Não é hora de conciliação de classes!

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A agudização das contradições internacionais abre espaço para o avanço da mobilização popular.

Paulo Henrique A. Rodrigues, militante do PCB de Petrópolis/ RJ

Estamos assistindo a uma enorme intensificação das tensões internacionais desde 2021, fruto da disputa de poder entre o imperialismo ianque, com o apoio da Inglaterra, de um lado, e a aliança entre a China e a Rússia, de outro. Essa disputa internacional de poder está encerrando um longo período em que os EUA exerceram o poder mundial de forma unipolar, brutal e arrogante. Este cenário ocorre ao mesmo tempo em que no Brasil se agudiza a luta política contra o governo Bolsonaro, que terá nas eleições de outubro um momento decisivo. Que elementos vem minando o poder unipolar dos EUA e estão trazendo o retorno do multilateralismo? Que reflexo essas disputas podem ter para os trabalhadores e o movimento popular? Que influência essas disputas podem ter sobre o processo político brasileiro? Este artigo procura responder de forma resumida a essas questões.

Desde dezembro de 1991, quando ocorreu o fim da União Soviética e a dissolução do bloco socialista na Europa oriental, o imperialismo ianque assumiu a condição de principal potência mundial, impondo ao mundo sua vontade de forma unilateral e praticamente sem impedimentos. A antiga União Soviética foi dividida em 15 países independentes, os EUA impuseram à Rússia a Operação Hammer (Operação martelo), que pretendeu aniquilar o poder econômico e militar da antiga URSS, privatizou as grandes empresas estatais soviéticas, saqueou as reservas em ouro do país e introduziu reformas neoliberais que jogaram o povo russo no desemprego e na miséria. Países do Leste europeu que faziam parte do bloco socialista foram atraídos como parceiros menores da União Europeia e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), uma aliança militar erguida para enfrentar o socialismo. Até a antiga Iugoslávia, que flertara com o imperialismo e se afastara dos demais países socialistas nos tempos de Josip Broz Tito, foi submetida a uma guerra civil que durou 10 anos, matou dezenas de milhares de cidadãos, dividiu o país em oito pequenos países, além ser submetida a um brutal bombardeio pela OTAN, em maio 1999. Apesar das promessas e compromissos que os EUA fizeram à União Soviética de que a reunificação da Alemanha não seria seguida pela expansão da OTAN para o Leste, a organização não cessou de se expandir para o Leste, engolfando dezoito novos países desde 1991 aos doze países que a fundaram em 1949. Até mesmo ex-repúblicas soviéticas como a Estônia, a Lituânia e a Estônia ingressaram na OTAN, em 2004.

As agressões dos EUA a países que não se submetiam à sua dominação não se restringiram à Europa. O Iraque foi invadido duas vezes, em 1991 e 2003, resultando no assassinato do seu presidente Saddam Hussein e na destruição do país, além de ser submetido a um longo embargo comercial que privou sua população até mesmo do acesso a bens essenciais, como alimentos e medicamentos. Em 2001, os EUA invadiram e ocuparam o Afeganistão por 20 anos, mantendo uma guerra de agressão à sua população que custou centenas de milhares de vidas. Em novembro de 2003, os EUA promoveram a ‘Revolução Rosa’ na Geórgia, derrubando o presidente Eduard Shevardnadze e colocando o país sob sua órbita. Em 2004, foi a vez da Ucrânia sofrer a ‘Revolução Laranja’, também promovida pelos EUA, que colocou no poder Viktor Yushchenko, aliado do Ocidente. Em 2014, os EUA voltaram a intervir na Ucrânia promovendo o golpe de Estado de fevereiro de 2014 que pôs no governo uma aliança de elementos pró-ocidentais e grupos nazifascistas que idolatram o criminoso nazista da II Guerra Mundial Stepan Bandera. Em 2004, os EUA impuseram sanções econômicas contra o governo sírio e, em 2005, o Departamento de Estado dos EUA começou a financiar e armar radicais islâmicos na Síria. Em 2011, os EUA promoveram a chamada ‘Primavera Árabe’ que resultou na desestabilização do Egito, na destruição do Estado e da infraestrutura da Líbia, no assassinato do líder do governo popular socialista do país, Muammar al-Gaddafi, e numa guerra civil ainda inacabada, além de promover uma guerra civil na Síria, que continua em curso e destruiu grande parte do país.

