O jovem eleitor e os limites institucionais

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Por Guilherme Monteiro, via Revista O Ipê

Com a proliferação de campanhas para que jovens tirassem o título de eleitor, surgiram também os questionamentos sobre qual o real poder do voto para mudar o nosso país.

Gerações após gerações, o jovem, termo que aqui usamos para nos referir tanto aos que estão se encaminhando para o final da adolescência ou nos primeiros anos da vida adulta, é caracterizado como um rebelde sem causa, uma pessoa com pouco conhecimento da “vida real”, aquela que ainda não entendeu as complexas regras da vida adulta.

Porém, ao mesmo tempo que se subjuga a capacidade dos jovens de pensar e fazer política, são em momentos como esse, de ascensão do fascismo nas ruas e nas urnas, que uma parte significativa da população espera que esses jovens se comprometam a comparecer às urnas para as eleições presidenciais e afastar de vez as ameaças de mais quatro anos da extrema direita no poder. No entanto, uma pergunta parece inquietar vários jovens que sonham com um outro Brasil: será que as coisas vão mudar apenas trocando de presidente?

O fundo do poço de um poço sem fundo

Nos aprofundemos na questão que encerrou o último parágrafo. É evidente que os resultados de uma eleição impactam fortemente o rumo de um país. Se existia alguma dúvida sobre isso, elas foram exauridas após as eleições de 2018, quando o candidato abraçado pela burguesia brasileira passou a ocupar o cargo mais alto do Executivo para aplicar seu plano de morte e destruição da classe trabalhadora brasileira.

Em 2018, quando a vitória de Bolsonaro se mostrava cada vez mais inevitável, várias faces da esquerda brasileira convulsionavam incrédulas tentando achar explicações para o que estava acontecendo. Como podia ser eleito um candidato racista, capacitista, misógino, homofóbico, transfóbico, xenófobo, miliciano e fascista? Explicações de todo o tipo começaram a surgir: “a esquerda perdeu porque estava preocupada demais com pautas identitárias”, “a esquerda perdeu porque não se une”, “a esquerda perdeu porque não apostou no Ciro”. Para além de todas as possíveis razões, uma coisa estava clara: o discurso bolsonarista de rompimento institucional à direita havia conquistado uma parte enorme da população que já não acreditava mais nas nossas instituições.

Este não era o caso da maioria da esquerda brasileira. Nos últimos anos, parte da esquerda assumiu para si o papel de bastião da defesa da institucionalidade brasileira e seus poderes dos ataques bolsonaristas. Ora, nada mais que óbvio: se um lunático quer destruir o nosso país cabe a mim protegê-lo. E o que é meu país? O Estado burguês e suas instituições. “Como pode Bolsonaro querer fechar o STF?”, “como pode ele rasgar a nossa Constituição?”. Era como se tudo que aconteceu na última década tivesse caído no esquecimento.

Vijay Prashad, em seu livro Balas de Washington (Expressão Popular, 2021), relembra os acontecimentos, a começar pelo golpe de 2016. De acordo com o autor, a grande mídia, encabeçada pela Rede Globo, incitou a opinião pública contra a presidenta Dilma, que mesmo sendo reeleita em 2014, sofreu um golpe por meio de um impeachment sem provas. Um pouco mais a frente, em 2018, foi a vez do poder judiciário intervir na possível eleição de Lula, agora por meio de ações como a da Lava-Jato, que tanto colaborou para o desmonte ainda em curso da Petrobrás quanto para prender Lula sem provas ao mesmo tempo em que garantia uma vaga de ministro a Sergio Moro no atual governo.

Ainda assim, a única forma que parte da esquerda consegue enxergar de se fazer política é ficar a reboque dos ataques bolsonaristas e defender as instituições liberal-democratas do país. Instituições essas que por várias vezes demonstraram estar muito mais alinhadas com os interesses da burguesia do que com os interesses da classe trabalhadora. Parece difícil de entender? Piora.

Se confiar um galinheiro a uma raposa pode virar uma tragédia, confiar a segunda vez depois de ter perdido tudo parece uma perigosa piada. Mesmo depois do Partido dos Trabalhadores (PT) ver um vice-presidente ajudar a articular um golpe contra a presidenta Dilma, a sua escolha para 2022 é apostar novamente em uma aliança com a direita, materializada agora na vice-presidência de Geraldo Alckmin. Para além de escândalos envolvendo a merenda de crianças e ter sua polícia envolvida em casos de chacina, o ex-tucano, atual PSB, representa também uma maior capacidade de diálogo de Lula com determinados setores da burguesia para proporcionar governabilidade. São nesses pontos que simpatizantes e militantes do PT se apoiam para justificar essa aliança.

