Crimes do capitalismo: apontamentos sobre passado e presente

Jorge Cadima – Colunista do Portal ODiario.info

«A história do capitalismo, desde a fase de acumulação original do capital até os dias de hoje é uma longa história de violência e crimes. Do tráfico de escravos em larga escala e extermínio de populações inteiras (como nas Américas) à ameaça atual de desencadear um conflito global na era nuclear vai um fio condutor. Esse fio condutor é um sistema assentado na exploração e opressão, que devora vidas humanas e meio ambiente para gerar lucros e riqueza em benefício de uma pequena minoria.»

Conhecer a História é importante também para compreender a natureza das grandes potências imperialistas que gostam de se apregoar ‘democráticas’ e detentoras de ‘valores’, mas cujo poder assenta sobre muitos milhões de mortos, rios de sangue e crimes sem paralelo na História mundial.

Acumulação original e expansão mundial do capitalismo

Há mais de 150 anos, Marx escrevia em «O Capital» (1): «A descoberta de terras de ouro e prata na América, o extermínio, escravização e confinamento da população nativa nas minas, o início da conquista e pilhagem das Índias Orientais (2), a transformação da África em território para a caça comercial de pessoas negras assinalam a aurora da era da produção capitalista». A acumulação original de capital começou com a expropriação de vastas massas camponesas nos principais países europeus. Marx escreve: «Com isto surge o movimento histórico que transforma os produtores em operários assalariados, por um lado com a libertação destes da servidão [feudal] e da coação das corporações. […] Mas por outro lado estes recém-libertos só se tornam vendedores de si mesmos depois de lhes serem roubados todos os seus meios de produção e todas as garantias da sua existência proporcionadas pelas velhas instituições feudais. E a história desta expropriação está inscrita nos anais da humanidade com marcas de sangue e fogo. […] A chamada acumulação original nada é, portanto, senão o processo histórico de divórcio do produtor dos meios de produção». Primeiro, no seio dos países mais avançados no processo de desenvolvimento capitalista e mais tarde no plano mundial, com a pilhagem de povos inteiros e regiões.

Marx cita o seu contemporâneo inglês William Howitt: «As barbaridades e excessos desesperados da chamada raça cristã através de todas as regiões do mundo e sobre todos os povos que foi capaz de submeter não têm paralelo nas de qualquer outra raça em qualquer idade da terra». E estavam ainda no futuro a expansão colonial da fase imperialista do capitalismo (transição dos Séculos XIX-XX) (3); os horrores das duas Guerras Mundiais e do nazifascismo; o holocausto atômico estadunidense sobre duas cidades japonesas; as chacinas anticomunistas e antimovimento de libertação nacional, como os que os EUA perpetraram na Indonésia em 1965.

Revolução de Outubro, libertação nacional e nazifascismo

O ascenso do movimento operário – ou seja, dos expropriados do processo de acumulação original – no decurso do Século XIX, haveria de culminar na Grande Revolução Socialista de Outubro, na Rússia, em 1917. Essa Revolução foi também uma revolta contra um dos grandes crimes da História, a I Guerra Mundial, em que potências imperialistas em disputa por colônias e poder sacrificaram a vida de muitos milhões de trabalhadores.

A Revolução de Outubro deu um impulso notável à luta do movimento operário. Grandes movimentos sociais e mesmo revolucionários sacudiram a Europa no final da guerra. A resposta das classes dominantes incluiu a promoção do fascismo, a mais violenta e bárbara expressão do capitalismo, que contou com larguíssimo apoio entre as classes dirigentes da maioria dos países. Esse filofascismo ficou patente quando a República Espanhola foi abandonada pelas ‘democracias liberais’ (com a ‘política de não intervenção’), face ao golpe militar fascista. A chamada Guerra Civil e os massacres do franquismo teriam como saldo final um milhão de mortos.

A ascensão do nazifascismo foi acompanhada pelo terror sobre as organizações do movimento operário e, em numerosos países (como a Alemanha ou Espanha), pela destruição física em larga escala dos seus membros. Conduziu diretamente à II Guerra Mundial, com as suas dezenas de milhões de mortos e a barbárie dos campos de concentração nazistas.

