Perdão ou mais uma conciliação pelo alto?
Jones Manoel – historiador e militante do PCB
A ideologia jurídica burguesa diz que todos são iguais, cidadãos, que o meu voto vale o mesmo que o voto do dono da Rede Globo. Na prática, porém, não é assim. Eu, professor, trabalhador, pobre, não tenho os mesmos meios para influenciar a política que um bilionário. Não tenho cadeia de TV, rádio ou um grande jornal; não financio partidos políticos; não controlo instituto de pesquisas etc. No plano jurídico, somos iguais, no mundo real, não. Nesse sentido, é ilusão falar abstratamente em “eleitor de Bolsonaro”.
Seu Zé e Dona Maria, despolitizados, levados pela propaganda do zap, influência do pastor ou a simples onda do momento, votaram em Bolsonaro. Não são fascistas. Precisam ser conquistados, organizados, acolhidos. Para eles, todo diálogo do mundo!
E o burguês que apoiou o bolsonarismo? E o jornalista, pastor, político, celebridade e afins que pregaram voto em Bolsonaro? Esses são responsáveis diretos pela tragédia que vivemos. Ainda na campanha eleitoral, Bolsonaro falou, por exemplo, em metralhar a favela da Rocinha!
Quando Luciano Huck mesmo assim declara apoio a Bolsonaro e o Estadão diz que é “uma escolha muito difícil”, eles não sabiam que Bolsonaro falava em metralhar pobre? Sabiam sim. Foi escolha totalmente consciente.
A burguesia fez sua escolha sabendo o que poderia acontecer. A expectativa era aumentar a violência policial nas favelas, no campo, contra os movimentos populares. Mas, no meio do caminho, veio uma pandemia. O problema deles nunca foi, por exemplo, com o “excludente de ilicitude” de Sergio Moro, para poder matar mais preto e pobre.
O problema é que o Brasil é olhado como uma bomba viral e uma máquina de matar gente pelo mundo. Começaram a sentir medo e de que é possível que tenhamos punição para o genocídio que vivemos. Por isso, querem mais uma “anistia ampla, geral e irrestrita”. Sentem que o barco tá afundando. Matar nas favelas é de boas. Ser notícia mundial a partir de um genocídio, não. Nessa situação, recorrem ao cinismo de dizer que todos, desde o Seu Zé até a Fiesp, o bilionário e o formador de opinião, têm a mesma responsabilidade. Não têm!
Pagamos um preço muito caro por não ter passado a limpo a memória da ditadura, não ter punido os torturadores, não ter dado um fim ao “entulho autoritário” no Estado e por seguir convivendo com os “filhotes da ditadura”. Só um país sem memória poderia aceitar um fã de Ustra sem problemas.
Você deseja repetir o mesmo roteiro? Jogar os mortos para debaixo do tapete, confraternizar com os assassinos, pregar uma nova “união nacional”, normalizando esse genocídio? Esse país não terá futuro enquanto for normal matar em massa e seguir como figura respeitável.
E lembre-se que apoiar uma política de “esquecimento nacional” é dizer para os que morreram que sua morte não significou nada e que tudo segue normal. Eu quero sim dialogar, disputar e debater com todo povo trabalhador que votou em Bolsonaro. Mas vou lutar, e lutar muito, para não acontecer outra política de conciliação pelo alto, outro grande pacto de “esquecimento nacional”, outra aliança com os filhotes do genocídio. Já basta! Precisamos aprender com nossa história e não repetir os erros.