O caminho das pedras

imagemApontamentos sobre as táticas comunistas na luta contra Bolsonaro/Mourão e seus aliados!

Lucas Prestes *

A política burguesa genocida segue a todo vapor, apesar de alguns poucos (e aparentes) recuos táticos do governo Bolsonaro (em relação às aventuras golpistas). Passamos da marca de 600 mil mortes por Covid-19, fruto de uma estratégia assassina e de guerra aberta contra a classe trabalhadora, de desmonte dos serviços públicos que atendem a parte mais pobre da nossa população, de cortes em 92% das verbas para pesquisas científicas, sem contar a tentativa sistemática de aprovação da reforma administrativa (PEC 32) entre vários outros ataques simultâneos (perpetuados também por governos liberais nos estados e prefeituras, sintonizados com o programa econômico do governo federal).

Passamos por um dia 2 de outubro repleto de manifestações por todo o país, embora visivelmente perdendo força, e com a tentativa constante de amplos setores da social-democracia (setores do PT, PCdoB, PDT e PSOL principalmente) de reverterem essas manifestações em comícios e manifestações eleitorais. Entre os vários motivos dessas manifestações estarem perdendo força, é possível destacar alguns elementos (não estão elencados em ordem hierárquica):

1) A dificuldade e/ou sabotagem dos setores majoritários de esquerda em vincular o Fora Bolsonaro/Mourão às demandas concretas da classe trabalhadora e à luta contra o programa econômico do bolsonarismo (não basta apenas o emprego, vacina no braço e comida no prato, é preciso denunciar sistematicamente os efeitos nefastos da política ultraliberal para os serviços públicos, a carestia da cesta básica, o crime da política de paridade internacional da Petrobrás, a imperiosa necessidade de reversão completa da privatização da Eletrobrás e etc.);

2) Táticas difusas e abstratas que não conseguem materializar a revolta popular e reverter as milhares de pessoas nas ruas em organização política permanente (como a organização de comitês populares em defesa da vacinação, comitês nos locais de trabalho e de moradia pela rejeição completa da reforma administrativa, entre outras iniciativas permanentes, além das reuniões das frentes e das manifestações, e que também não cometam os equívocos do hegemonismo e do eleitoralismo [como os supostos comitês Fora Bolsonaro ou Lula Livre]);

3) O quase completo silêncio de grande parte das forças políticas da esquerda sobre a necessidade de uma greve geral, ou pelo menos uma paralisação nacional;

4) A ausência de um calendário de lutas mais definido e sistemático no período entre as manifestações;

5) Datas cada vez mais espaçadas entre os atos (e quando apontamos isso, criticamos o fato de os atos demorarem mais de um mês para acontecer);

6) Agitação muito insuficiente e pouco permanente sobre a necessidade do impeachment;

7) Apesar do crescimento e de acertos táticos importantes nesse ciclo de lutas que foi aberto em maio, o campo socialista ainda está pequeno, e ainda não tem força suficiente para empurrar a social-democracia a um combate mais popular, mais pé no barro e antenado com os interesses da classe trabalhadora na luta pelo Fora Bolsonaro (como por exemplo na necessidade da greve geral), até para se impor perante a oposição liberal de direita e evitar contaminação das pautas populares na unidade de ação pelo Fora Bolsonaro.

Porém, o foco do debate de hoje nem é tanto avaliar as manifestações, tarefa que nosso Comitê Central cumprirá bem, e sim destrinchar um pouco mais a importância do impeachment e do que podemos fazer no imediato Fora Bolsonaro.

É importante frisar que, apesar de o impeachment ser o prato principal dentro do cardápio do Fora Bolsonaro, não descartamos em hipótese alguma as possibilidades de renúncia, bem como a cassação da chapa de Bolsonaro/Mourão. A prioridade zero para nós comunistas na atual conjuntura é a imediata retirada desse governo genocida, cuja questão, além de ser humanitária, é também uma medida sanitária (sendo a principal beneficiada, a classe trabalhadora brasileira e latinoamericana).