Diversos países da América Latina sofreram intervenções abertas ou encobertas por parte do imperialismo estadunidense. O Haiti foi invadido em 1994 por militares estadunidenses para colocar no poder um governo títere e teve seu governo novamente derrubado em 2003. Cuba teve de resistir ao bloqueio econômico dos EUA, sem o apoio da União Soviética, a partir de 1991. Honduras sofreu um golpe de Estado organizado pelos EUA em 2009, que derrubou o presidente Manuel Zelaya. O governo popular bolivariano da Venezuela, que já enfrentava o bloqueio econômico estadunidense desde 2014, sofreu uma tentativa de golpe em 2019, após a dura vitória eleitoral de Nicolás Maduro, que teve de enfrentar enormes pressões internacionais contrárias. Os EUA chegaram a estimular a auto nomeação do impostor Juan Guaidó como falso presidente do país, que contou com o apoio de vários países europeus. No Brasil, o golpe de 2016 e a eleição do governo direitista de Bolsonaro também teve a intervenção indireta do imperialismo ianque, que promoveu a espionagem da Petrobras e da presidente Dilma Rousseff e municiou a farsa da Operação Lava-Jato e uma enorme campanha de fake news que manipulou o eleitorado brasileiro a votar na extrema direita. O governo popular de Evo Morales na Bolívia também foi derrubado em 2019 por um golpe orquestrado pelos EUA com apoio de líderes direitistas bolivianos.

Desde 2001, entretanto, começaram a ocorrer mudanças, pouco percebidas inicialmente, que foram corroendo o poder unipolar dos EUA, tais mudanças tiveram como origem a reorganização política na Rússia e a continuidade e aprofundamento do desenvolvimento econômico da China. Naquele ano, Vladmir Putin assumiu o comando da Federação Russa e começou a reestatizar grandes conglomerados de energia, aviação e de construção naval, além de dar início à reorganização das forças armadas russas. Foi também em 2001 a assinatura do Tratado de Amizade e Cooperação com a China, uma aliança que vem se tornando cada vez mais estreita e influente no mundo. No mesmo ano se formou a Organização de Cooperação de Xangai (OCX, ou SCO em inglês), que reúne atualmente, além da China e da Rússia, a Índia, Irã, Mongólia, Paquistão, Cazaquistão, Quirquistão, Tadjiquistão e Uzbequistão. A OCX abarca a maior parte da economia, da população e do território da Eurásia. Na China, o governo promoveu uma ampla reforma econômica em 2002 e 2004 que ampliou a capacidade de intervenção e de direção do Estado na economia do país, através da criação de uma Comissão de Supervisão e Administração do Patrimônio Estatal (SASAC) e da Comissão de Regulação dos Bancos (CBRC).

Fatos significativos ocorreram em 2008, além da crise financeira de Wall Street que abalou de forma significativa o poder econômico dos EUA, ocorreu um evento político pouco notado, mas de grande significado. Diante da tentativa dos EUA de fazer com que a Geórgia ingressasse na OTAN, a Rússia enviou aviões militares para sobrevoar a Ossétia do Sul, então província da Geórgia no dia 15 de julho, horas antes da visita da secretária de Estado dos EUA, Condolezza Rice e do início de exercício militar conjunto das forças armadas estadunidenses e georgianas. Em 8 de agosto, forças russas entraram na Geórgia em apoio às forças separatistas da Ossétia do Sul e da Abcássia, a rápida vitória russa acabou impedindo a entrada da Geórgia na OTAN e, ainda mais importante, não teve resposta militar pelos EUA. Pela primeira vez, desde 1991, o poderio do imperialismo ianque foi desafiado de forma contundente e sem resposta. Sete anos depois, a Rússia voltou a enfrentar o poder estadunidense, quando o Conselho da Federação Russa apoiou, em setembro de 2015, o envio de forças militares em apoio ao governo de Bashar al Assad, que pedira apoio da Rússia para enfrentar a guerra de agressão promovida pelos EUA, desde 2011. Desde então as forças russas estão em território sírio, tendo ajudado a praticamente pôr fim à guerra civil que vinha destruindo o país. Foi o segundo desafio russo ao poderio militar estadunidense e novamente não teve resposta efetiva.

