NÃO À REFORMA ADMINISTRATIVA!

imagemFoto: UJC do Pará

Arnaldo Algaranhar e Marcelo “Russo” Ferreira – PCB do Pará

A Câmara dos deputados aprovou a admissibilidade da PEC 32/2020, enviada pelo governo ultraliberal, pelas mãos (literalmente) de seu ministro da Economia, Paulo Guedes. Trata-se da reforma administrativa, que obteve, na Comissão de Constituição e Justiça e da Cidadania, 39 votos de parlamentares à favor com origem em partidos: PSL, PP, PSD, DEM, MDB, PL, PSDB, REPUBLICANOS, PSC, PTB, PODE, SOLIDARIEDADE, AVANTE, PATRIOTA, PV, NOVO e 26 votos de parlamentares contra a PEC (1).

Essa PEC é mais uma das reformas que estão atualmente centradas na concepção tecnocrática que o atual governo tanto afirma como solução para os problemas e coloca a estabilidade do servidor como responsável pela insatisfação da população quanto aos serviços públicos e, portanto, vem como um dos objetivos penalizar o servidor, ao contrário de investir em demanda de serviços públicos e modernizar a atuação do Estado para os cidadãos, sem o famigerado dinamismo liberal que traz consigo o serviço mercantil exercido pelo Estado, entregando para a iniciativa privada atividades que hoje são gratuitas, a exemplo da educação, saúde, previdência e podendo até entregar agências fiscalizadoras do próprio governo (2).

Dentre vários ataques que esta proposta de Emenda à Constituição (na verdade, um ataque à Constituição Brasileira e ao povo), uma delas trata do emprego público e abrange a maioria dos servidores, excluindo os cargos típicos de Estado (até o momento, não existe uma legislação que demonstre todas as carreiras típicas de Estado). Promove o ataque à estabilidade no emprego, que não é bondade conferida ao servidor público e, sim, uma garantia importante perante as situações concretas das vidas brasileiras na condução que a administração pública deve seguir, a saber: moralidade, impessoalidade e eficiência. São princípios voltados a garantir a eficiência do serviço que o atual governo tanto diz querer combater, excluindo a estabilidade no emprego (3). Além disso, a estabilidade é um instrumento claro e objetivo para que a atuação do servidor não sofra interferência de caprichos e vontades particulares, coibindo o mesmo de agir em nome e interesse do bem coletivo.

Defender o servidor público nada mais é que uma garantia à própria sociedade enquanto destinatária dos serviços. Esse falso paradoxo na insistente contraposição entre estabilidade e eficiência não se sustenta, pois já existe e está vigente, pela emenda constitucional n° 19 de 1998 autorizando avaliação periódica de desempenho do servidor. Se ou quando não há demissão não é porque a estabilidade protege aqueles que não cumprem satisfatoriamente suas funções, mas porque não existe lei que trate de maneira concreta a má performance funcional, muito menos que regulamente o procedimento de avaliação periódica de desempenho.

O simples interesse em regulamentar a Reforma Administrativa anterior bastaria, portanto, para trazer as tais ‘‘inovações necessárias ao serviço público’’, sendo uma decisão claramente política, e não econômica, a extinção da garantia à estabilidade de carreiras que supostamente não seriam típicas de Estado, na visão mais restritiva desse conceito (2). Essa mentira ganha contornos mais concretos na atual conjuntura (ou lambança) em que o governo federal vem sendo exposto em torno da compra de vacinas superfaturadas da Índia e da denúncia de prevaricação do presidente, por ter sido alertado não apenas por um funcionário público de carreira (e seguidor do presidente), mas também de seu irmão que é deputado da base do governo no congresso nacional. E quando a própria base do governo e os próprios setores legislativos que representam os interesses econômicos que alugaram o Ministério da Economia são os expoentes da necessidade da estabilidade do serviço público em contraposição ao silêncio e vontades particulares de gestores (que não são estáveis, mas eletivos), temos o mais explícito testemunho das mentiras que estão expostas na Reforma Administrativa proposta pelo governo federal. E, mais perigoso ainda, expostos pelos setores que a defendem.

Outro argumento bastante incisivo para a aprovação da PEC 32/20 é o custo demasiado para os cofres públicos que o servidor oferece ao Estado. Os cortes de gastos públicos vêm sendo realizados há pelo menos cinco anos, com a ilação descompromissada de que o servidor seria um peso nas contas públicas e que o Estado deve sustentar, sem haver o tal ‘‘retorno financeiro’’ para o país. Com isso, o tratamento imposto pelo governo é o remédio chamado austeridade fiscal, que não tem eficácia comprovada, basta lembrar que, se não fosse atuação dos servidores públicos no combate à pandemia da Covid-19, estaríamos numa situação bem mais calamitosa a que nos encontramos atualmente e que o tratamento da austeridade fiscal é, sem dúvida, uma precarização do serviço público (2).

As causas do erro, propositalmente efetuado no diagnóstico, começam em afirmar que o funcionalismo público é homogêneo e indiferenciado. Existe uma diferença importante entre os servidores municipais, estaduais e federais, apresentando perfis de inserção e atuação setorial e territorial, escolarização e de remuneração que desautorizam afirmações genéricas (2,4). Quando se aplicam aos três poderes da República, executivo, judiciário e legislativo, as despesas com pessoal não têm os mesmos efeitos decisórios, a mesma dinâmica e/ou composição no setor público. Reformas que almejam, verdadeiramente, qualificar a ação estatal e as capacidades da burocracia devem tratar separadamente as especificidades e as despesas de subgrupos demográficos e setoriais, como servidores ativos, inativos, administrativos e finalísticos dentre outras (2).

