O Agro é guerra, o Agro é morte, o Agro é fome

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Por Alexandre Mask, via Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia

O ano de 2022 se desenha, no cenário mundial, com traços definidos por conflitos bélicos burgueses, pandemias, devastações ambientais e mudanças climáticas críticas, num momento de ofensiva intensa da classe dominante, especialmente no Brasil e em toda a periferia do sistema capitalista. A classe trabalhadora brasileira vem perdendo direitos, e sofrendo inúmeras consequências catastróficas. Dentre elas podemos destacar a insegurança alimentar e a fome, ao passo que a burguesia tem elevado substancialmente seus lucros e conduzindo nosso planeta a um ponto de não retorno, colocando em risco a existência da espécie humana. Grande parte dessa responsabilidade repousa sobre o Agronegócio. Para compreendermos melhor essa questão e pensarmos em soluções coletivas, precisamos analisar alguns aspectos separadamente para perceber como eles se relacionam.

O Agro é GUERRA

A década era a de 1960. Por quase 10 anos, a operação “ajudante de fazendeiro”¹ despejou em torno de 80 milhões de litros de Agente Laranja, e outras variantes, por cima do Vietnã do Sul, atingindo aproximadamente 16% da extensão do país. O objetivo era exterminar as florestas e plantações que dificultavam o avanço do exército estadunidense em sua guerra imperialista. Não lograram êxito no combate: os vietcongues colocaram os belicistas do Tio Sam para correr. Contudo, outra guerra se iniciara, de forma invisível, mas que perduraria até os tempos atuais, através de elevadas taxas de câncer, distúrbios diversos, desde o sistema respiratório à epiderme, abortos espontâneos e problemas congênitos nas gerações seguintes, deixando um legado tóxico sobre a saúde do povo vietnamita. Veteranos estadunidenses da Guerra do Vietnã contraíram o mal de Parkinson, também pela mesma causa (Robin, 2012, p.157).

Um dos precursores do Agente Laranja é o herbicida 2, 4-D, fabricado pela Monsanto. A empresa carrega em seu portfólio produtos como DDT, Roundup (glifosato), dentre outros venenos e peripécias químicas irresponsáveis, além da Bomba Atômica e diversas armas nucleares. Este herbicida contém o que se conhece por dioxina, que é constituída por uma relação de diversos compostos químicos carinhosamente chamados de “Os doze condenados”², um grupo de contaminadores ambientais persistentes e bioacumulativos³, ou seja, que se acumulam na cadeia alimentar. Todos esses produtos foram criados como armas químicas de guerra.

Recorramos a Walter Benjamin, para quem a guerra é o ponto de convergência para a estética da política. Do ponto de vista técnico, apenas a guerra é capaz de mobilizar a tecnologia na sua totalidade, e ao mesmo tempo preservar as relações de produção. E com isto, é através da guerra que os maiores desenvolvimentos tecnológicos se sucedem (BENJAMIN, 2021). E depois da guerra? Para onde vai essa tecnologia? Como recuperar todo o derrame financeiro que a guerra proporcionou?

No caso das armas químicas citadas acima, a Revolução Verde4, ou Contrarrevolução Verde, para um nome mais adequado, foi um dos principais meios de reutilização das tecnologias de guerra na segunda metade do século XX. Tais práticas se mantém até a atualidade. No final da 1ª Guerra Mundial, alemães detinham elevadas quantidades de estoque de nitratos (matéria-prima para fabricação de explosivos) sem destino, que foram reciclados pela indústria química e introduzidos impositivamente na agricultura. Este passou a ser o “lixão” da indústria da guerra. Nem a agricultura, tampouco os agricultores criaram ou sequer solicitaram o desenvolvimento de agrotóxicos. São produtos da guerra feitos para matar seres humanos e destruir suas plantações. Não são produtos que buscam quaisquer benefícios para a humanidade, e devemos chamá-los da forma correta: Veneno – Arma Química – Agrotóxico. Esses venenos intoxicam anualmente mais de 3 milhões de pessoas, e mais de 7% são levados a óbito. Todos os dias, pelo menos 25 pessoas são vítimas dos agrotóxicos (GÒMEZ, 2012).