Pela primeira vez na história, a atual disputa de poder internacional envolve um contendor que não é um país europeu, nem um herdeiro das tradições europeias, como os EUA. A China, cuja economia medida pela paridade do poder de compra da moeda (PPC) superou a dos EUA em 2014, é uma nação asiática, que sofreu um ‘século de humilhações’ impostas pelas potências europeias, desde as Guerras do Ópio que a Inglaterra moveu contra a China entre 1939 e 1860. O país foi esquartejado em áreas de influência de diferentes potências europeias, além dos EUA e do Japão, submetida aos chamados ‘tratados injustos’, que espoliou o país e humilhou seu povo ao ponto de haver placas que proibiam a entrada de chineses e cachorros em parques e edifícios públicos controlados pelos estrangeiros. A vitória da revolução socialista chinesa em outubro de 1949, liderada pelo Partido Comunista da China (PCC), pôs fim à exploração imperialista e começou a erguer o país, depois de quase 30 anos da maior e mais acirrada luta de classes da história do mundo, que envolveu uma guerra-civil somada à luta contra os invasores japoneses durante a II Guerra Mundial. A principal aliada da China é a Rússia, que vem se reerguendo depois da derrota da União Soviética em 1991, depois de ter passado por um período de dez anos de destruição, apesar das crescentes sanções econômicas impostas pelos EUA e países europeus.

Tanto a China, quanto a Rússia vem sofrendo não só embargos e sanções econômicas, mas também provocações políticas e militares por parte dos EUA, desde o governo de Barack Obama (2009-2016). Durante o governo de Donald Trump (2017-2019), os EUA desfecharam uma guerra comercial à China, promoveram uma tentativa de ‘revolução colorida’ em Hong Kong, em 2019, acusaram o país de ter criado e difundido o coronavírus e até de roubar a tecnologia estadunidense. Nos EUA, o Partido Democrata atribuiu a vitória de Trump nas eleições de 2016 a uma suposta interferência russa no processo eleitoral, o que chegou a motivar a expulsão de diplomatas russos. As crescentes sanções econômicas contra os dois países não só os obrigaram a intensificar o desenvolvimento científico e tecnológico e a substituição de importações, que resultaram no fortalecimento de suas economias, como os empurraram para uma aproximação econômica e política ainda maior. Depois da posse de Joe Biden, em 20 de janeiro de 2021, os EUA vêm intensificando as tensões internacionais na tentativa de deter o crescimento chinês, o reerguimento russo e a aliança entre ambos. Mas os EUA não vêm obtendo frutos importantes com suas iniciativas.