A vitória histórica dos bolcheviques sob a direção de Lênin e a sua política de apoio à libertação nacional dos povos colonizados teve um impacto decisivo no processo histórico de libertação nacional e social dos povos subjugados pelo imperialismo e colonialismo (4). Ao longo do Século XX foram derrubados os impérios coloniais da Inglaterra (o ‘Império sobre o qual o Sol nunca se punha’, que colonizava países gigantescos como a Índia e parte importante de África e Ásia) e França (sobretudo na África e no Sudeste Asiático, então designado Indochina), mas também Holanda (potência colonial da Indonésia), Bélgica (cuja colonização do Congo foi um dos mais criminosos episódios da expansão mundial do capitalismo) e Portugal.

A influência da Revolução de Outubro neste gigantesco processo de libertação nacional é visível no papel, muitas vezes determinante, que os partidos comunistas desempenharam na luta anticolonial e anti-imperialista. Foi assim na Índia, Indonésia, Vietnã, Coreia, Iraque, Malásia, Sudão, África do Sul, Síria e tantos outros. Foi também assim na gigantesca China, onde décadas de dominação semicolonial, marcadas pelas Guerras do Ópio e as ‘concessões ocidentais’ (5), ficaram conhecidas como o «Século da Humilhação». O historiador britânico John Newsinger escreve: «A atitude britânica para com a China foi talvez expressa da melhor forma por Palmerston [Primeiro Ministro inglês no Século XIX – NA] referindo-se à forma de lidar com ‘governos semicivilizados como os da China, Portugal e a América espanhola’. Todos eles precisavam ‘levar uma sova a cada oito ou dez anos para os manter no seu lugar… não precisam apenas ver o cacete, precisam mesmo senti-lo nas suas costas’» (6). Cerca de século e meio depois, um dos agentes da política imperialista estadunidense repetia a mesma tese com palavras quase idênticas: «Uma vez em cada dez anos os Estados Unidos precisam pegar um pequeno país de merda e atirá-lo contra a parede, só para mostrar ao mundo que falamos sério» (7).

Sob a influência decisiva dos comunistas, a libertação nacional fundiu-se com a libertação social de vastas massas, em particular de vastas massas camponesas que viram os meios de produção (nomeadamente a terra) lhes ser devolvidos, num processo inverso ao da acumulação original descrito por Marx. Foi assim na China, Coreia e Vietnã, mas também em outros países onde a libertação nacional não chegou a assumir a forma de Revolução Socialista.

O processo de libertação nacional e social ganhou particular expressão após a II Guerra Mundial, com o papel decisivo da URSS na derrota do nazifascismo e a alternativa econômica apresentada pela criação do sistema socialista. Mas cedo ficou patente que este processo seria tudo menos pacífico.

A ‘Guerra Fria’ como contraofensiva imperialista

Em 2 de setembro de 1945, o grande dirigente comunista e nacional vietnamita Ho Chi Minh proclamava em Hanói a independência do Vietnã, até então colônia francesa. Em 17 de agosto desse mesmo ano o dirigente nacionalista indonésio Sukarno proclamou a independência do seu grande país. A Síria fez igual proclamação. Por toda a parte, surgia impetuoso o desejo de libertação nacional. As velhas potências coloniais entraram em ação para tentar travar o curso da História. Em maio de 1945, poucos dias após o fim da II Guerra Mundial na Europa e poucos meses após a libertação da França da ocupação nazista, o governo francês mandava bombardear Damasco e o seu parlamento. A liberdade não era um conceito que a França ou Inglaterra liberal-burguesas aceitassem estender aos povos das suas colônias, como se comprovaria nos anos seguintes em numerosos países, da Argélia à Indochina, do Quênia à Malásia.

Na Indonésia, as tropas britânicas a mando do governo trabalhista de Attlee desembarcam em 1945 para impedir a independência e devolver a colônia à Holanda. «As forças nacionalistas foram desarmadas e dispersas e os holandeses colocados de novo no comando. […] A resposta britânica provocou combates intensos que apenas terminaram com a chegada de reforços e o rearmamento dos japoneses» (8). Os inimigos fascistas da véspera eram agora aliados, como já acontecera na Grécia em 1944 e viria a acontecer em escala mundial nos anos da chamada ‘Guerra Fria’.