Não podemos esquecer, claro, que o governo petista acumulou contradições ao longo dos 14 anos em que estiveram no poder. Para além das perigosas alianças com o centro e uso de dinheiro público para financiar redes milionárias de educação privada, podemos citar alguns exemplos também na segurança pública: entre os anos de 2002 e 2014 o aumento da população carcerária foi de mais de 620%; parte desse crescimento pode ser atribuído à desastrosa Lei 11.343 de 2006, popularmente conhecida como Lei Antidrogas, que apesar de não criminalizar o usuário, permite que a pessoa seja presa pelo porte. A lei resultou na ampliação de 14% para 28% do encarceramento por prisões relacionadas a drogas entre os anos de 2006 e 2016. A grande maioria dessas pessoas são negras e mulheres; Foi ainda no governo Lula que as UPPs, fábricas de milícias, foram implementadas, agravando ainda mais a crise de segurança pública sobre os dizeres do presidente de que “agora a polícia bate em quem tem que bater”.

Mas mesmo com todas as contradições petistas, nesses quatro anos do governo Bolsonaro-Mourão, o brasileiro pode testemunhar um agravamento daquilo que já era problemático nos governos Lula e Dilma e o surgimento de problemas ainda mais assombrosos com a ascensão liberal e fascista de Bolsonaro, Guedes e Cia. Empresas públicas fundamentais para a nossa economia, como Caixa e Petrobrás, são cada vez mais atacadas e entregues a iniciativa privada; Os preços dos alimentos não param de subir e cada vez mais pessoas entram em situação de fome ou insegurança alimentar, enquanto milionários brasileiros fazem fila para comprar jatinhos. Nesse meio tempo, parece que vai caindo no esquecimento dos brasileiros que o presidente e seus aliados foram direta e indiretamente responsáveis pela morte de pelo menos 665.000 brasileiros e brasileiras nessa pandemia da Covid-19.

Portanto, por mais que a política institucional brasileira nunca tenha sido no passado mais recente muito favorável aos trabalhadores, o risco de se ter mais 4 anos de Bolsonaro no poder atesta aa importância dessa eleição na construção de um horizonte mais simpático aos interesses da população. Dessa forma, não podemos jamais menosprezar as eleições de 2022 e o impacto que o eleitorado jovem realiza. Mas a ação política da juventude não pode se encerrar aí.

Por falar em politicagem

Nas últimas semanas, pudemos ver artistas nacionais e internacionais de grande fama fazendo campanhas para estimular jovens brasileiros entre 16 e 18 anos a tirarem o título de eleitor. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), entre janeiro e abril de 2022 houve o registro de 2.042.917 novos eleitores nessa faixa etária. De acordo com Miguel, jovem trabalhador brasiliense de 17 anos entrevistado pelo G1, “juntamente com o voto vem o poder de influência entre os meios que a gente vive. Se quero mudar algo no meu país, meu voto faz a diferença”.

Por mais expressivo que esse número possa parecer, esta é a eleição com menor engajamento de eleitores dessa faixa etária desde 1998. Especialistas apontam que os prováveis motivos para esse número são o envelhecimento da população; a pandemia, que limitou a ação publicitária do TSE frente a esse público; e uma crise de como esses jovens se sentem representados pelas figuras que estão se colocando como pré-candidatas para essa eleição. Em matéria publicada pela Folha de São Paulo, Eduardo Grinn, cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas, relata que muitos jovens não acreditam que a política partidária tem sido uma boa solução para resolver problemas políticos e os partidos não têm conseguido se adaptar para modernizar as linguagens e dialogar com a juventude e suas inquietações.

Não podemos dizer que é difícil compreender por que isso acontece: uma quantidade colossal de políticos afirmam que não compactuam com a velha política e ao chegar ao poder reproduzem os mesmos vícios pelos quais os deputados, senadores e presidentes já são famosos. Entra governo e sai governo e problemas de segurança pública, saúde, educação e emprego parecem persistir; Para completar, desde o golpe de 2016 ficou claro que tudo aquilo que o povo levou décadas para conquistar pode ser tirado das mãos em instantes.

