CARTA ABERTA, ASSINADA PELO PCB, À REPRESENTAÇÃO DO EGITO NO RIO DE JANEIRO

Para nós, é incompreensível que um país como o Egito que, em um passado recente, defendeu este povo espoliado com tanta bravura e heroísmo se mostre agora indiferente ao amargo destino que está sendo trilhado pelos seus irmãos palestinos. Uma situação tão dramática que se transformou na principal cena do mundo. Não há, Senhor presidente, entre os povos conscientes de todos os países, uma pessoa que não expresse sua preocupação com os palestinos e seu mais veemente repúdio ao Estado de Israel que vem praticando um verdadeiro genocídio em uma população indefesa. Um repúdio que acabará por se estender para todos os governos apoiadores e cúmplices do Apartheid que está sendo praticado sobre o povo árabe palestino por um Estado racista, assim definido pela própria ONU que, em sua resolução 5.151 G (XXVIII), de 14 de dezembro de 1973, condenou, entre outras coisas, a aliança entre o racismo sul-africano e o sionismo, declarando também o sionismo como uma forma de racismo e discriminação racial, no texto aprovado em 10/11/95.

Não é necessário descrever todos os horrores praticados pelas forças armadas israelense durante os 21 dias de ininterrupto massacre, com a utilização de armas proibidas pelas Leis Internacionais, cometendo os mais hediondos crimes de guerra e crimes contra a humanidade, como ficou constatado no relatório do juiz sul-africano, Richard Goldstone, posteriormente endossado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, porque esses fatos são conhecidos pela opinião pública de todo o planeta.

Há que se observar que ao se defenderem com seus próprios corpos, utilizando objetos que lhes vem à mão como paus e pedras e com rudimentares armamentos, o povo palestino está defendendo os valores fundamentais da humanidade, está defendendo o mais elementar dos direitos, que é a vida. Negar-lhes socorro, equivale a endossar a aniquilação da própria humanidade, a destruição dos valores tão arduamente construídos em séculos de luta por um mundo mais fraterno e humano.

É humanamente inaceitável que o Egito tenha negado socorro, fechando sua fronteira com Gaza, em um dos momentos mais dramáticos da vida desse povo, mantendo-a fechada quando eles mais necessitam de acesso a medicamentos, tratamento médico, equipamentos hospitalares, alimentação e demais itens necessário à sua sobrevivência e à reconstrução de seus lares e de suas vidas. Isso significa uma grave violação da Quarta Convenção de Genebra, da qual o Egito foi um dos primeiros países a assinar, em agosto de 1949, ratificando o tratado em 1952. O artigo 59 da Convenção prevê que: …”Se a totalidade ou parte da população de um território ocupado é inadequadamente assistida pela potência ocupante, outro país deverá estabelecer planos de socorro, em nome da referida, a esta população por todos os meios à sua disposição.” O artigo 147 prevê que é uma violação grave da citada Convenção “agir deliberadamente causando grande sofrimento ou lesões ao corpo, a saúde ou mortes.”

O cerco israelense-egípcio tem criado os níveis mais terríveis de pobreza, privação e de miséria à população de Gaza, cuja linha da vida são os túneis sob a fronteira com o este país. E agora, para manter Gaza encurralada, o governo de V. Ex.ª , contrariando todas as leis internacionais, ignorando todos os princípios humanitários da Carta das Nações Unidas e os códigos de conduta e da decência, colaborando para o extermínio de um enorme contingente de pessoas, está construindo um muro de aço reforçado na fronteira de Rafah/Gaza que já está sendo chamado de “Muro da Vergonha” porque, de fato, essa iniciativa está causando um enorme constrangimento em todos os povos árabes e despertando uma grande indignação nos povos em todo o mundo.

Ao declarar -se imune às críticas e aos protestos contra esses atos de grande covardia, o governo de V. Ex.ª está deixando sinalizar que os únicos aliados que lhe interessa são aqueles que podem fornecer dinheiro e armas para que este país os ajude a aniquilar parte do povo árabe do qual V. Ex.ª faz parte. Mas ainda é tempo de ouvir as vozes de seu próprio povo que clama pela liberdade de Gaza e de toda a Palestina, recuperando, assim, a dignidade inerente aos dirigentes máximos de todas as nações que, pela posição que ocupam, devem ser um exemplo a ser seguido. Estamos conscientes de que, apesar da dureza de nossas palavras, não estamos ofendendo o seu governo, pois ofendidos estamos todos nós diante de tamanha crueldade para com nossos semelhantes.

Nós, brasileiros, sempre defendemos um tratamento fraterno para com as pessoas oriundas de outros países. Em contrapartida, defendemos a reciprocidade. Por isso, ficamos profundamente indignados com a agressão da polícia egípcia ao companheiro Raimundo Nilo Mendes, nosso representante na Marcha da Liberdade para Gaza. Trata-se de um cidadão brasileiro, um trabalhador e assessor da diretoria do Sindicato dos Petroleiros que, por um dever de consciência, deslocou-se do nosso país para o Egito na tentativa de ajudar a amenizar o sofrimento do povo palestino, acreditando que estava indo para um país amigo e que isso seria fundamental para que chegasse a seu destino e cumprisse sua missão política e humanitária, numa manifestação pacífica. A prisão de um brasileiro e apreensão de seus documentos pela polícia egípcia, sem nenhuma acusação formal e sem que o mesmo tenha praticado nenhum ato ilegal, infringe os princípios do direito civil internacional. Expressamos também nossa indignação com a agressão policial contra os manifestantes de 47 países voluntários da Marcha da Liberdade para Gaza e do comboio de ajuda “Viva Palestina”

Sob a lei internacional, nem Israel nem o Egito tinham o direito de parar o comboio de ajuda humanitária ” Viva Palestina” e os voluntários da “Marcha Mundial pela Liberdade de Gaza”, nem impedirem a passagem livre de suas remessas.

“Como potência ocupante, Israel tem a responsabilidade primária com bem-estar do povo palestino. Dado a negativa de Israel em cumprir com o Direito Internacional, o cumprimento por parte do Egito é ainda mais vital, e nos termos do Direito Internacional DEVE o Egito permitir a passagem e garantir a segurança dos ativistas ” declaração do presidente da NLG(National Lawyers Guild* ), David Gespass.” Importante assinalar que a “cumplicidade na prática de um crime de guerra ou crime contra a humanidade é um crime sob a lei internacional”. – princípio VII do Tribunal de Nuremberg.

Através desta carta, em nome do povo brasileiro, respaldados pela Quarta Convenção de Genebra, solicitamos à V. Ex.ª a liberação da fronteira de Rafah para que os habitantes de Gaza possam ter um mínimo de alívio em seu insuportável sofrimento e que pare imediatamente a construção do Muro de Aço que, como as demais armas israelenses que atingiram e continuam a atingir a população de Gaza, será mais uma via da morte para os palestinos. A paralisação das obras do Muro e a demolição do que foi construído em muito engrandecerão o governo egípcio perante a todos os povos do mundo.