Atos de 12/09: armadilha para a classe trabalhadora
Por: Marcelo Bamonte, militante do PCB e da UJC.
Os massivos atos da oposição a Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro deixaram um claro recado: a classe trabalhadora não aguenta mais a política de genocídio e extermínio. O PCB, a UJC e seus coletivos estiveram presentes nas mobilizações, mostrando que, mesmo diante de uma grande desmobilização por parte da esquerda institucional, a construção do poder popular se dará com o combate nas ruas.
Durante todo o processo de preparação do setor bolsonarista para o Dia da Independência, o setor revolucionário à esquerda ressaltava que a conjuntura política exigia uma forte posição nas ruas. Acuado, Bolsonaro injetou seus esforços nos atos das capitais, buscando observar a reação dos setores da oposição, que foram variadas e permitiriam a ele um vislumbre tático das possibilidades que apareceriam à sua frente. Como sabemos, se um inimigo, no campo de batalha, faz provocações e não encontra resistência, pode se dar a batalha como vencida.
Com tal movimentação, parte tentativa da desmobilização dos atos de rua partiu do campo do progressismo liberal, que buscou, de todas as maneiras, fazer com que o foco de agitação focasse no dia 12 de setembro, deixando as ruas livres para o bolsonarismo. De acordo com seus argumentos, não seria momento de um enfrentamento aberto com o grupo de apoiadores bolsonaristas, dado o perigo do confronto, visto que os mesmos defendiam ações mais extremas como a invasão do STF, com radicais buscando até um golpe aberto. Tal visão errônea, que desconsidera o caráter dinâmico e contínuo da luta de classes, concluía: devemos nos furtar da luta à ameaça golpista, já que a institucionalidade dará conta do recado não apenas agora, mas em 2022, com as eleições.
Mas o que os atos do dia 12 reivindicam até o momento?
Em julho deste ano, o MBL, que apoiou vigorosamente Jair Bolsonaro e Paulo Guedes no ano de 2018, junto do Vem Pra Rua, convocou uma manifestação de oposição ao governo. O objetivo de tais grupos é claro: vendo a influência da esquerda nas ruas, eles buscam desmobilizar tais setores, estimulando a substituição de Bolsonaro por um “neoliberalismo progressista”, ou seja, um capitalismo saudável. Não à toa, nos últimos tempos, figuras públicas da política e mídia nacional tentaram, a todo custo, desmobilizar os atos, sequestrando a pauta das ruas e colocando a classe trabalhadora a reboque de seus interesses.
Tal estratégia do liberalismo casa com a conjuntura de maneira perfeita. Observando a gravidade da situação política do país, partem do argumento de ser o único meio político possível, valendo-se do argumento de inevitabilidade de uma construção de frentes contra um “mal-maior”. Porém, enganam nossa classe, visto que o mal-maior é apenas simbólico, e que a questão principal é o triunfo econômico e, assim, político. Partem da tentativa, portanto, da criação ilusória de uma frente ampla, que obscurece as principais contradições da luta de classes e da contradição capital-trabalho.
Para as elites do país, o projeto econômico encabeçado por Guedes é benéfico, na mesma medida que a figura de Bolsonaro, extremista e abertamente em flerte com um golpe, atrapalha o desenvolvimento de tal continuação econômica. Para a burguesia, o importante é o lucro, e a morte de meio milhão de brasileiros, fome, desemprego e retrocessos são meros detalhes. O manifesto dos Banqueiros – assim como das centrais sindicais – antes dos atos de Sete de Setembro, era muito claro. Para eles, a pacificação dos três poderes é a melhor saída, que nos defenderá da ameaça golpista garantindo a estabilidade econômica. O campo da luta de classes se reduz à continuação do projeto de Guedes e, quem sabe, uma vitória eleitoral em 2022 – que, como sabemos, tem em seu maior nome o método da conciliação de classes e governança com setores da burguesia, que agora estudam maneiras de concentrar esforços para se livrar de Bolsonaro, independente do meio.