A prova de que o Estado brasileiro não é grande, em termos quantitativos de pessoas ocupadas, que o emprego no setor público representa pouco mais de 11 milhões de ocupados na atualidade, isso representa 6% dos vínculos formais do mercado de trabalho nacional (5). O peso do emprego público em estados e municípios no Brasil pode se afirmar que representa não apenas os maiores quantitativos de pessoal empregado, como ainda as maiores proporções em relação ao total do emprego público, que soma taxa de crescimento anual de 4% nos municípios, 1,2% nos estados e 0,55% na esfera federal, acumulados em 33 anos, ou seja, muito abaixo da necessidade que a população demanda pelos serviços prestados nas três esferas de poder (5).

Quando se faz uma abordagem de forma setorial percebe-se que 60% dos vínculos no setor público são municipais, grande parte dos quais (algo em torno de 40%) estão atrelados ao atendimento populacional direto em áreas tais como serviços de segurança pública (guardas municipais), saúde, assistência social e ensino fundamental. Razão suficiente para desaconselhar qualquer reforma administrativa que objetive reduzir ou precarizar as condições e relações de trabalho no âmbito do emprego estruturado formal brasileiro. Também não se tem aumento da cobertura dos direitos sociais na forma mais ampla quando não se tem a presença do servidor público.

O avanço desta proposta significa, ao final e ao cabo, a mercantilização e privatização destes serviços (segurança, saúde, educação básica e assistência social), precarizando-os e, consequentemente, dificultando o acesso destes pelos segmentos mais empobrecidos do país (2). Outro argumento falso, segundo o qual a despesa global com o funcionalismo público no Brasil é extremamente elevada, não se sustenta. Essa despesa com servidores ativos é baixa já há vários anos: desde 2006, quando o valor era de 6,8% do PIB, passando para 11% do PIB em 2017. Vale lembrar que em países desenvolvidos esse valor pode chegar a 30 % do PIB. Se a despesa tem aumentado como proporção da receita líquida, não o faz de modo explosivo, e a origem do fenômeno é uma economia que não cresce e não arrecada, somada a uma confusão intencional que inclui a despesa previdenciária junto com a despesa dos servidores ativos (2).

Esse conjunto de argumentos que aqui expomos ganha um tempero fundamental para desmascarar a Reforma PEC 32/2020. Em artigo de Maria Lúcia Fatorelli (coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, a pesquisadora afirma que é o Sistema da Dívida Pública que encarece e provoca os rombos das contas públicas brasileira), publicado em 16 de junho deste ano, esta proposta não serve para combater privilégios, e registra que “À CNN, [Ricardo] Barros, líder do governo, disse que a discussão sobre supersalários não está incluída na proposta da reforma administrativa” (6). Por fim, e talvez a mais importante denúncia sobre a PEC 32/2020: ela (e seus formuladores), não têm intenção de combater a corrupção ou a ineficácia dos serviços, mas fragilizar todos os órgãos e instrumentos de controle e investigação, bem como criar “mecanismos legais” de infração aos cofres públicos.

É uma proposta que, em nome da “confiança” aos indicados para ocupar cargos públicos, ampliará o arco de sujeiras e corrupção no Estado brasileiro, bem como um amplo processo de privatização de vários serviços públicos que sempre estão sendo ameaçados (como o caso da saúde – que, por “decisões pessoais”, deixou o país em uma situação de pandemia com mais de meio milhão de mortos pela COVID-19). Não obstante, denunciamos também a imprensa hegemônica e burguesa brasileira que, quando muito, destila suas críticas às (im)posturas do atual mandatário brasileiro, mas acompanha, elogia e reproduz as mentiras deslavadas da equipe econômica, não apenas neste tema, mas, como “bola da vez”, ganha elogios e silêncios cumpliciados ao tema.

A burguesia quer isso, precarizar ainda mais as condições e relações de trabalho, com objetivo claro de manipular a vida de nós trabalhadores a seu bel-prazer, defendendo para a própria classe burguesa o lucro acima de tudo e de todos, nem que isso explore a nossa força de trabalho até o último suspiro de vida.

Fontes:

1. https://www.camara.leg.br/presenca-comissoes/votacao-portal?reuniao=61596
2. Economia pós-pandemia: desmontando os mitos da austeridade fiscal e construindo um novo paradigma econômico no Brasil / Organizado por Esther Dweck, Pedro Rossi, Ana Luíza Matos de Oliveira – São Paulo, SP: Autonomia Literária, 2020.
3. Ana Lydia de Almeida Seabra e Daniel Conde Barros. Funcionalismo público no Brasil e a reforma administrativa. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/320904/funcionalismo-publico-no-brasil-e-a-reforma-ad ministrativa. Acesso em 28/07/2021.
4. CARVALHO, S. S. Qualificando o debate sobre os diferenciais de remuneração entre setores público e privado no Brasil. Cadernos da Reforma Administrativa. n.5, p. 2020.
5. CARVALHO, S. S. O funcionalismo público na federação: novas evidências sobre ocupação, escolarização, remuneração e atuação da burocracia pública brasileira. Cadernos da Reforma Administrativa. n.16, p.1-35, 2020.
6 https://www.extraclasse.org.br/opiniao/2021/06/mentiras-e-riscos-da-pec-32/

Arnaldo Algaranhar é médico veterinário e técnico na UEPA, militante da UC e do PCB PA

Marcelo “Russo” Ferreira é professor do curso de Educação Física pela UFPA, militante da UC, do PCB e da Fração Nacional do ANDES