O que a OTAN faz na América Latina?

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Por Tamara Lajtman, Aníbal García Fernández e Silvina Romano, tradução de Pedro Marin para a Revista Opera

No contexto do conflito na Ucrânia, EUA e OTAN reafirmam suas alianças com a América Latina e o Caribe (ALC) em um cenário geopolítico que se inclina cada vez mais decididamente ao leste e ao retorno da geopolítica dura. Com o impacto da guerra na Ucrânia, os EUA vêem a sua esfera de influência na América Latina ameaçada? Qual é a relevância da OTAN na região?

I – A OTAN na América Latina e Caribe
Um think thank estadunidense especializado em segurança apontou há alguns dias que “há uma campanha de desinformação promovida pela Rússia que se estende por toda a América Latina, questionando componentes da arquitetura ocidental que poderiam manter a região a salvo […] esta conjuntura é um lembrete de que devemos fazer mais para apoiar aqueles que lutam pela governança democrática no Hemisfério Ocidental”.

Nesta luta pela governança, a OTAN tem um papel ativo na região que, no entanto, normalmente não é visível. Além dos membros plenos da OTAN, há duas figuras nas quais se encontram países latino-americanos: “Sócios em todo o mundo” (partners across the globe) e Aliado principal extra-OTAN (Major Non-NATO Ally, MNNA).

Colômbia, a única “sócia global” da OTAN na América Latina e Caribe
A OTAN coopera individualmente com vários países que não fazem parte dos seus quadros de parceria regional (Conselho de Parceria Euro-Atlântico/Parceria para a Paz, Diálogo Mediterrânico e Iniciativa de Cooperação de Istambul).

Conhecidos como “parceiros mundiais” ou simplesmente “parceiros globais”, eles incluem Afeganistão, Austrália, Colômbia, Iraque, Japão, República da Coreia, Mongólia, Nova Zelândia e Paquistão, que têm acesso a toda a gama de atividades que a OTAN oferece a todos os parceiros.

Cada parceiro desenvolve um Programa de Cooperação em Parceria Individual (IPCP).

O IPCP da Colômbia estabeleceu as áreas prioritárias da cooperação: segurança cibernética, segurança marítima e terrorismo e suas ligações com o crime organizado, segurança humana; e fortalecimento das capacidades das forças armadas colombianas. Por meio de treinamentos e exercícios, os colombianos buscam desenvolver a interoperabilidade de suas forças armadas, de acordo com as normas e padrões da OTAN.

Em dezembro de 2021, ocorreu uma reunião entre o Secretário-Geral Adjunto da OTAN e o Ministro da Defesa colombiano para atualizar a cooperação.

Os colombianos participam regularmente dos cursos da Escola da OTAN em Oberammergau, na Alemanha, e na Escola de Defesa da OTAN em Roma, na Itália. Destacam-se os cursos de desminagem, contra-insurgência e antinarcóticos.

Aliado principal extra-OTAN: Argentina (desde 1998), Brasil (desde 2019) e Colômbia (2022 – sujeito a aprovação no Congresso dos EUA)
O “Aliado principal extra-OTAN” (MNNA) é uma designação que, sob a lei estadunidense, concede a sócios estrangeiros certos benefícios nas áreas de comércio de defesa e cooperação em segurança. Um aliado MNNA não forma parte da OTAN nem está coberto pelas garantias de segurança e defesa mútua dessa organização. O termo “OTAN”, assim como “aliado” (ao menos no sentido do Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte) dá uma falsa impressão do que é na realidade um acordo bilateral.

O Brasil conta com 334.500 militares ativos, a Colômbia com 200 mil, a Argentina com 51.309 (dados de 2018). A OTAN conta com 3,5 milhões de funcionários ativos, entre militares e civis. Apenas Brasil e Colômbia contribuiriam com mais ativos do que os membros europeus anexados à OTAN na década de 1990 (Macedônia do Norte, Montenegro, Albânia, Croácia, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, República Tcheca e Hungria). A Argentina possui ativos semelhantes aos da Bulgária (24.800) e da República Tcheca (25 mil) combinados (ver Anexo 1).

Anexo: orçamentos militares e militares ativos. (Fonte: CELAG): https://revistaopera.com.br/wp-content/uploads/2022/03/pera-15.jpeg
Em novembro de 2021, o Atlantic Council (braço político da OTAN) levantou a possibilidade de uma adesão do México.

II – O que implica a vinculação à OTAN?
Conforme destacado pelo Secretário-Geral Adjunto da OTAN, Mircea Geoană, no painel “A evolução do papel da OTAN na América Latina” durante a Cúpula da Concórdia (2020), a vinculação à OTAN implica em:

1 – Financiamento da OTAN contra o terrorismo, construção de resiliência, combate à corrupção, construção de integridade, combate às mudanças climáticas e combate à ascensão da China e do Irã.

2 – Doutrinação: uma das formas, entre outras, com a qual se alcança a inclusão de um país na OTAN é enviando jovens oficiais para a Escola de Defesa da OTAN ou criando programas de treinamento ad hoc, para mostrar a evolução das doutrinas da OTAN.

A Agenda OTAN 2030 (definida em junho de 2021) estabelece o compromisso em fortalecer as relações da OTAN com sócios com posições amigáveis e forjar novos laços na África, Ásia e América Latina: “Quando os vizinhos da OTAN são mais estáveis, estamos mais seguros […] Fortalecer os sócios e capacitar as forças locais é uma forma mais sustentável e rentável de aumentar a segurança e a estabilidade e lutar contra o terrorismo. A OTAN e os sócios da OTAN têm uma larga trajetória nesta área, que pode servir como base para cumprir melhor suas tarefas principais de gestão de crise e segurança cooperativa”.

III – O Comando Sul e a OTAN
A OTAN mantém presença na região através de operações e exercícios do Reino Unido, Canadá, França e Países Baixos em programas de Assistência Humanitária e Socorro em Casos de Desastre (HA/DR). Um exemplo disso foi a resposta conjunta após o terremoto no Haiti.

A participação inter-agências entre EUA e OTAN é promovida nos exercícios anuais de HA/DR, ao que se agrega uma conferência anual de alto nível entre as agências estadunidenses para garantir a coordenação entre as diferentes áreas do governo para responder à Rússia e China na região.

O Comando Sul propõe competir com adversários, como a Rússia, através de Operações de Apoio de Informação Militar (MISO) e Operações, Atividades e Investimentos (OAI).

IV – Apontamentos finais
Com a guerra na Ucrânia, os EUA iniciaram negociações com a Venezuela que podem remover restrições ao setor petrolífero e exportá-lo para a União Europeia (UE). A Colômbia também se ofereceu para exportar petróleo. Este pode ser um dos pedidos dos membros da OTAN à Colômbia, Argentina e Brasil, três dos produtores de petróleo e gás da região.

As Operações de Apoio de Informação Militar poderiam ter lugar na Colômbia, mas não na Argentina e no Brasil. De fato, o Brasil permitiu o regresso do Telegram.

É pouco provável que algum dos três países participe ativamente na guerra, no entanto, status como os de aliado global da OTAN e Aliado principal extra-OTAN são complementares a uma extensa gama de programas de assistência e treinamento militar estadunidenses, dimensão que se torna ainda mais estratégica para assegurar a região aos EUA, que continua em declínio hegemônico, em um contexto de fortes mudanças no sistema multilateral e de retorno à geopolítica dura.

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