E os meios vêm sendo estudados, principalmente por outro fator determinante na conjuntura: o Partido Fardado. Com as manifestações, fica mais evidente que Bolsonaro não tem popularidade para trazer ao seu lado os setores das Forças Armadas em alguma aventura mais extrema contra seus inimigos, apesar de continuarem recuados e em posição para tomar a atitude que mais seja proveitosa para sua permanência como fator determinante no Estado e na política, com Bolsonaro ou não. Isto é comprovado até pela mídia burguesa, em matérias que explicitam como Mourão teria um bom respaldo com o centrão em caso de Impeachment, a via mais conhecida para tirar Bolsonaro, cassando a chapa Bolsonaro-Mourão no TSE.
Porém, com toda ação há uma reação. Retirar Bolsonaro, se atiça os sentimentos mais profundos do centrão e da direita, também significa abrir uma via legal para a permanência dos militares, o que causa histeria – e possibilidade real – de ameaça ao Congresso. De toda maneira, o Partido Fardado espera e pressiona, mantendo-se como incógnita, mas sempre nos relembrando que estão prontos para agir, independentemente de qual lado escolherão. E as ruas impõem uma cadência aos fatos políticos em desenvolvimento da conjuntura.
Os atos do 7S mostraram um aspecto diferente. A esquerda conseguiu emplacar grandes números nas ruas, apesar da desmobilização por parte dos setores oportunistas. Em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, onde Bolsonaro mais injetou verba e esforços, o número de apoiadores chegou a 1/3 do esperado. Bolsonaro perdeu seu poder de barganha, vendo que aventuras golpistas podem o deixar isolado, e que passará a sofrer ataques da institucionalidade burguesa (inclusive com a possibilidade, agora, de processos reais de impeachment) e perda de apoio na base, principalmente através da desconfiança do Partido Fardado, que vê como improvável – e não desejável – uma ruptura institucional aberta, enquanto os atos de oposição ao governo, agora, só tendem a crescer e manter latente a disputa política.
Os setores liberais, conservadores em certos aspectos e de direita do dia 12, compreendendo o retrato concreto da luta das ruas, tentam, agora, pautar as movimentações de massa de acordo com seus próprios interesses. O diagnóstico é claro: após enxergarem a mobilização que é construída pelas organizações populares, tentando se aproveitar da fraqueza de Bolsonaro, buscam ser uma oposição neoliberal de direita, camuflada de antibolsonarismo – quando, se a conjuntura exigisse, voltariam a apoiar Bolsonaro sem hesitação, algo típico do liberalismo burguês oportunista.
Claro, tudo em uma conjuntura política pode mudar de forma drástica, principalmente no momento em que vivemos. A observar os movimentos, o caráter dos atos pode transmutar-se de forma rápida, visto que a ameaça golpista permanece a rondar a esfera política brasileira. O que se deve observar é que, mesmo que a partir de agora a própria direita chegue a ter uma presença nos atos do Fora Bolsonaro, ainda segue sendo dever das direções proletárias e populares a manutenção e firmeza de manter o protagonismo de tais movimentações de rua, na busca de consolidar sua hegemonia na classe trabalhadora, pautando suas demandas e adaptando as palavras de ordem de acordo com as situações que se colocam em jogo.
Se é inevitável a presença da direita e de setores moderados e liberais nas manifestações, segue como tarefa fundamental que o protagonismo e a bandeira da luta econômica contra o projeto da burguesia, que é maior que Bolsonaro, continue sendo central e dirigido pela esquerda organizada, que, apesar de ainda também pecar no estabelecimento coeso de uma frente única, deve comandar os motes e rumos de todos os atos, submetendo tal setor liberal, de direita ou conservador aos seus comandos e palavras de ordem. Tal frente, claro, passa por avaliar quais os setores que servem para borrar as fronteiras ideológicas e quais estão estrategicamente alinhados com o projeto revolucionário. Devemos procurar as forças políticas verdadeiramente anticapitalistas e socialistas, que buscam combater o reformismo, e irmos juntos às manifestações. A unidade de ação se faz na prática, nas lutas, e com a alternância de caráter das manifestações, a unidade da frente de esquerda não deverá se furtar de tal unidade, contribuindo à formação de um setor revolucionário coeso.
Observando a realidade de maneira concreta, responderemos aos chamados de luta das massas, mas jamais obscurecendo o que defendemos, quem somos e como chegaremos lá. O caminho da construção popular parte da luta, da demarcação ideológica e da organização de nossa classe, e disso não abriremos mão, continuando as denúncias contra aqueles que buscam nos jogar no colo da burguesia, tentando nos conduzir ao próprio abate.