Entrevista do Momento: Ana Karen

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Entrevista por Milton Pinheiro, via Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia

Ana Karen é Poetisa, Médica de Família e Comunidade, Professora, Educadora Popular, Feminista Classista, Comunista e candidata a deputada federal pelo PCB Bahia

O MOMENTO – Como examina a conjuntura política brasileira e o papel da esquerda revolucionária nessa etapa da luta de classes?

Ana Karen – O governo do miliciano e protofascista Jair Bolsonaro está diretamente relacionado com o aprofundamento da crise sistêmica do capital e com a reorganização a nível internacional de grupos e governos fascistas. Por outro lado, os governos petistas de conciliação de classes desarmaram a classe trabalhadora para as lutas, através da incorporação das principais lideranças e movimentos para a
base do governo.

Estamos em um momento de finalização de um ciclo ainda em aberto, onde as tendências em curso são poucos favoráveis à classe trabalhadora, mas que depende prioritariamente dela para definir os rumos dos próximos períodos. Diante da conjuntura acredito que podemos pensar em três cenários. Existe a possibilidade de sofrermos mais um golpe e termos que enfrentar um governo Jair Bolsonaro 2.0, ainda mais repressor, genocida e com maior ataque aos bens públicos e aos direitos trabalhistas. Isso aliado a um estímulo à formação de milícias e aumento dos militares no poder executivo. Num segundo cenário é possível Lula vencer as eleições, garantir sua posse através de mecanismos institucionais e entrarmos em um governo com alianças ainda mais fortes com o centrão, que garantirá pequenas mudanças no início do mandato para tentar organizar minimamente a economia, apaziguar a luta de classes e depois continuar o avanço nas medidas neoliberais; e por último, poderíamos entrar em um governo Lula, com garantia da posse através das lutas nas ruas e formação de fortes mecanismos populares criados para a manutenção das liberdades democráticas e para a garantia de um programa socialista, com propostas para mudanças substanciais na vida da classe trabalhadora, criando-se uma correlação de forças favorável para o surgimento e crescimento de uma Frente Anti-Imperialista e Anticapitalista.

A centro-esquerda encabeçada pelo PT, com apoio do PSOL, está apostando na segunda hipótese e, apesar de convocar a militância e população para garantir a vitória eleitoral de Lula no primeiro turno, suas apostas não foram em uma aliança com a classe trabalhadora, mas sim em uma frente amplíssima eleitoral, incluindo a direita golpista.

Diante disso, para refletir sobre nosso papel neste momento, não apresentaria nos termos de tarefas para a atual etapa da luta de classes, afinal temos tentado superar uma visão etapista da história. Precisamos pensar em nossas tarefas em uma conjuntura de um país de capitalismo dependente, com um passado escravocrata e com uma burguesia autocrática, entreguista e subalterna ao capital internacional. Nesse contexto, nossas principais tarefas são lutar para que a derrota de Bolsonaro se efetive da forma mais favorável possível para a classe trabalhadora, tanto do ponto de vista econômico, quanto político. Para isso, precisamos conciliar a luta nas ruas pelas liberdades democráticas e contra o golpe, com a construção de mecanismos de organização da classe, como os Comitês do Poder Popular, que tragam para o centro de sua organização um programa classista, de garantia da soberania nacional e anticapitalista.

O MOMENTO – Diante da gravidade do cenário institucional, qual seria a centralidade da luta política nesse momento?

Ana Karen – Nesse momento é mais que crucial que a luta sindical, estudantil, popular e contra as opressões convirjam na disputa de um projeto político que vá contrário ao desmonte do serviço público, contrário a todas as privatizações, pela garantia ampla de emprego e que consiga abarcar todos esses esses setores em um projeto unitário de classe. A luta eleitoral deve estar combinada com as lutas de massas nas ruas. Não temos condições de aguardar até o processo eleitoral para tentar mudar o atual quadro. A fome, o desemprego e as chacinas da população negra e periférica assola o país. São 33 milhões de pessoas passando fome e metade da população em insegurança alimentar.

É importante salientar que a escalada da violência e o discurso golpista do presidente e dos militares não são elementos isolados. Pelo contrário, a intenção é produzir o medo para não enfrentarmos coletivamente nas ruas esse possível golpe. Não temos como confiar nas Instituições burguesas e na própria burguesia para impedir essa intenção golpista. Não será o STF, a Rede Globo, o Governo Estadunidense imperialista ou o Congresso que vão impedir as intenções do presidente e dos militares. Eles não fizeram nada substancial diante da política fascista e genocida de ampliação da pandemia por Jair Bolsonaro. Não são eles que estão sofrendo com a fome, perdendo direitos e suas vidas. Somente o conjunto da classe trabalhadora em luta pode impedir esse movimento.