Igual papel foi desempenhado pela Inglaterra no Vietnã. Escassos quatro dias após a proclamação da independência por Ho Chi Minh, tropas inglesas desembarcavam no sul do Vietnã, abrindo caminho ao regresso da potência colonial francesa que, em 23 de setembro, «tomou o poder em Saigon […] prendendo grande número de vietnamitas». Um general francês agradeceu aos ingleses terem «salvado a Indochina francesa» (9). O agradecimento foi prematuro. Nove anos mais tarde, a França foi derrotada pelo exército popular vietnamita dirigido pelos comunistas de Ho Chi Minh e do lendário comandante militar Vo Nguyen Giap, na batalha de Dien Bien Phu (maio de 1954).

Quando era impossível impedir a onda de libertação nacional, aplicava-se a velha técnica imperialista de dividir para reinar. Antes de abandonar a Índia, os colonialistas ingleses promoveram a divisão entre as comunidades hindu e muçulmana que resultou em terríveis massacres e dividiu a antiga colônia em dois novos países, Índia e Paquistão (mais tarde três, com a criação do Bangladesh). Exímio na arte de dividir, o imperialismo inglês lançou as sementes de muitos conflitos que continuam hoje presentes, do Chipre à Palestina.

A ‘democrática’ Bélgica (com a cumplicidade dos EUA) assassinou o herói da independência congolesa Patrice Lumumba em 1960 (10) e promoveu a subversão que levaria ao poder o corrupto e sanguinário Mobutu, amigo de Mário Soares.

Apesar dos seus esforços, nas décadas que se seguiram à II Guerra Mundial, as velhas potências coloniais viram o poder escapar-lhes da mão. Os Estados Unidos, evitando a guerra no seu território, afirmou-se como o novo centro do capitalismo mundial. No pós-guerra era responsável por cerca de metade da produção industrial mundial. Além disso, tinha endividado o velho Império Britânico até o ponto da subordinação (11). Trocando as velhas roupagens colonialistas por novas e mais sofisticadas formas de controle neocolonial (já ensaiadas na América Latina), os Estados Unidos cedo construíram uma vasta rede de afirmação do seu poder mundial. A nova aliança mundial anticomunista englobava as forças fascistas derrotadas na II Guerra Mundial (em particular no seio das forças repressivas e militares, e nos exércitos secretos ao estilo Gládio) e ditaduras fascistas como a de Salazar, co-fundadora da OTAN. O objetivo estratégico era o de contrariar a tendência crescente para a libertação dos trabalhadores e dos povos. Entre os seus alvos estavam forças que haviam encabeçado a resistência ao nazifascismo.

Ainda a II Guerra Mundial não tinha acabado e tropas inglesas intervieram na Grécia, massacrando manifestantes desarmados em Atenas. A guerra por eles lançada e prosseguida pelos EUA contra o movimento de resistência antinazista grego, dirigido pelos comunistas, teve como saldo a morte de 150 mil pessoas. Foi na Grécia que os EUA usaram pela primeira vez o napalm (12).

A contraofensiva restauradora imperialista, a que alguns chamam ‘Guerra Fria’, foi tudo menos ‘fria’. Um dos seus primeiros actos foi o lançamento das bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroxima e Nagasáqui (agosto de 1945), visando intimidar as forças do progresso social no pós-guerra. Os ataques nucleares provocaram a morte e sofrimentos atrozes em centenas de milhares de japoneses.

Uma das mais mortíferas e bárbaras guerras do imperialismo teve lugar na Coreia (1950-53), procurando esmagar as forças patrióticas dirigidas pelos comunistas coreanos que conduziram a luta contra o ocupante japonês (13). O General norte-americano Curtis LeMay gabou-se: «”arrasamos praticamente todas as cidades, quer na Coreia do Norte, quer na Coreia do Sul”, “matamos mais de um milhão de civis coreanos e expulsamos vários milhões dos seus lares”» (14). O Professor de História norte-americano Bruce Cumings afirma (15): «a guerra provocou mais de 4 milhões de baixas, pelo menos metade das quais civis». O uso de armas biológicas pelos EUA durante esta guerra foi comprovado pela Comissão Científica Internacional que, sob o auspício do Conselho Mundial da Paz, visitou a Coreia e a China em 1952 (16).