Voltando ao impeachment, essa tática é muito importante primeiro no movimento de unidade de ação pelo Fora Bolsonaro, sendo uma pauta que unifica praticamente 90% da esquerda, seja a socialista, seja a social-democracia, dando uma forma mais definida para o Fora Bolsonaro. Além de abrir portas no trabalho de massas, nos primeiros debates políticos que temos com nossa classe nos locais de trabalho, estudo e moradia. Eu mesmo já perdi as contas das vezes que consegui abrir um debate mais desenvolvido sobre a desgraça do programa econômico do bolsonarismo, através do Fora Bolsonaro e do impeachment (isso na categoria do telemarketing, que é uma loucura e uma correria constante para esse tipo de debate).

O Fora Bolsonaro com o impeachment aglutina amplos setores na unidade de ação contra o governo Bolsonaro/Mourão, inclusive setores da direita liberal, contribuindo para jogar contradições no bloco burguês. Mas, reparem, quando enfatizamos a importância dessa unidade de ação, não jogamos ilusão nenhuma sobre a oposição liberal de direita e mesmo com boa parte dos setores social-democratas. Sabemos que o campo classista tem um papel fundamental para levar o impeachment até às últimas consequências. Porém, é inegável a importância dessa pauta para levar setores populares e das camadas médias para as ruas e no trabalho diário de agitação contra o bolsonarismo.

Para nós comunistas o impeachment de Bolsonaro/Mourão (sim, defendemos impeachment dos dois!) só virá através de uma ampla mobilização popular, com uma pressão das massas absurda a ponto de obrigar o Congresso e as frações burguesas a abrir o processo de impeachment, não deixando a menor dúvida sobre o protagonismo popular desse processo. E mais, para nós é indissociável a concretização do impeachment da construção de uma greve geral (ou até mais de uma), tática fundamental no combate ao bolsonarismo, para bater na burguesia onde dói mais: no bolso! para acuar a burguesia e dar um sinal claro e poderoso das ruas, retirando a classe trabalhadora da defensiva para uma ofensiva contra essa política burguesa genocida e assassina (que usa Bolsonaro como operador político do seus interesses). Claro que não é impossível ocorrer um processo de impeachment sem a greve geral, entretanto é muitíssimo improvável.

Comparando com as possibilidades de renúncia e cassação de chapa, o impeachment é a tática mais lenta e consequentemente a que tem maior potencial de desgaste, de sangramento do bolsonarismo, abrindo amplas possibilidades de denúncia e crítica pesada a toda plataforma bolsonarista, desde a política criminosa com relação à pandemia, passando pela criminalização dos movimentos populares, pela ultramilitarização da segurança pública, pela política de fome mesmo e guerra aberta ao nosso povo. O sangramento político do bolsonarismo, num processo de impeachment no Congresso, abre caminho nas ruas (e claro no Congresso também) para o questionamento dos motivos e do saldo do bolsonarismo, assim como o desgaste do partido fardado/militar, que é outra tarefa importantíssima, além do que não faltam candidatos à sucessão de um bolsonarismo sem Bolsonaro).

Entendemos as críticas de que a tática do impeachment pode direcionar a revolta popular para saídas por dentro do Estado, e que pode até causar ilusões nos trabalhadores. Entretanto, é preciso dizer que este tipo de crítica escamoteia e desconsidera que o impeachment só virá com ampla força e mobilização popular de fora, e mais, não esqueçamos que a oposição burguesa (e na prática, setores da social-democracia petista e pedetista) não quer em sua maioria o impeachment, mas sim uma domesticação ou desgaste do bolsonaro até 2022, para retirá-lo nas eleições.

Precisamos lembrar duas coisas também: 1) a mesma força popular que pode forçar uma renúncia e/ou uma cassação de chapa é a que protagonizará o impeachment; 2) um elemento de demarcação fundamental na defesa da tática do impeachment é justamente a necessidade de uma greve geral, coisa que estamos defendendo com feijão e farinha! Além de que o Fora Bolsonaro/Mourão em abstrato pode justamente nos fazer cair naquilo que mais criticamos no combate ao bolsonarismo: o eleitoralismo! Porque na prática a defesa de uma tática do Fora Bolsonaro/Mourão em abstrato pode nos levar a reboque de uma política eleitoral (junto com o isolamento dentro da frente única contra o bolsonarismo).

Porque quem não propõe, quem não aponta caminhos concretos, é dirigido! E se tem algo que precisamos apresentar à classe trabalhadora nessa conjuntura, são propostas concretas e caminhos para derrotar o bolsonarismo para ontem!