Logo no início do governo Biden, em março de 2021, numa reunião de cúpula em Anchorage, Alaska, entre as equipes de relações exteriores dos dois países o secretário de Estado Antony Blinken e o assessor de Segurança Nacional Jake Sullivan, tentaram intimidar o governo chinês com diversas acusações de supostas violações de direitos humanos. Blinken e Sullivan tiveram de engolir em seco as duras respostas que receberam de Yang Jiechi, do Birô Político do Comitê Central do PPC e de Wang Yi, ministro das Relações Exteriores da China, que questionaram a autoridade moral de dos EUA que mantêm o racismo contra sua população negra, persegue imigrantes, promove bloqueios econômicos e interfere nos assuntos internos de dezenas de países. Em pouco mais de uma semana de julho do mesmo ano, depois de mais de 20 anos de ocupação militar no Afeganistão, os Talibãs retomaram o poder, protagonizando umas das mais duras derrotas militares para o imperialismo ianque. Não satisfeitos, os EUA logo depois passaram a provocar a China, estimulando a independência de Taiwan, que contraria o acordo que firmaram com os chineses nos anos 1970 que reconhece a existência de uma só China. Durante meses, a mídia e os meios diplomáticos estadunidenses bombardearam o mundo com anúncios de uma iminente invasão militar chinesa em Taiwan e promoveram diversos deslocamentos navais no estreito de Taiwan e no Mar do Sul da China. Esbarraram, no entanto, na firme ação do governo chinês que respondeu principalmente por meios diplomáticos, mas também com o aumento da mobilização militar chinesa na região. A resposta chinesa resultou no reconhecimento pelo Pentágono que não há condições de vitória estadunidense num hipotético enfrentamento militar no estreito de Taiwan e numa temporária suspensão das provocações. Quase que imediatamente, os EUA e a Inglaterra passaram a provocar a Rússia política e militarmente, esgrimindo uma suposta iminente invasão russa à Ucrânia, que tomou conta dos noticiários internacionais.

As provocações estadunidenses e inglesas em torno da questão ucraniana envolvem interesses que vão muito além da suposta e improvável invasão russa. O crescente intercâmbio comercial entre a Rússia e a China e a Europa, particularmente a necessidade que os países europeus têm de contar com o gás russo para assegurar seu abastecimento energético, além da crescente adesão de países europeus ao projeto de infraestrutura chinesa Cinturão e Rota, vêm tirando os EUA do sério. As provocações recentes têm a clara intenção de tentar afastar a Europa da China e da Rússia e abrir espaço para a venda do gás liquefeito estadunidense. Em 15 de dezembro de 2021, a Rússia respondeu com um ultimato à contínua expansão da OTAN em direção às suas fronteiras, à instalação de armas nucleares de alcance intermediário na Europa, à crescente implantação de infraestrutura militar da OTAN no Leste europeu, à tentativa de tornar a Geórgia e a Ucrânia membros dessa organização militar. A Rússia exigiu a aceitação dessas exigências por meio da assinatura de garantias legais por escrito por parte do Ocidente. Desde então, cada vez mais países europeus vêm manifestando sua discordância com a tática dos EUA e da Inglaterra em torno da questão ucraniana e se negando a contribuir com tropas e armamentos para um eventual apoio da OTAN à Ucrânia. Numa clara demonstração de insatisfação europeia em relação à política estadunidense, representantes do governo alemão e o presidente da França Emmanuel Macron, além do primeiro-ministro da Hungria Viktor Orbán visitaram a Rússia, Macron e Orbán manifestaram explicitamente seu apoio às exigências de garantias legais escritas no sentido da interrupção da expansão da OTAN e da retirada de armas nucleares intermediárias e instalações militares da OTAN próximas ao território russo.

No início do mês de janeiro, o mundo assistiu, ainda, a uma fracassada tentativa de mudança de regime por parte dos EUA e da Inglaterra no Cazaquistão. Aproveitando-se de uma manifestação dos trabalhadores cazaques contra um forte aumento dos preços dos combustíveis, os serviços de inteligência dos EUA, da Inglaterra e da Turquia, além de diversas ONGs ocidentais envolvidas em anteriores ‘revoluções coloridas’, introduziram agitadores nas manifestações que promoveram diversos atos de grande violência para tentar derrubar o governo do Cazaquistão. Depois de um pedido de ajuda do presidente cazaque Kassym-Yomart Tokaïev, forças de paz da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO) chegaram ao Cazaquistão e impediram a tentativa de forças pró-Ocidente tomarem o poder, como ocorreu na Geórgia e na Ucrânia. Foi a primeira vez que a CSTO foi chamada e interveio numa crise política em um estado membro, a rapidez da mobilização e das ações da força de paz vêm sendo interpretadas por diversos analistas como um sinal de que as ‘revoluções coloridas’ promovidas pelos EUA podem estar terminando.