Após a sua derrota em Dien Bien Phu, a França foi obrigada a assinar um acordo prevendo a independência do Vietnã, com eleições gerais em 1956. Para impedir a realização das eleições, que se saldaram seguramente pela vitória das forças patrióticas encabeçadas por Ho Chi Minh, os Estados Unidos substituíram a França, numa escalada intervencionista que conduziu a outro grande crime histórico do imperialismo. Escreve um historiador britânico: «Praticamente não há crime de guerra que não tenha sido cometido pelos Estados Unidos no Vietnã (a tortura e assassinato de prisioneiros, o massacre de civis, bombardeios indiscriminados, guerra química, até mesmo experiências médicas sobre prisioneiros)» (17). O uso indiscriminado de napalm e armas químicas como o agente laranja que ainda hoje, quase meio século após o fim da guerra, são responsáveis por numerosas malformações congênitas em crianças vietnamitas, é uma das marcas da ‘democrática’ intervenção dos EUA. Um jornalista norte-americano traça o balanço: «Os comunistas vietnamitas acabariam por vencer contra os americanos, mas com um custo tremendo. Três milhões de vietnamitas foram mortos nessa guerra e dois milhões deles eram civis. Muitos mais foram mortos no Camboja e Laos. Na Indochina, a cruzada anticomunista de Washington varreu a vida numa escala verdadeiramente colossal» (18).

Num interessante livro recentemente traduzido em Portugal, «O Método Jacarta» (19), o jornalista norte-americano Vincent Bevins traça um quadro da importância que tiveram os massacres e o extermínio brutal de alguns dos principais partidos comunistas e forças revolucionárias no chamado Terceiro Mundo. Bevins realça o massacre de «pelo menos um milhão de indonésios, talvez mais, [que] foram mortos como parte da cruzada global anticomunista de Washington» e que destruiu (temporariamente) o terceiro maior Partido Comunista do mundo (após URSS e China) (20). Alicerçado no prestígio alcançado na luta pela independência, o Partido Comunista da Indonésia chegou a ter 3 milhões de membros e 17% dos votos expressos em eleições gerais (1955). Segundo Bevins, «os serviços secretos britânicos concluíam, em 1958, que se houvesse eleições, o Partido Comunista ficaria em primeiro lugar. Foram os militares, a força mais anticomunista no país, agora a construir uma parceria cada vez mais íntima com Washington […] que forçaram o cancelamento das eleições planeadas para 1959». E foram os militares, sob a batuta de Washington, que em 1965 desencadearam uma das maiores chacinas políticas da História. A Embaixada dos EUA elaborou «listas com os nomes de milhares de comunistas e suspeitos de comunismo, e entregou-as ao Exército, para que essas pessoas pudessem ser assassinadas». A receita indonésia foi repetida, em escalas diferentes, em numerosos outros países com importantes Partidos Comunistas ou forças revolucionárias, como o Iraque (com Saddam Hussein então ao serviço dos EUA), Sudão, Brasil, Guatemala, Chile, Argentina e Irão. E foi repetida pelos militares golpistas indonésios em Timor-Leste.

Com contornos próprios, o método foi ensaiado também em países do centro imperialista. Os massacres de dirigentes do movimento pelos direitos dos afro-americanos nos EUA (Malcolm X, Luther King, Panteras Negras), na sequência das perseguições macartistas contra os comunistas dos EUA nos anos 50, ou a violenta «estratégia da tensão» terrorista que provocou centenas de mortos na Itália dos anos 70-80, e que visou impedir a afirmação eleitoral dos comunistas italianos, são dois exemplos.

O «Método Jacarta» não visou apenas a destruição de poderosas e influentes forças revolucionárias mas, simultaneamente, a destruição da perspectiva de um desenvolvimento econômico soberano, liberto da pilhagem imperialista (21). Uma perspectiva a que a Indonésia independente e o seu Presidente Sukarno tinham dado um importante impulso, com a Conferência de Bandung de 1955 e a posterior criação do Movimento dos Não Alinhados.