Contudo, a forma como o atuar politicamente é colocado para a nossa juventude é constituído por um peso desproporcional sobre a política institucional. Dentro da democracia burguesa é ensinado ao jovem que a forma como ele melhor pode atuar politicamente é por meio do voto, que se dá de 4 em 4 anos ou de 2 em 2 anos, a depender de onde o eleitor reside. Nesse sistema, o eleitor tem a responsabilidade de escolher bem o candidato que melhor representa seus interesses, torcer para que outros eleitores também votem em tal candidato, e observar muito bem como ele atua durante o seu mandato, para que 4 anos depois o eleitor decida se reelege seu candidato ou não.

Nesse modelo, o povo é situado como um ser à margem das decisões políticas que o país, estado ou município toma. Não um ser político, mas sim um ser eleitoral. Sua ação para alterar os rumos da sociedade se limita a pressionar os botões de uma urna eletrônica e aceitar que qualquer mudança para melhor leva tempo, quase uma eternidade, mas que ele precisa ter fé e resiliência (ou qualquer outra palavra da moda) no modelo, pois por mais que a democracia burguesa não seja um modelo perfeito, é o melhor existente. Contudo, a materialidade da vida escancara as contradições desse sistema: como podemos acreditar que algo está melhorando quando a realidade do povo brasileiro só parece piorar ano após ano? Urge, portanto, que o povo se organize em uma outra forma de fazer política

Lutar, criar, poder popular

Repensar a posição do povo no fazer político não significa negar a política institucional, como se ela não devesse ser disputada para tensioná-la para o lado dos interesses da classe trabalhadora. Em um contexto em que partidos de esquerda podem ser postos na ilegalidade, como já aconteceu outras vezes no Brasil e no mundo, disputar esse poder é uma forma de assegurar a sobrevivência daqueles que, de fato, procuram uma real ruptura com a organização social atual. Portanto, não existe nenhuma contradição entre reconhecer os limites da institucionalidade e ainda defender candidaturas da esquerda revolucionária, como é o caso da pré-candidata Sofia Manzano (PCB) e do pré-candidato Leonardo Péricles (UP).

Contudo, a política não pode se limitar a isso. É preciso que o fazer político do povo vá além de escolher um candidato de 4 anos em 4 anos e esteja no núcleo de qualquer decisão que vá impactar a sua vida. Em outras palavras, se faz necessário construir o poder popular.

De acordo com as resoluções do XV congresso do Partido Comunista Brasileiro, “A luta pelo Poder Popular se expressa nas ações independentes da classe trabalhadora em seus embates contra as manifestações mais evidentes da ordem do capital”. Dessa forma, a prioridade é organizar o povo para disputar espaços como movimentos sociais, sindicatos, fóruns populares, organizações partidárias, centros acadêmicos, etc. A organização nesses espaços gera acúmulos e orienta as pessoas para lutas por pautas comuns.

A tendência é que, quanto mais organizados os trabalhadores estejam na reivindicação dos seus interesses, maior será a agitação no sentido de um movimento revolucionário. E onde há ação revolucionária existe, por sua vez, reação contrarrevolucionária, mas é justamente nesse entrave que teremos a construção de uma unidade na luta, com as demandas apresentadas outrora de forma fragmentada se tornando reinvidicações cada vez mais precisas, de uma massa de trabalhadores que se enxerga enquanto classe e promovem a independência de seus interesses em relação aos dos gestores do capital, dando forma assim a um campo popular e de esquerda.

Este é um dos remédios para a tão falada desunião das esquerdas. São construídas pautas comuns por meio daquelas que se materializam justamente da necessidade que fez cada oprimido se organizar em prol de uma luta maior, que vai além dos limites institucionais em que a classe dominante tenta minar a ação política do povo. Forma-se, assim, uma espécie de poder de caráter anticapitalista que se agiganta frente ao poder burguês. O povo deixa de ser simplesmente um sujeito eleitoral para exercer seu poder político e começar, de fato, a fazer valer as suas vontades e necessidades em oposição aos interesses dos capitalistas, até, de fato, superar o sistema capitalista e suas contradições.

Portanto, se faz necessário apresentar um horizonte maior de atuação política à juventude, seja àquela que se motiva para tentar mudar o mundo por meio do seu voto, mesmo sem compreender os limites de tal ação, ou àquela que perdeu o interesse pela política e se vê impotente para operar qualquer mudança em seu país. Embora não possamos menosprezar o poder do voto, só conseguiremos nos ver livres dos nossos grilhões pela luta e construção do poder popular. As eleições são um passo importante, mas não será por meio dela que conseguiremos a emancipação do nosso povo.

[Na foto, grafitti em Bangkok em 2019, às vésperas das primeiras eleições gerais desde o golpe por uma junta militar, em 2014].

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