O papel do Partido na luta pelo abortamento legal
Por Andressa Bacin, estudante de Medicina, militante do PCB Santa Maria-RS, do CFCAM Santa Maria-RS e da Fração nacional de saúde do PCB
Saudações, camaradas!
Como sabem, o CFCAM, tanto em nível nacional, como estadual, vem fazendo um árduo trabalho na luta pela legalização e descriminalização do aborto. Quero começar nossa breve análise fazendo uma pequena diferenciação entre esses dois termos. Legalização significa que uma conduta passa a ser permitida e regulamentada. Descriminalização significa que uma conduta deixou de ser crime, mas que ainda pode sofrer sanções civis ou administrativas. Por isso a importância de se referir ao tema pelo nome completo “Legalização e descriminalização do aborto” pois não basta só descriminalizar, sem também garantir o acesso a esse direito pelo sistema único de saúde.
Pois bem, feita essa aclaração, gostaria de me ater agora à algumas questões e dificuldades que estamos encontrando enquanto CFCAM ao longo dessa jornada de luta pelo acesso ao abortamento. Há, socialmente, um tabu sobre a pauta, um manto de vergonha e pudor que o cobre, portanto, passa a ser um tema pouco tratado, já que falar sobre aborto é mexer num vespeiro religioso e moral que poucas pessoas estão dispostas a enfrentar. Mas qual a função e quais os interesses da burguesia em que o abortamento seja mantido como crime?
Em primeiro lugar, é necessário deixar muito evidente que a burguesia sempre teve acesso livre ao abortamento, pois o fazem nas clínicas privadas ou viajam ao exterior para realizá-lo, visto que só é crime em território nacional. Portanto, a clandestinidade é reservada às mulheres e pessoas com útero da classe trabalhadora, principalmente às pretas e periféricas. Acabamos recorrendo a métodos arcaicos como chás, objetos pontiagudos como agulhas de tricô, aros de bicicletas e as que podem, compram medicamentos no mercado ilegal que na maioria das vezes são falsificados ou recorrem a clínicas clandestinas precárias.
Tudo isso nos leva ao índice alarmante de mais de 40 mil mortes por ano no mundo por complicações de abortamentos clandestinos, estimativa esta que a OMS acredita estar subnotificada por se tratar de uma prática feita às margens da ilegalidade. Esses índices aumentam em países da periferia do capital, principalmente na América Latina, África e Ásia. Coincidentemente, países com forte predomínio religioso, onde igrejas são legitimadas como poder político e se apropriam de pautas de saúde pública que não são de sua alçada.
Vemos que a criminalização do aborto está diretamente ligada aos domínios de classe, de gênero, de raça e religiosos (principalmente igreja católica e as neopentecostais). Portanto, essa pauta é de responsabilidade de todos os comunistas, pois está diretamente ligada à submissão da mulher à função de reprodução de mão de obra barata para o acúmulo do capital.
Engels, em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, diz o seguinte:
“… o homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada, convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples instrumento de reprodução. Essa baixa condição da mulher, manifestada sobretudo em tempos heróicos e, ainda mais entre os dos tempos clássicos, tem sido gradualmente retocada, dissimulada e, em certos lugares, até revestida de formas de maior suavidade, mas de maneira alguma suprimida.”
Engels se refere ao patriarcado como fruto do nascimento da propriedade privada, portanto, o controle sobre os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres também são fruto da opressão das classes dominantes sobre nós e não são, de forma alguma, uma pauta isolada que deve ser tocada de maneira identitária por mulheres e pessoas com útero. Não somos incubadoras a serviço do capital, temos direito pleno de decisão sobre como, quando e se queremos maternar.
Em outro trecho, Engels afirma:
“A família individual moderna baseia-se na escravidão doméstica, franca ou dissimulada, da mulher, e a sociedade moderna é uma massa cujas moléculas são as famílias individuais.”
Nasce, portanto, a ideia de mulher enquanto sujeito doméstico e domesticado, relegada às tarefas de cuidado da casa, do marido e dos filhos. Nasce, também, a imposição social de maternidade. A ideia de que gestar e criar é uma obrigação divina ou inclinação nata de gênero, ideia essa, vendida para mascarar a real intenção dos dominadores sobre a vida reprodutiva da classe trabalhadora.
Portanto, sendo o aborto um tema de saúde pública, laico e sua criminalização sendo escancaradamente um mecanismo de dominação de classes, esse tema é uma luta de todos nós, comunistas, do PCB, de seus coletivos e comitês de base. Não é uma “pauta específica” que deve ser tocada apenas pelo Coletivo feminista classiata Ana Montenegro e sim formar parte da revolução socialista. É uma questão tão material que, no momento em que esse texto está sendo escrito, mulheres estão morrendo ou sendo presas por abortar em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Tão material mas ao mesmo tempo tão erroneamente tida como subjetiva e consequentemente secundarizada. Nem mesmo as pessoas que se encaixam nos marcos em que o abortamento se diz legalizado têm acesso a esse direito de forma digna. Retrato disso é o caso abominável da menina de 10 anos de Santa Catarina, que depois de estuprada, seguiu sendo violentada pela justiça burguesa. Casos como esse acontecem todos os dias mas, infelizmente, não temos acesso à ver toda violência diária exercida pelos tribunais.
Precisamos que toda a camaradagem se comprometa com a luta pela legalização e despenalização do aborto pois a libertação das mulheres só se dará por completo com a libertação da classe trabalhadora como um todo.
Por aborto legal, seguro e gratuíto!
Feminismo classista, futuro socialista!