Não ao Acordo de Livre Comércio Mercosul-UE!

imagemMaila Costa – militante do PCB de Caxias do Sul (RS)

Menos de uma década após a criação do Mercosul (1991), que integra Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai em uma área de livre comércio e circulação de pessoas, já se iniciavam os diálogos sobre um possível acordo comercial com a União Europeia. Entretanto, as negociações não avançaram, em parte, devido aos países do Mercosul terem tido seus governos neoliberais substituídos por presidentes de esquerda, ainda que moderada, mas que priorizaram a integração da América Latina.

Com a ascensão do neoliberalismo nos últimos anos, o documento voltou para a pauta e, em 2019, o Acordo de Livre Comércio Mercosul-UE foi assinado, depois de vinte anos de negociações a portas fechadas, sem envolver as populações potencialmente afetadas. No Brasil, o golpista Michel Temer foi o responsável por retomar as negociações e o presidente genocida Jair Bolsonaro por assinar o acordo. Na Argentina, Mauricio Macri aquiesceu ao tratado. Os dois países representam 97% da economia do bloco. No momento, o documento está sendo revisado pelas duas partes e depois será traduzido nas línguas de todos os países envolvidos e apresentado ao Congresso para ratificação.

O acordo, que permitirá a eliminação ou a redução de tarifas de importação de produtos comercializados entre os dois blocos, não é uma boa notícia para a classe trabalhadora, principalmente para os trabalhadores do campo de ambos os lados do Atlântico. Ele é uma ameaça social e ecológica que serve às grandes transnacionais europeias e seus objetivos imperialistas de importação de matérias primas baratas, privatização de serviços e ampliação de mercados para seus produtos industrializados. Em contrapartida, o tratado é de interesse dos latifundiários do Mercosul, pois pode proporcionar lucros extraordinários através da intensificação do modelo agroindustrial, intensivo e de monocultura, com arranjos neocoloniais, onde o bloco funcionaria como fornecedor de matérias primas agrícolas.

Trata-se claramente de uma morte planejada do setor pecuário e agrícola na Europa às custas da degradação da natureza, desemprego, precarização de postos de trabalho, violação dos modos de vida dos povos tradicionais, abuso animal e desindustrialização do nosso grupo ao mesmo tempo que do abandono dos produtores europeus. Isto em troca da abertura do mercado do Mercosul aos automóveis, máquinas, produtos químicos e medicamentos europeus, cujo principal beneficiário seria a Alemanha, que segue exportando pesticidas que não são mais autorizados na União Europeia. Além disso, é importante lembrar que montadoras já têm fechado suas plantas no Brasil.

Para os capitalistas que manejam o agronegócio, o destino e as consequências da produção de soja, milho ou carne pouco importam. A intensificação deste modelo agrícola contribui para a devastação de regiões inteiras, como o Cerrado, que já teve mais de sua metade destruída em função do agronegócio, e a Amazônia, que está constantemente sob ataque. A produção animal, um dos mercados centrais deste acordo, além dos danos ambientais, trabalhistas e desperdício de recursos, é responsável pela exploração, abuso e violação de milhões de animais sencientes que agonizam em fazendas, abatedouros, granjas e frigoríficos.

Além disso, o apoio irrestrito ao modelo do agronegócio negligencia a manutenção das reservas públicas de alimentos, transferindo ao capital uma questão estratégica do país e retirando dos povos seu direito à soberania alimentar. Ao entregar para empresas estrangeiras este mercado, os governos renunciam a sua autonomia para fazer políticas de combate à fome, desigualdade e de desenvolvimento, de fato.

Devido a suas inúmeras contradições, alguns países europeus têm sido bastante críticos ao tratado, sendo que uma declaração contra o acordo foi firmada por 43 organizações de trabalhadores rurais de 14 países diferentes da Europa, além da Coordenação Europeia da Via Campesina. No Mercosul, os movimentos sociais, institutos de pesquisa e organizações de trabalhadores do campo também rejeitam o acordo, sendo que, no Brasil, a Frente de Organizações da Sociedade Civil Brasileira contra o Acordo de Livre Comércio Mercosul-União Europeia assinou um manifesto em oposição ao tratado. Dentre os signatários estão o MST, o MTST e a Via Campesina.

O que todos esses movimentos destacam é que a agricultura camponesa e dos povos tradicionais, se incentivada e apoiada, tem plenas condições de oferecer alimentos em quantidade adequada e uma rica diversidade de cereais, leguminosas, oleaginosas e frutas, provenientes de práticas agrícolas equilibradas e respeitosas com a natureza. Sendo assim, ao invés de acordos assimétricos de livre comércio, devemos exigir a reforma agrária, a demarcação das terras indígenas e quilombolas, subsídios para a produção e o transporte local dos alimentos em feiras e mercados públicos e fim dos subsídios a agrotóxicos e à exportação de commodities. É preciso ainda lutar pela retomada da industrialização, com planejamento estatal e foco na produção de setores estratégicos e na manutenção dos empregos, bem como pelo fim das privatizações e da especulação financeira e imobiliária.

Rejeitamos esse acordo, que prevê consequências socioambientais desastrosas ao mesmo tempo em que retrocede nos níveis econômicos e produtivos. A nossa referência é a resposta às necessidades dos povos e a cooperação mutuamente benéfica entre eles. Se esperarmos o agronegócio, morreremos de fome!

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