para manobras do que considerado como um agente racional em si. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o Ministério da Saúde gastou, de março ao início de julho, somente 29% do dinheiro que recebeu para as ações de combate ao coronavírus. Outro levantamento, feito pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) em novembro, apontou que R$ 5,6 bilhões do orçamento da pasta para o combate à pandemia ainda não tinham sido utilizados. Entre o caos e colapso do sistema, com o aumento do número de casos, capitais brasileiras carecem de materiais básicos para garantir a sobrevivência da população, como cilindros de oxigênio e medicamentos nas UTIs, de norte a sul do país. As campanhas de vacinação, iniciadas mais tarde, desprovidas de logística e não chegando a vacinar nem 5% do país, foram apenas mais um dos fatores do fracasso total de Pazuello, que deixou o ministério no dia 15 de março de 2021, alegando problemas de saúde.
No mesmo dia 15/03, quem assumiu a pasta foi Marcelo Queiroga. O mesmo, ainda em reuniões iniciais, descartou o lockdown como medida de segurança, dizendo que as políticas públicas serão colocadas em prática guiadas por Jair Bolsonaro. Não se pode esperar uma melhora de quadro, visto que o novo ministro, sendo apenas mais uma peça no tabuleiro político genocida de Jair, deve continuar dando continuidade ao massacre da nação.
Pode-se falar em fracasso, realmente? O Brasil, hoje, é um palco completamente destruído pela tentativa de implementação de um sistema neoliberal utópico, que se estende de longa data. E o roteiro é simples. É claramente impossível que o Brasil supere a pandemia com as amarras governamentais que a elite burguesa defende — e que estão sendo aplicadas com êxito. O distanciamento social não existe, assim como as medidas econômicas que garantam a sobrevivência da população, caso a mesma decida se proteger em suas residências. Em uma nação que nega até o direito de moradia, é impossível pesar a culpa em uma suposta conduta moral ideal por parte da classe trabalhadora. Ou se trabalha para garantir a chance de sobreviver, ou perecemos. E o último cenário se mostra predominante.
A distribuição de vacinas é vergonhosa. Sem doses, incentivo ou logística, os profissionais de saúde se desdobram em uma tarefa ardilosa e que se mostra cada vez mais impossível. Enquanto o sistema de saúde não dá conta de atender todos os infectados (não nos é preciso ressaltar a falta de leitos, um imperativo cruel normalizado), é aprovada, na Câmara dos Deputados, o “direito” de o setor privado comprar vacinas após a vacinação de categorias prioritárias. A eugenia de classe, tão típica nos círculos das elites brasileiras, mostra-se apenas mais evidente.
O Brasil passa por um genocídio. Está em curso, avança e não tem freios — ou perspectiva de ser freado. As categorias de raça, classe e distribuição geográfica na classificação dos óbitos são claras. No Brasil de Bolsonaro, Guedes e sua casta, escolhe-se quem morre, onde e como. Seja pela violência dos braços armados do Estado, pela fome, pela falta de saneamento ou pela doença. O ponto é de tanta calamidade que o colapso já se estende ao sistema funerário. Os solos deste país, antes sagrados e cultivados por seus povos nativos, hoje abraçam de forma melancólica seu próprio povo, esvaindo seu significado. O país de terra fértil para plantio, ao mirante da burguesia, é fértil também para cultivar corpos.
Bolsonaro, acuado, não pode dar o mínimo de espaço para alguma manobra que melhoraria a situação da população. As revoltas, inevitáveis, podem surgir e serem rechaçadas com toda força. Do ponto de vista estratégico, o Governo está vencendo. O avanço da agenda neoliberal e seu Deus Mercado escancara, em sua outra ponta, o abandono das políticas sociais que garantam o mínimo de chance ao povo. O desmonte público continua, o sistema de saúde entra em colapso. Não há emprego, não há moradia.
As tarefas organizacionais são gigantescas. Diante das possíveis lutas pontuais, como o direito à vacina, isolamento social e auxílio emergencial, somente a organização da classe trabalhadora poderá garantir o mínimo de chance em um confronto entre as tropas mobilizadas do setor burguês contra as nossas forças. De um lado, o aparato governamental, mansões de seis milhões de reais, a hegemonia midiática, a idealização genocida. Do outro, o povo. Não existe chance de sobrevivência sem a manutenção dos salários, renda mínima, que deve complementar essas políticas para quem não tem renda formal, auxílio do Estado em pequenos e médios negócios. Isso não existe para o ultra-liberalismo fiscal. Sendo mera cobaia da elite liberal, a região da Av. Faria Lima se inunda de sangue tanto quanto os palácios de mármore de Brasília.
Por isso o PCB defende, de forma imediata, a saída de Bolsonaro e Mourão, os algozes genocidas do povo brasileiro. EXIGIMOS vacinação para todos, combate à carestia e custo de vida da classe trabalhadora. EXIGIMOS lockdown imediato e a volta do auxílio emergencial, garantia dos empregos e abastecimento.
Socialismo ou barbárie.
Fontes:
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/15/mandetta-teich-e-pazuello-veja-como-ministros-de-bolsonaro-enfrentaram-o-1o-ano-da-pandemia-de-covid.ghtml
https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/03/15/mandetta-teich-pazuello-e-queiroga-os-4-ministros-da-saude-da-pandemia.htm
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2021/03/15/mandetta-teich-e-pazuello-veja-como-ministros-de-bolsonaro-enfrentaram-o-1o-ano-da-pandemia-de-covid.ghtml
https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2021/03/15/brasil-e-ameaca-a-saude-publica-mundial-diz-especialista-sobre-pandemia.htm
https://www.istoedinheiro.com.br/auxilio-emergencial-veja-quem-vai-receber-primeiro-e-quando/
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/03/16/numero-brasileiros-receber-auxilio-emergencial-2021.htm
https://noticias.uol.com.br/colunas/rubens-valente/2020/04/13/coronavirus-mandetta-pec-gastos-saude.htm
https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2020/11/16/sem-demanda-nos-estados-400-mil-comprimidos-de-cloroquina-encalham-no-exercito
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/11/14/cuba-decide-deixar-programa-mais-medicos-no-brasil.ghtml
Bolsonaro e os militares: Não há saída institucional para um governo da força
Wilson Barbosa: “os militares são completamente separados do povo brasileiro”
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/03/governo-negou-3-vezes-ofertas-da-pfizer-e-perdeu-ao-menos-3-milhoes-de-doses-de-vacina.shtml
Bolsonaro nega anúncio de vacina do Ministério da Saúde: ‘Não compraremos vacina da China’
https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/03/16/ministro-da-saude-executa-a-politica-do-governo-diz-queiroga-ao-chegar-a-reuniao-com-pazuello.ghtml
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-esta-fazendo-um-bom-trabalho-eu-manteria-ele-diz-michael-klein,70003641246