Prisões, baionetas e o vírus

imagemUma nota sobre a urgência da mobilização de massas em contexto pandêmico

Por Pedro Teo*

O mês de março se iniciou com fortes mobilizações em terras paraguaias. Grandes manifestações de rua que clamam pela sobrevivência da classe trabalhadora do país, medidas efetivas de enfrentamento à pandemia, que já conquistaram a renúncia de um ministro, a troca de outros três, e caminham para a derrubada do atual presidente, Mario Abdo Benítez, ligado ao Partido Colorado e herdeiro político do ditador Stroessner.

A situação pandêmica no Paraguai se assemelha muito com a brasileira. O governo, de extrema direita, opera uma gestão desastrosa do ponto de vista dos trabalhadores, sem combate efetivo ao vírus, colapso do sistema de saúde, menos de 1% da população vacinada, sem utilização de orçamento para garantir a sobrevivência dos trabalhadores, além de forte repressão às manifestações, que já contam com assassinatos e dezenas de presos. O Partido Comunista Paraguayo já propõe, para além da derrubada do atual presidente, um programa de emergência para a classe trabalhadora paraguaia.

A pandemia é, no modo em que se encontra, um fato e um desafio novo para a nossa geração, que deixa a luta de classes exposta em carne viva. No nível internacional percebemos uma clara diferença no tratamento à questão pandêmica entre os países socialistas (ou de planejamento central) e capitalistas. Enquanto os primeiros combateram com severidade desde o início da disseminação do vírus, para salvar as vidas de seus trabalhadores, fazendo lockdown, testagem em massa, fechamento de fronteiras, rastreamento de contatos, etc., os países capitalistas se preocupam mais em salvar a lucratividade de sua burguesia. A China lança uma vacina efetiva, e prioriza o envio aos países de terceiro mundo; o Vietnã mantém 6 meses sem nenhuma morte pelo vírus; Cuba está perto de lançar a vacina Soberana 2, mesmo diante embargos criminosos contra a ilha, e pretende produzir 100 milhões de doses ainda em 2021, mesmo tendo uma população de pouco mais de 11 milhões.

No centro do Império, os Estados Unidos conta com mais de 500 mil mortes pela Covid, além de manter e intensificar embargos econômicos contra os países que colocam em cheque sua soberania imperialista. O Brasil já passa das 250 mil mortes e, em razão do constante sucateamento dos serviços públicos, em especial o SUS, já chega a quase 100% das ocupações dos leitos em todo o país, além de uma crescente pauperização da classe trabalhadora ocasionada pelas medidas neoliberais do fascista que ocupa a presidência.

A situação pandêmica reflete incisivamente nas condições de luta de cada classe. Escancara que enquanto uns mantêm-se com seus lucros crescentes e “passando a boiada”, outros se debatem em espasmos e ainda há aqueles que minguam no imobilismo.

A burguesia mantém a vida boa e a atuação política durante a pandemia como se nada estivesse acontecendo. As taxas de lucro continuam a crescer, e seus representantes pagos auxiliam no avanço de medidas de austericídio, privatizações, e corte de direitos. Ainda mantém uma boa representação com uma gama de partidos políticos ligados diretamente a eles, e avança numa infiltração em partidos que tradicionalmente mantinham, ou pretendiam manter, bases proletárias. Uma parcela da burguesia mais reacionária e anti científica brada e ressoa desinformações sobre o vírus, e formam, em conjunto de uma boa parte da pequena burguesia, uma forte base bolsonarista. Essa última ainda se desespera, alimentada e alimentando o bonapartismo em torno da figura de Bolsonaro, lutando pela manutenção de seus negócios abertos em prol do mote “o Brasil não pode parar”, em principal os que são donos de comércios, que necessitam do consumo e circulação para manter-se abertos. Os trabalhadores, por sua vez, se veem desarmados, pois têm na organização e mobilização de massas sua única arma para frear os retrocessos e conquistar os avanços necessários para sua sobrevivência, sendo assim impossibilitados e desencorajados a irem às ruas em luta pelos seus direitos.