O último e mais decisivo acontecimento ocorreu em 4 de fevereiro de 2022, com a divulgação do “Comunicado Conjunto da Federação Russa e da República Popular da China sobre as Relações Internacionais no Início de uma Nova Era e o Desenvolvimento Sustentável Global”. Neste comunicado, os governos da China e da Rússia proclamaram o fim do unilateralismo e do hegemonismo dos EUA na política internacional, anunciaram que a aliança econômica e política entre os dois países é inquebrantável e que vão agir de forma conjunta em favor da paz e do desenvolvimento, estando dispostos a enfrentar juntos toda e qualquer tentativa dos EUA e de outros países ocidentais de ameaçar a paz mundial. Este comunicado pode ser interpretado como uma tomada de posição inédita de duas potências que têm a possibilidade de barrar novas iniciativas do imperialismo estadunidense. Trata-se de uma virada na política internacional, que altera completamente a correlação de forças mundial e deixa claro que está definitivamente aberta a disputa pelo poder mundial, enfeixado pelos EUA desde o fim da II Guerra Mundial.

A intensificação da disputa internacional de poder, além de colocar em xeque o imperialismo ianque, cria uma situação inteiramente nova e mais promissora para as lutas dos trabalhadores e do movimento popular em todo o mundo. Desde o início da história do capitalismo, toda vez em que a disputa de poder mundial se intensificou, houve um avanço da luta dos trabalhadores e do movimento popular. O primeiro exemplo foi a disputa pela hegemonia mundial entre a Holanda e a Inglaterra, que motivou duas guerras entre os dois países na segunda metade do Século XVII. A disputa pelo poder mundial, que também envolveu a França, só se resolveu com a vitória inglesa no início do século XIX. Durante essa disputa, se deu a longa revolução burguesa na Inglaterra, que marcou o início da separação entre os Estados e a Igreja, da conquista dos direitos de liberdade individual e do protagonismo cada vez maior dos trabalhadores e do movimento popular no processo histórico. Logo em seguida, no começo do século XVIII começou a luta anticolonial nas Américas, estourou a Revolução Francesa em 1789, que deu partida à derrubada de diversas monarquias na Europa. Entre 1838 e 1850, os trabalhadores ingleses se levantaram no movimento cartista para conquistar seus direitos políticos, em 1848 explodiu a ‘Primavera dos Povos’, uma série de movimentos revolucionários na Europa, mesmo ano em que Karl Marx e Friedrich Engels publicaram o Manifesto Comunista. Em 1871, a Comuna de Paris inaugurou as primeiras formas de poder popular, apavorando as forças conservadoras de todo o mundo.

Foi também durante a disputa de poder mundial entre a Alemanha e a Inglaterra que levou à I Guerra Mundial que se criaram as condições políticas para a vitória da Revolução Russa, liderada por Lênin e pelo Partido Bolchevique, que implantou o socialismo pela primeira vez na história mundial e espalhou ventos de libertação e inspiração para os trabalhadores e os movimentos populares de todo o mundo. A continuação da disputa de poder entre a Alemanha e a Inglaterra novamente gerou a II Guerra Mundial, que teve nos territórios da União Soviética e da China os principais palcos da guerra, matando 27 milhões de cidadãos soviéticos e 35 milhões de chineses. O gigantesco esforço do povo soviético derrotou o nazismo em toda a Europa, ajudou a derrotar o militarismo fascista japonês na Ásia e permitiu a expansão do socialismo pelo Leste europeu, seguida pela Revolução Chinesa em 1949 e pela ampliação do movimento anticolonial por todo o mundo.