O MOMENTO – Enquanto feminista, articulada no campo classista, como analisa a questão da mulher no Brasil atual?

Ana Karen – Estamos em um momento extremamente grave para a vida das mulheres cis, trans e das pessoas com útero em geral. As três bases principais do bolsonarismo reforçam uma política de violências individuais e sistêmicas contra as mulheres e a população LGBT. O fundamentalismo religioso, as milícias armadas junto com os militares e as políticas neoliberais, atingem principalmente a vida das mulheres trabalhadoras, pobres e racializadas. Um dos principais carros chefes do bolsonarismo é a perseguição a liberdade sexual, ao aborto legal, aos avanços científicos e a participação pública e política das mulheres. Não é somente o liberalismo econômico que dá base ao seu governo, o ideal do machão, que utiliza da violência para manter sua dominação, tem sido fortalecido em políticas públicas e na sua disputa nas mídias sociais.

Só para lembrar, Bolsonaro falou que não estupraria uma deputada do PCdoB porque ela não merecia, tem avançado na liberação do uso de armas e durante o seu governo a vida e saúde das mulheres tem sido perseguida diariamente, a exemplo do incentivo à violência obstétrica na caderneta das gestantes e a nota técnica criada pelo Ministério da Saúde para criminalizar o aborto legal e perseguir as mulheres que podem realizar aborto nos casos de estupro. Medidas como a CPI proposta por uma deputada bolsonarista para apurar o caso de aborto legal realizado por uma criança de 11 anos, depois de inúmeras violências contra essa menina, é um exemplo de como tem se tornado cada vez mais comum a legitimação da violência contra nossas vidas.

Quando falamos de políticas estruturais e da política de propagação da pandemia é importante recordar o altíssimo número de gestantes que morreram no Brasil devido à COVID-19, sendo um dos maiores índices do mundo, além do adoecimento de várias trabalhadoras do SUS por falta de financiamento e número de profissionais adequados para cuidar das pessoas com COVID-19 e o aumento da terceirização e de empregos mais precários devido a manutenção e ampliação da Reforma Trabalhista.

Nesse contexto, as mulheres trabalhadoras, negras, indígenas, LGBTs, PCDs, quilombolas, ribeirinhas e campesinas são as mais atingidas e aquelas que estão nos trabalhos mais explorados e suscetíveis ao assédio moral e sexual.

O MOMENTO – Você é militante do PCB, como ocorreu seu processo de integração ao longevo operador político dos comunistas brasileiros?

Ana Karen – Eu militei em movimento de cultura e movimento associativo junto com meus pais desde a infância e no movimento de luta por casas de estudantes na adolescência. Isso me levou a uma aproximação dos movimentos de base desde muito jovem. Quando entrei na UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), me deparei com um Diretório Acadêmico de Medicina e com o movimento
estudantil geral muito crítico, combativo e pulsante, com todos os ares revolucionários que brotam e empolgam a juventude. A semana de calouros de medicina marcou o resto da minha formação. Debatemos a hierarquia médica, uma abordagem crítica ao complexo médico hospitalar, a luta pelo SUS, a criminalização dos movimentos sociais e a organização do MST (Movimento Sem Teto).
Logo no primeiro mês eu estava participando dos espaços da Direção Executiva Nacional de Estudantes de Medicina (DENEM) e do Movimento Estudantil da UEFS, onde iniciei a militância no grupo Ousar.

Uma contradição que me deparei nos primeiros meses de movimento foi o afastamento das lutas de importantes quadros do ME de medicina depois que se formavam. Isso me fez tentar compreender o
que gerava esse afastamento e a chegar a um curso chamado “Processo de Consciência”, ministrado pelo Núcleo de Educação Popular 13 de maio. Compreender os avanços e recuos da consciência da classe trabalhadora me fez estabelecer um prazo para entrar em um partido político de esquerda e revolucionário.

A partir daí busquei compreender e militar em diversos movimentos e estar próxima de diferentes partidos políticos, a fim de entender suas formas organizativas e estratégias. No ME de medicina conheci a UJC, que tive maior aproximação com minha ida para Cuba quando fui realizar um estágio pela DENEM. Em Cuba, conheci Ivan Pinheiro, então secretário geral do PCB, em uma mesa sobre Impe-
rialismo, junto com Ivan Marques ( FARCs -EP) e Virgínia Fontes. Esse foi um momento fundamental para me aprofundar mais na estratégia socialista, que já vinha estudando, e no centralismo democrático.

Ao regressar para o Brasil fui para um acampamento de formação da UJC em Aracaju, quando resolvi entrar para a juventude, para o PCB e para o Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro (CFCAM). A juventude e o CFCAM não estavam organizados na Bahia e o partido tinha duas células, que se encontravam afastadas da direção partidária. Em abril de 2013, iniciamos a organização da UJC, na
qual assumi a secretaria política, em agosto montamos um Comitê Regional Provisório, com a presença de Ivan Pinheiro e Sandro Santa Bárbara e em setembro iniciamos a organização do primeiro núcleo do CFCAM em Feira de Santana. De forma bem resumida, foi assim a minha aproximação.