O Agro é MORTE

Para além da exploração do ser humano pelo ser humano através do trabalho, Marx abordou, em sua obra, a exploração da natureza5 como meio para esgotamento do solo6, bem como o rompimento do metabolismo entre o ser humano e a terra, conceito posteriormente chamado de “falha metabólica” ou “ruptura metabólica” (FOSTER, 2005, p. 10)7, muito antes da ideia de “consciência ecológica” fazer parte das preocupações da burguesia.

Nesse momento estamos submetidos a uma pandemia de Covid-19 que infectou mais de meio bilhão de pessoas e o número de óbitos superou os seis milhões8. Muitas são as controvérsias acerca da origem do Sars-COV-2, vírus causador da doença. Sua genética demonstra ser um rearranjo do coronavírus de morcego com uma cepa de Pangolim, que posteriormente encontrou sintonia no sistema imunológico dos seres humanos. Não há explicação plausível para o salto do vírus entre essas espécies, tampouco por espécies intermediárias, a exemplo da conhecida gripe suína, que transitou dos porcos para os humanos, sem considerar o papel da agropecuária. Florestas têm como uma de suas principais funções interromper a transmissão de vírus mortais. O círculo regional de produção, que parte das florestas periurbanas (regiões que abrangem a periferia da cidade) para as cidades, se reproduz no mundo inteiro. Essa estrutura mais ampliada permite uma melhor análise e compreensão da grande maioria dos surtos ocorridos por quase todo o planeta, tendo em vista que todos têm origem ou reemergem em locais pertencentes a esses círculos produtivos em expansão. Boa parte dessas ecologias são resultados de imposições do modelo capitalista. É o contexto agroeconômico que desenvolve boa parte dos patógenos (WALLACE, 2020).

O Agro é FOME

O Brasil na última década, potencializado ainda mais pelo governo Bolsonaro, intensificou seu caráter subserviente aos interesses do grande capital financeiro e do imperialismo, exercendo funções secundárias na economia global, mantendo-se na parte superior do ranking de consumo de agrotóxicos no planeta e de monoculturas transgênicas para exportação. Esse cenário está atrelado a um processo de desindustrialização que caminha a passos largos, tendo suas bases de transformação industrial cada vez mais sucateadas. O implacável caráter expansionista do Capital se expressa em nosso modelo agrícola hegemônico, o agronegócio, na expansão do latifúndio, potencializada pela relação escassa entre a elevação da produtividade e a demanda de insumos que as sementes modificadas podem oferecer. Não há outro caminho para manter a rentabilidade nesse modelo. Alterações das legislações ambientais e fundiárias permitem expansão do Agrobiz para áreas de preservação, além da expropriação de territórios atualmente ocupados por populações tradicionais indígenas, ou ainda assentamentos de reforma agrária, sendo motores para garantir a reprodução do modelo agroeconômico, que, por sua vez, torna-se agente causador de diversos crimes ambientais e seguem promovendo genocídios e etnocídios da população cada vez mais vulnerável ante o desejo de maiores lucros.

O modelo do Agronegócio aparece como herói do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, quando na verdade, em sua essência, é o vilão responsável pela insegurança alimentar que hoje atinge mais de 110 milhões de brasileiros, promovendo o retorno do Brasil ao mapa da fome, somando mais de 20 milhões de pessoas nessa situação, intensificando as desigualdades que se expressam na crise social que o país se encontra e nos impactos ambientais sem possibilidade de recuperação, a saber, alterações dos ecossistemas e perda de biodiversidade, causadas pelos agrotóxicos (Venenos).

Pacote do Veneno

Agora que chegamos a uma base mínima de entendimento do que são agrotóxicos, do seu poder destrutivo e mortal, de onde vem e a quem interessam, além de já conhecermos também os impactos que o Agrobiz causa ao redor do planeta, vamos à questão central. Recuperemos o início do texto, dando a César o que é de César: Veneno – Arma Química – Agrotóxico.