O apontar dos dedos limpos

As reações quanto às mobilizações paraguaias já se iniciaram. De um lado clamam para que se faça igual aos nossos irmãos – assim como falavam das manifestações, que conquistaram uma nova constituinte, no Chile em 2019-20 – acusando a esquerda brasileira de um “bundamolismo” imobilizante (e com certa razão), mas cheios de soberba e ego. No fim, esse apontar de dedos só mostra um desconhecimento da realidade material brasileira, é um sintoma de quem pouco constrói cotidianamente a luta política real. Ainda mostra uma visão mecânica da luta das massas, entendendo que pode haver uma transposição de métodos e táticas, ou que descerá dos céus o “espírito santo” da mobilização quando nossa classe se atentar aos movimentos que agitam nossos vizinhos.

A necessidade histórica está dada, salvar a classe trabalhadora de um genocídio orquestrado pelo governo Bolsonaro-Mourão, a partir da pandemia, do desemprego, do austericídio e ataque aos direitos trabalhistas, da fome e da miséria. Mas a mobilização das massas não é fabricada artificialmente, de modelo transportado de um lugar para o outro, nem desce dos céus iluminando o espírito dos injustiçados para que alcancem a glória eterna através de sua força. A mobilização é construída cotidianamente, a partir da mediação das necessidades urgentes e concretas, num processo de elevação da consciência e aí movimento. E esse processo deve dar-se antes, durante e depois ao ato insurrecional, inclusive não ignorando e disputando os espontaneísmos, como bem aponta Lênin.

Mesmo que não seja fabricada artificialmente, há um dispositivo capaz de engatilhar e potencializar essas mobilizações, colocando-as na perspectiva de um horizonte estratégico, de um projeto de futuro que vai para além dessa mobilização. O nome do dispositivo é o Partido Comunista, a ferramenta mais sólida que os trabalhadores podem operar. É a organização revolucionária, que pavimenta, através da luta orgânica, o caminho da vitória. A mobilização de massas, assim como qualquer etapa do processo revolucionário, não é um tiro no escuro, ela é originada da ação consciente da vanguarda, orquestrada a partir das condições reais da luta real. Dito isso, é no Partido revolucionário, e só a partir dele, que se encontra o potencial da mobilização efetiva dos trabalhadores pela conquista de seus interesses.

As novas “baionetas prussianas”

Do outro lado dos dedos apontados há aqueles que mantêm a palavra de ordem do “fique em casa”, frente a uma pandemia que já chega perto de 300 mil vidas ceifadas, com variações genéticas do vírus, tornando-o cada vez mais perigoso, sem uma estratégia de vacinação em massa, e com um sistema de saúde entrando em colapso, devido também ao seu desmonte contínuo, e o governo Bolsonaro-Mourão fazendo de tudo para potencializar as mortes.

Para além das centenas de milhares de mortes ocasionadas pelo vírus, o Governo Bolsonaro-Mourão e sua corja aliada ainda avança a galope sobre os trabalhadores, destruindo e privatizando empresas e serviços públicos, precarizando as leis trabalhistas, cortando direitos conquistados, sem falar na alta do desemprego e da miséria, da falta de perspectiva e do adoecimento mental, do aumento constante de preços e da diminuição do valor real do salário. Sem nunca ter havido uma quarentena real no país, trabalhadores se lançam à sorte diariamente em transportes lotados, com falta de equipamentos de proteção sanitária efetivos, para chegar em seus trabalhos e labutar, aglomerados, por um salário de fome no fim do mês.