O MOMENTO – No processo eleitoral em curso você é candidata a Deputada Federal, quais são os eixos da sua proposta de trabalho?

Ana Karen – Esses eixos ainda serão fechados em debate eleitoral interno no Partido, porém tem alguns espaços onde desenvolvi minha militância que provavelmente serão priorizados. Mas para além de eixos prioritários, um dos elementos importantes no trabalho eleitoral do PCB é fortalecer o trabalho de base que já vínhamos construindo anteriormente e apresentar da forma mais qualitativa possível o Programa Nacional do Partido de Combate à Fome, a Miséria, o Desemprego e o Neoliberalismo. Nesse sentido, nossas candidaturas devem fortalecer esses pontos programáticos que têm relação direta com a vida da classe trabalhadora e ao mesmo tempo estão diretamente relacionados com a estratégia socialista.

Alguns espaços principais que tenho construído são as lutas em defesa do SUS 100% público, estatal e de qualidade, a defesa das universidades públicas, tendo como horizonte a pauta da Universidade Popular e a organização e lutas feministas classistas. Dentro de Feira de Santana, local onde
hoje resido, temos desenvolvido importantes lutas pelo transporte público e de qualidade, com batalhas históricas pela redução da tarifa e pelo passe livre, junto aos trabalhadores do centro de Feira de Santana e dentro da produção cultural e popular crítica e combativa.

O MOMENTO – De que forma sua candidatura pode contribuir para divulgar as candidaturas majoritárias do PCB na Bahia e no Brasil?

Ana Karen – Nossas candidaturas precisam atuar juntas para ampliar o alcance do programa partidário e disputar as mediações táticas para a luta de massas que temos apresentado neste momento, ou seja, a necessidade de irmos para as ruas, inclusive no 7 de setembro, para combater qualquer possibilidade golpista. É importante salientar que o PCB não é um partido de correntes, que disputam espaços de inserção, pautas, temas a serem debatidos, pelo contrário, trabalhamos para fortalecer esse importante organismo coletivo para a luta de classes.

O MOMENTO – Sendo uma candidata comunista, como você se situa no horizonte estratégico da luta pelo Poder Popular na perspectiva do socialismo?

Ana Karen – As candidaturas do PCB são parte de nossa tática eleitoral direcionada pela estratégia socialista. As e os camaradas que estão na disputa eleitoral representam um programa que evidencia a série de retiradas de direitos e processos privatistas em curso no Brasil e apresenta propostas para
modificar radicalmente esse quadro de fome, miséria, desemprego e superexploração do trabalho.

Para nós, as eleições são uma frente de combate na luta de classes, que não está separada das lutas nas ruas, nos sindicatos, no movimento estudantil, nos movimentos de moradia urbana, feministas, antirracista, anti-LGBTfobicas, entre outros. Diferente de muitos partidos de centro-esquerda, que giram todas as suas forças para o processo eleitoral ou mesmo postergam combates urgentes para serem disputados teoricamente nas eleições, para o PCB as disputas pelo poder executivo e parlamentar são parte da construção de mecanismos que auxiliem no avanço da consciência e no processo organizativo da classe trabalhadora.

Por outro lado, compreendemos a importância de elegermos parlamentares e cargos executivos, no sentido de disputarmos o nosso projeto também nessa frente. Com a reforma eleitoral, os partidos que não tem parlamentares tiveram restrições ainda maiores para acesso a direitos partidários, como fundo eleitoral e tempo televisivo, que dificultam ainda mais a nossa aproximação da classe trabalhadora. Sabemos que se conseguirmos eleger camaradas para o poder legislativo ou mesmo para o poder executivo, esses deverão disputar, agitar e propagandear o programa do PCB e a estratégia de rompimento com o capital.

Mais do que nunca a construção do socialismo está na ordem do dia. Da forma que avançamos na destruição da natureza e da classe trabalhadora, em breve teremos destruído a humanidade. A pandemia de COVID-19, bem como outras várias epidemias que assolam principalmente os países periféricos e dependentes, são produto do sócio-metabolismo predatório do capital.

Muito diferente do que os liberais burgueses apresentam, o capital não é o fim da história, muito menos o último modo de produção existente. Por isso, precisamos cada vez mais nos organizar coletivamente para ter condições de destruir esse sistema social que nos destrói enquanto trabalhadores/as e seres humanos. O comunismo não é uma utopia, mas sim a possibilidade real de termos condições de vida dignas e emancipadoras para toda a humanidade.

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