No embalo do governo Bolsonaro, que podemos chamar de o governo do Agronegócio, sob a liderança do ex-desMinistro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que fez jus ao seu pronunciamento em reunião ministerial, na qual registrou que a pandemia do Covid-19 abria a oportunidade para “ir passando a boiada”9, no dia 9 de fevereiro de 2022, em sessão com velocidade recorde foi aprovada na câmara dos deputados a PL 6.299/2002, conhecida como Pacote do Veneno. Os argumentos usados para defender o Pacote do Veneno são desprovidos de quaisquer bases científicas ou técnicas. As seções anteriores nos dão a percepção necessária para enxergar o que realmente esses produtos representam, e quais as verdadeiras ideias que eles carregam consigo. Escondida atrás de uma capa formada por campanhas midiáticas baseadas em distorções e mentiras (CONSEA, 2014) (ZANONI & FERMENT, 2011), promovidas por veículos que participam direta ou indiretamente do conjunto de agronegócios, a indústria internacional, através de suas empresas, encontra no Brasil a solução para comercialização dos seus venenos proibidos em dezenas de países. A flexibilização dos marcos legais e regulatórios trabalhistas, previdenciários e ambientais, junto ao enfraquecimento do Estado na regulação desses venenos, fomentam o fortalecimento do Agronegócio no país (GURGEL ET AL, 2019).

O Pacote do Veneno não é uma caixa de Pandora. Apesar de trazer consigo o grande potencial de tragédias para o povo brasileiro, esperança é algo que não encontra repouso em sua existência. Nem a mitologia é capaz de encontrar caminhos que justifiquem tamanha crueldade com o povo brasileiro. Não obstante, no interior dessa caixa preta, encontramos absurdos e atrocidades que não achariam espaço num compêndio mitológico. A falta de clareza nas justificativas e no processo de aprovação do Pacote do Veneno é temperada com obscuridades de fazer inveja aos textos de Hegel.

Desde pontos que versam sobre a permissão para exportar venenos banidos no país com previsão para substituir registros de produtos destinados à exportação sem a necessidade de estudos ambientais e toxicológicos, passando por definições abstratas e altamente subjetivas como a de “risco aceitável”, que tornaria possível o registro de venenos de toxicidade igual ou superior ao Agente Laranja, e todas as suas consequências com base em estatísticas de números “irrelevantes” de incidências de câncer, mutações, malformações fetais ou alterações hormonais e reprodutivas, o Pacote-Catástrofe não para por aí. É nossa tarefa enquanto classe trabalhadora impedirmos que sigam transformando nosso país na lata de lixo tóxico do planeta e resistir à expansão do Agronegócio que segue matando, desmatando e nos envenenando, garantindo sua lucratividade em detrimento das nossas vidas. O Agro é GUERRA, o Agro é MORTE, o Agro é FOME!

Ambientalistas e simpatizantes de todo mundo, uni-vos!

Notas:

1 CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: Operação Rancho Mão. Disponível em: https://pt.frwiki.wiki/wiki/Op%C3%A9ration_Ranch_Hand. Acesso em: 18 mai. 2022.
2 CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: The Dirty Dozen. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Dirty_Dozen. Acesso em: 18 mai. 2022.
3 MONTONE, Rosalinda C. IOUSP: Bioacumulação e Biomagnificação. Disponível em: https://www.io.usp.br/index.php/oceanos/textos/antartida/31-portugues/publicacoes/series-divulgacao/poluicao/811-bioacumulacao-e-biomagnificacao.html. Acesso em: 18 mai. 2022.
4 A Revolução Verde foi um processo histórico iniciado nas primeiras décadas do século XX, que teve sua consolidação após o fim da 2ª Guerra Mundial, a partir dos processos de exportação da revolução agrícola estadunidense para o México, sob o financiamento da Fundação Rockefeller. Seu principal componente foi a produção de sementes geneticamente modificadas que teriam seu desenvolvimento adaptado aos climas tropicais, com o uso de fertilizantes adequados, produzidos pela mesma origem dessas sementes (MACHADO, 2014).
5 “Assim como na indústria urbana, na agricultura moderna o incremento da força produtiva e maior mobilização do trabalho são obtidos por meio da devastação e do esgotamento da própria força de trabalho. E todo progresso da agricultura capitalista é um progresso na arte de saquear não só o trabalhador, mas também o solo, pois cada progresso alcançado no aumento da fertilidade do solo por certo período é ao mesmo tempo um progresso no esgotamento das fontes duradouras dessa fertilidade. Quanto mais um país, como os Estados Unidos da América do Norte, tem na grande indústria o ponto de partida de seu desenvolvimento, tanto mais rápido se mostra esse processo de destruição. Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social na medida em que solapa os mananciais de toda a riqueza: a terra e o trabalhador” (MARX, 2017, p.573).
6 “A indústria e a agricultura em grande escala, exploradas de modo industrial, atuam de forma conjunta. Se num primeiro momento elas se distinguem pelo fato de que a primeira devasta e destrói mais a força de trabalho e, com isso, a força natural do homem, ao passo que a segunda depreda mais diretamente a força natural da terra, posteriormente, no curso do desenvolvimento, ambas se dão as mãos, uma vez que o sistema industrial na zona rural também exaure os trabalhadores, enquanto a indústria e o comércio, por sua vez, fornecem à agricultura os meios para o esgotamento do solo” (MARX, 2017, p.873).
7 No original “metabolic rift”. Na tradução para o português o termo utilizado foi “falha metabólica”.
8 Ver https://www.worldometers.info/coronavirus/
9 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=v8fm8-eMrhw.

Referências:

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Porto Alegre: L&PM, 2021, p.96-99.

BULLFINCH, Thomas. O Livro da Mitologia: A Idade da Fábula. 1ª ed. São Paulo: Martin Claret, 2013, p41-48.

BURCH, D. ”Production, consumption and trade in poultry: corporate linkages and North-South supply chains”. In: FOLD, N. & PRITCHARD, W. (Orgs.). Cross-continental Agro Food Chains. Londres: Routledge, 2005, P.166-178.

CONSEA. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Mesa de controvérsias sobre impactos dos agrotóxicos na soberania e segurança alimentar e nutricional e no direito humano à alimentação adequada. Relatório Final 2013. CONSEA: Brasília, 2014. Disponível em: https://www.mpma.mp.br/arquivos/ESMP/2014_Relatorio_Final_Mesa_Controversias_Agrotoixicos.pdf. Acesso em: 19 maio 2022.

FRIEDRICH, Karen et al. (org.). “Dossiê contra o Pacote do Veneno e em defesa da Vida!”. 1ª ed. Porto Alegre: Rede Unida, 2021, 336 p.

FOSTER, John Bellamy. A Ecologia de Marx: materialismo e natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

GÓMEZ, G. C. Os agrotóxicos, o novo holocausto invisível. Disponível em: https://www.ihu.unisinos.br/noticias/516210-os-agrotoxicos-o-novo-holocausto-invisivel. Acesso em: 18 mai. 2022.

GURGEL, A. et al. (orgs). Saúde do campo e agrotóxicos: vulnerabilidades socioambientais, político-institucionais e teórico-metodológicas. Recife: Ed. UFPE, 2019, 413 p.: il. Disponível em: http://www.movimentocienciacidada.org/documento/detail/58.

MACHADO, Luiz Carlos Pinheiro. Dialética da Agroecologia. 2ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2014, 360p.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. 2ª ed. São Paulo: Boitempo, 2017.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política: livro III: o processo global da produção capitalista. Edição de Friedrich Engels. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2017.

ROBIN, M.M. Nuestro Veneno Cotidiano. Barcelona, Península, 2012, 667p.

WALLACE, Rob. Pandemia e Agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência. São Paulo: Elefante, 2020, 608p.

ZANONI, M. & FERMENT, G. (orgs.). Transgênicos para quem? Agricultura, Ciência e Sociedade. Brasília: MDA, 2011. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/299645431_Transgenicos_para_quem. Acesso em: 19 mai. 2022.

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