Pois bem, num cenário de imediata derrubada de Bolsonaro/Mourão (fruto de uma gigantesca mobilização popular, somada à greve geral) é preciso apontar caminhos para sacramentar ou pelo menos colocar em melhores condições a ofensiva contra os resquícios bolsonaristas! Ou seja, garantias concretas de derrota do seu programa econômico!

Por isso é importante a defesa de um referendo que revogue todas as medidas dos governos Temer e Bolsonaro, que retiraram direitos da classe trabalhadora e colocaram o país nessa lama e vale de lágrimas que se encontra (como as reformas trabalhista, previdenciária, as privatizações, o emprego de mais de 7 mil militares no governo etc.). E colocamos a importância desse referendo, primeiro para não dependermos de promessas eleitorais vagas e abstratas, segundo para colocarmos em xeque a burguesia, terceiro para materializarmos a vitória sobre o bolsonarismo em um legado político permanente, que abra caminho e faça nossa classe refletir sobre a própria força. Do ponto de vista técnico e institucional, tanto o referendo quanto o plebiscito popular passam pelo Congresso, porém, entendemos que a força das massas pode obrigar o parlamento a colocá-lo na pauta (o referendo também versa sobre temas que já estão postos e aprovados pelo Congresso, ou seja, sobre as medidas, emendas, leis etc. que já foram aprovadas pelos governos ultraliberais).

E por fim e não menos importante, junto com um referendo popular, precisamos apontar e aproveitar toda essa força das massas para derrubar o Bolsonaro e apontar a necessidade de construção de um grande encontro nacional das classes trabalhadoras (Enclat), que esse encontro seja protagonizado pelas forças da campanha nacional Fora Bolsonaro e que o Enclat sirva para dar consequência prática e programática à campanha Fora Bolsonaro, criando instrumentos mais unitários de combate da classe trabalhadora e construindo um programa unificado para reconstruir o país sob os interesses proletários. Ou seja, que o Enclat seja a continuidade da Frente Única, que não deve se restringir apenas ao Fora Bolsonaro e às manifestações unitárias, e sim construindo um programa antiliberal mais sólido, com instrumentos de luta mais organizados (como uma central sindical), abrindo caminho para o fortalecimento do poder popular e colocando a classe trabalhadora na ofensiva política, reconquistando direitos e colocando em xeque a sociedade da exploração e do sofrimento (a sociedade capitalista).

Encadeada com a construção do Enclat, temos a tarefa de fortalecer e organizar ainda mais o Fórum Sindical, Popular e de Juventudes por direitos e liberdades democráticas, que consequentemente tem como tarefa “se constituir como espaço unitário que aglutine entidades, movimentos e organizações na construção de uma agenda classista e independente, sendo esse, uma das expressões do processo de reorganização da classe trabalhadora brasileira” [1], ou seja, ser um espaço que unifique e organize as intervenções do campo classista e socialista dentro da Frente Única (seja a campanha Fora Bolsonaro, seja o Enclat e os instrumentos de luta dele derivados), apresentando nestes espaços mais amplos aquilo que for consenso entre o campo socialista, e aquilo que for divergente que seja apresentado por cada organização. Esse espaço de articulação do campo classista dentro da frente única é fundamental para organizar melhor nossas intervenções, nossas propostas e movimentos de levar levar a frente cada vez mais a esquerda, contudo, reforçamos que o Fórum e qualquer outro espaço de aglutinação do campo socialista, nem deverá sufocar ou engessar a independência e as propostas comunistas.

Junto a essas tarefas, precisamos sempre e sempre estar junto com a classe trabalhadora, atualizando nosso programa (através da dialética do estudo e do trabalho de massas), ganhando seus corações e mentes não somente para a luta contra Bolsonaro/Mourão, mas também pela construção do poder popular no rumo do socialismo, reforçando sempre que não temos nada a perder a não ser as correntes que nos prendem.

Fora Bolsonaro/Mourão e seus aliados! Impeachment Já!

Pela construção da necessária greve geral e do Enclat!

Sempre pela construção do poder popular no rumo do socialismo!

[1] – https://pcb.org.br/portal2/22383/forum-de-luta-por-direitos-e-liberdades-democraticas/

* Lucas Prestes é militante do PCB – SP e membro da Comissão Nacional de Comunicação e Jornalismo do Jornal O Poder Popular

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