Parte da esquerda ainda espera atingirmos uma diminuição de casos, um aumento do descontentamento das massas com o governo para voltarmos em massa para as ruas. Há ainda aqueles que esperam pela cisão de parte da burguesia apoiadora do atual governo, para que, na possível derrubada de Bolsonaro, não haja um golpe com fechamento maior do regime. Enfim, entendem que deve-se esperar as condições perfeitas para assim fazer o que tem que ser feito, quase como se esperar para jogar a isca na água apenas quando o peixe estiver com a boca aberta.

Bom, sinto dizer aos senhores esperançosos com a melhora, que ela não virá, e que se vier não estará ao nosso lado se continuarmos no imobilismo. Os casos não diminuirão e cada dia mais nos acostumaremos com milhares de mortos noticiados, a vacinação não avançará, e as condições só se tornarão mais difíceis. O terreno se torna mais espinhoso a cada passo dado. O medo da mobilização de massas não é de hoje. Rosa, no seu livro “Greve de Massas, partido e sindicatos”, coloca que havia relutância em se fazer greve de massas, pois havia insuficiência nas organizações operárias e muita força nas baionetas prussianas, e assim, se no caso de insurgência, presos e mortos seriam os organizadores.

É fato então que a burguesia se põe sempre preparada para a repressão à insurgência dos trabalhadores, e se mostra bem equipada com suas forças armadas e repressivas, suas leis e suas prisões para qualquer caso de haver a necessidade de colocar pedras soltas no caminho da história. Dito isso, não haverá baixa na guarda da burguesia em nenhum momento sequer, pois não podem deixar que haja qualquer avanço na luta e organização daqueles que são os únicos que podem tirá-los do poder e construir uma sociedade em que estes não existam mais.

Ainda é necessário apontar que num país que tem a sua história atravessada por extermínio, violência e exploração aos trabalhadores, em especial, os negros, mulheres e povos originários, não será a visualização do alto número de óbitos, nem a proximidade de afeto ou parentesco dos mortos que mobilizará nossa classe. E é justamente essa parcela da população historicamente afetada por esse projeto, que hoje continua a morrer, sendo obrigados a continuarem trabalhando.

Da mesma forma que as prisões e baionetas, o vírus, muito bem utilizado pelo atual governo, não deve ser mais um impeditivo para a mobilização de massas. A letargia da esquerda frente aos atuais ataques deve ser superada a partir da elevação da consciência e mobilização. Não há tempo para ter medo, já disse o camarada Marighella, pois o medo do enfrentamento está sendo pago com o nosso futuro.

Os nossos irmãos paraguaios nos dão mais uma inspiração de que só a luta muda a vida, a partir das suas conquistas que estão sendo construídas nesse momento. Eles enfrentam as prisões e baionetas paraguaias e o vírus para salvar seu futuro, nós devemos fazer o mesmo, enfrentar as prisões e baionetas brasileiras, que já estão posicionadas contra nosso peito, mobilizar as massas para vencer o vírus, o capitalismo e construir o futuro, o Poder Popular!

Diante dos recentes fatos envolvendo algumas figuras destacadas da política nacional, e movimentações jurídicas para fazer o que devia ter sido feito há muito tempo, é possível que haja um aumento na confiança às instituições entre a esquerda, mas não criemos ilusões na institucionalidade, a vitória não é nossa, não foi construída por nós, e nosso inimigo, a burguesia, não dá pontos sem nó em qualquer processo que seja. É a partir das necessidades imediatas e concretas que pavimentaremos o caminho da mobilização de massas. A partir das Brigadas de Solidariedade, dos Comitês de Luta Pela Vacinação, é que se erguem as possibilidades de elevação da consciência dos trabalhadores brasileiros, com um trabalho de base constante e bem feito, orientados por uma estratégia acertada, construiremos, em unidade aos setores da classe trabalhadora, a arma que derrubará o bolsonarismo e seus representantes. Ousemos construir um futuro novo, lutemos pelo Poder Popular, rumo ao Socialismo!

*Militante da União da Juventude Comunista, estudante e professor de história na rede Estadual de Educação do Paraná.

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