Do ‘fim da História’ aos dias de hoje

As contrarrevoluções do final do Século XX alteraram profundamente a correlação de forças mundial. Os trabalhadores e povos foram colocados na defensiva. A nova realidade revelou de forma ainda mais clara a essência do imperialismo. O enfraquecimento considerável do movimento comunista e operário internacional não levou ao abrandamento das guerras de agressão, conspirações, subversão e ingerências. Pelo contrário. Dispondo duma superioridade militar quase hegemônica, as potências imperialistas com os EUA à frente lançaram-se numa ofensiva de recolonização do planeta (dispensando as responsabilidades que advêm de um domínio colonial aberto), agora sob a designação de ‘globalização’.

Sentindo as mãos livres, EUA e UE avançaram na expansão da OTAN. A guerra contra a Iugoslávia, que assinalou os 50 anos desse bloco militar, mostrou que, se a URSS havia desaparecido, a agressividade do imperialismo não. É da sua natureza. Seguiram-se inúmeras guerras de agressão no Oriente Médio e nas zonas envolventes (Iraque, Afeganistão, Líbia, Líbano, Síria, Iêmen), que transformaram a região do planeta mais rica em recursos energéticos num mar de sangue e destruição, com muitas centenas de milhares de mortos.

Qualquer país que manifeste vontade de desenvolvimento soberano (Venezuela, Nicarágua, Cuba, Bolívia, Honduras, China, Rússia, Bielorússia, Irã, Coreia Popular, Síria e tantos outros) é sujeito a campanhas de subversão, bloqueio econômico e guerras de agressão. Mesmo governos, como no Brasil pré-Bolsonaro, que não puseram em causa o «consenso de Washington» são considerados alvos a se abater. Não se aceita a neutralidade, apenas a submissão. O campo de concentração e tortura de Guantanamo ainda hoje se mantém em funcionamento. Israel bombardeia impunemente o povo palestino, nomeadamente na mártir Gaza cercada há 15 anos. O centro imperialista ‘nomeia’ Presidentes de outros países (Guaidó na Venezuela). Pilham-se descaradamente as reservas de ouro e contas depositadas nos bancos dos países imperialistas (Venezuela, Afeganistão, Irã, Rússia). Assassinam-se dirigentes políticos, mesmo que tenham sido seus serviçais (como Saddam Hussein). O arbítrio é total e descarado.

Mas tudo isto não evita a crise do sistema imperialista, patente na decadência econômica de EUA e UE e que se tornou clara em 2007-8. Razões para que se reforcem as tentações de uma resposta violenta por parte dos centros imperialistas. A promoção do fascismo, do autoritarismo e da censura nos nossos dias é, como no século passado, inseparável dessa crise do capitalismo.

O perigo de uma catástrofe provocada pelo imperialismo é hoje evidente. Uma das mais perigosas expressões da agressividade imperialista é a estratégia de cerco e provocação permanente à Rússia capitalista, que após o fim da União Soviética socialista foi tratada como alvo a abater (dadas as suas gigantescas riquezas naturais, mas também num ato de ‘desforra’ histórica que o imperialismo pretende exemplar), o que conduziu à guerra na Ucrânia. As recentes provocações dos EUA em torno de Taiwan mostram que igual estratégia de desestabilização e guerra por procuração é seguida no que respeita à República Popular da China, cujo crescimento econômico (num contexto internacional em grande medida moldado pelo imperialismo e as suas estruturas financeiras) é um dos fatos salientes do mundo atual e é encarado como uma «ameaça» pelas potências imperialistas que não a controlam.

O total alinhamento da União Europeia nesta ofensiva dos EUA desmente as teses sobre um seu ‘contrapeso’ ao imperialismo estadunidense. Apesar de reais contradições (visíveis até na forma como os EUA conduziram a UE à louca política de sanções contra a Rússia, que está destruindo a economia da Alemanha e de outros países), este alinhamento assenta no interesse comum das suas classes dirigentes em esmagar os povos, sonhando com o retorno à dominação mundial do passado. A UE gosta de proclamar o seu ‘modelo social’ (na realidade imposto pela luta dos povos), mas trabalha para a sua destruição e para retomar um modelo de capitalismo sem entraves, quer no plano interno, quer no plano externo.