Há sinais de que o novo acirramento na luta pelo poder mundial está abrindo espaços para a agudização da luta de classes. Nos últimos dois anos cresceu a luta popular na América Latina, com gigantescas mobilizações no Chile, Bolívia, Peru, Equador e Colômbia. Essas mobilizações abriram espaço para a vitória eleitoral de governos progressistas e populares na Bolívia, Chile e Peru, além da confirmação da vitória de Daniel Ortega da Frente Sandinista de Libertação Nacional. Tais avanços políticos no nosso continente seriam muito mais difíceis se o poder imperial dos EUA estivesse no seu pleno vigor. A luta anti-imperialista também vem avançando em vários países do Oriente Médio e no Afeganistão, ela não se desenvolveu ainda a ponto de assumir um rumo socialista, mas seu sentido e seu inimigo comum colaboram para o desenvolvimento da consciência, da capacidade de organização popular e abrem espaço para o surgimento de organizações e partidos mais consequentes e de orientação socialista. A China e a Rússia vêm promovendo acordos internacionais em nosso continente, com a República Socialista de Cuba, Nicarágua, Venezuela e, mais recentemente, com o governo de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner da Argentina. Tais acordos podem vir a fortalecer a capacidade de os governos e povos desses países resistirem ao imperialismo e reconstruírem suas economias, desde que adotem medidas concretas neste sentido, a exemplo do que faz Cuba.

É neste ambiente de extrema tensão internacional que se dará a disputa político-eleitoral no Brasil. Como nas últimas duas eleições de 2014 e 2018, a tendência é que o imperialismo ianque procure interceder de todos os modos, como inclusive já foi dito por Steve Bannon. As crescentes derrotas do imperialismo estadunidense farão sua atenção se concentrar cada vez mais na disputa de poder no Brasil. A possibilidade de perder o Brasil, de longe o maior país em termos econômicos, territoriais e populacionais da América Latina, hoje um aliado incondicional e servil dos EUA é inaceitável para o imperialismo. Há muita coisa em jogo na disputa político-eleitoral brasileira, como a questão da participação efetiva do país nos BRICS, que pode alterar a balança internacional de poder, além do controle das imensas reservas de petróleo e gás do pré-Sal, uma das últimas grandes reservas mundiais que os ianques podem almejar dominar. O controle da economia brasileira assegura, ainda, enormes transferências de valor do Brasil para os EUA e seus aliados europeus, na forma de remessa de lucros, pagamento de patentes e royalties, devido à presença das multinacionais no nosso país. Os EUA tampouco estão dispostos a ver ameaçada a constante e volumosa compra de títulos da dívida estadunidense pelo Banco Central brasileiro, que constitui uma gigantesca sangria de recursos do Brasil e vem contribuindo para sustentar a cada vez mais endividada e combalida imperial.

São enormes os desafios colocados na atual luta política brasileira. O PT e a ampla aliança que vem sendo formada com forças de direita pretendem dar um tom de plebiscito anti Bolsonaro às eleições, encobrindo os compromissos com a manutenção do neoliberalismo. Os acordos que estão sendo firmados com elementos direitistas como Geraldo Alckmin tendem a amarrar ainda mais o programa e as ações de um eventual governo do PT, do que ocorreu com a “Carta aos Brasileiros” de 2003. Foram esses acordos que asseguraram a manutenção das políticas neoliberais, entravaram qualquer perspectiva de avanço real e asseguraram espaço para o golpe de 2016 e a vitória da extrema-direita em 2018. O PCB se contrapõe a essa política de conciliação de classes, ao lançar a pré candidatura de Sofia Manzano à presidência da República, defendendo um programa de mudança radical da sociedade brasileira, voltado para mobilizar os trabalhadores pela reversão das reformas da CLT, da Previdência, das privatizações lesa-pátria e para abrir espaço para a construção de formas de poder popular. A conjuntura mundial é favorável ao avanço da luta popular, abre oportunidades que não podem ser desperdiçadas com propostas de conciliação de classe e com o imperialismo nem com a continuidade do neoliberalismo.

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