Os mecanismos de dominação não vivem apenas da violência, mas também do controle ideológico e da propaganda. As avalanches de mentiras com que a comunicação social de regime nos brinda diariamente são disso expressão. Ao longo da História, sempre as vítimas da dominação do capital foram transformadas em ‘agressores’ ou ‘bárbaros’ e violentos. Foi assim com os índios norte-americanos enquanto eram exterminados pelos colonos europeus; com os africanos que eram arrancados às suas famílias para serem tornados escravizados além-mar, ou que resistiam à colonização; com o suposto ‘perigo amarelo’ da China; com os milhares de Communards fuzilados após o esmagamento da Comuna de Paris; com os comunistas. É assim hoje com quem quer que resista ao imperialismo. Mas a mentira e a violência não deterão o curso da História. E o capitalismo, com o seu cortejo de crimes, injustiça e exploração, acabará derrotado pela luta dos trabalhadores e dos povos.

Notas
(1) Volume 1, Capítulo XXIV, «A chamada acumulação original». As citações são retiradas das Obras Escolhidas de Marx e Engels, Tomo II, pp. 104-158, Ed. «Avante!»/Progresso, 1983.↲
(2) A designação ‘Índias Orientais’ refere-se à costa da Índia e arquipélagos, incluindo os modernos países da Indonésia, Malásia e Filipinas.↲
(3) A referência incontornável é o livro de Lenin O Imperialismo, fase superior do Capitalismo, Tomo 2, Obras Escolhidas em Seis Tomos, Ed. «Avante!»/Progresso, 1984.↲
(4) Já em 1920, em plena guerra de agressão imperialista contra a jovem Rússia Soviética, realizava-se em Baku o Congresso dos Povos do Oriente promovido pelos bolcheviques.↲
(5) Imortalizadas no livro Tintin e o Lótus Azul, com o – verídico – cartaz à entrada de um jardim de Xangai onde se lia: «Não é permitida a entrada de cães e chineses».↲
(6) John Newsinger, The Blood Never Dried, A People’s History of the British Empire, Bookmarks Pub., 2013, p. 66.↲
(7) Jonah Goldberg, «Baguedade delenda est», parte II, National Review, 23.4.02.↲
(8) John Newsinger, op. cit., p. 211-2.↲
(9) John Newsinger, op. cit., p. 209.↲
(10) O Assassinato de Lumumba, Ludo de Witte, Ed. Caminho, 2001.↲
(11) Para uma interessante história das rivalidades entre as duas super potências anglo-saxônicas nesta passagem de testemunho interimperialista, veja-se Clive Ponting, 1940, Myth and Reality, Cardinal, 1990.↲
(12) Notes on the Greek Civil War, Partido Comunista da Grécia, 2006.↲
(13) O Militante, n.º 311, Março-Abril 2011.↲
(14) Targeting North Korea, de Gregory Elich, em http://www.globalresearch.ca/articles/ELI212A.html
(15) As citações seguintes são todas do livro de Cumings, The Korean War, 2010, Modern Library Edition.↲
(16) Relatório completo em https://medium.com/insurge-intelligence/the-long-suppressed-korean-war-report-on-u-s-use-of-biological-weapons-released-at-last-20d83f5cee54
(17) John Newsinger, op. cit., p. 234.↲
(18) Vincent Bevins, «O Método Jakarta», Temas e Debates, 2022, p. 221.↲
(19) Vincent Bevins, op. cit. Citações nas páginas 216, 114 e 195.↲
(20) O Militante n.º 338, Set./Out. 2015 e Indonesia 1965, The second greatest crime of the Century, de Deidre Griswold, disponível na Internet, em http://www.workers.org/indonesia/index.html
(21) A ligação íntima do gangsterismo anticomunista com a pilhagem imperialista é também ilustrada no livro Confessions of an Economic Hit Man, de John Perkins, Plume Book, 2006.↲
Fonte: https://www.omilitante.pcp.pt/pt/380/Internacional/1923/Crimes-do-capitalismo-%E2%80%93-apontamentos-sobre-passado-e-presente.htm?tpl=142

Publicado originalmente em: https://www.odiario.info/crimes-do-capitalismo-apontamentos-sobre-passado/