Entrevista do Momento: Tito Bellini

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Por Milton Pinheiro, via Jornal O MOMENTO – PCB da Bahia

Tito Flavio Bellini Nogueira de Oliveira: É professor adjunto do Departamento de História da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM, sendo atualmente coordenador do Instituto Práxis de Educação e Cultura e do Núcleo de Estudos Marx e Marxismos – NEMARX. É militante do PCB desde 2007, membro da direção estadual de São Paulo, ex-candidato ao senado em 2022.

O Momento: Você é um histórico militante do PCB e reconhecido historiador. Como examina a conjuntura brasileira nessa transição do governo do agitador fascista, Jair Bolsonaro, para o Lula?

Tito Bellini: Primeiramente, quero dizer que fiquei muito feliz e honrado por poder participar dessa entrevista, então deixo uma saudação aos leitores e amigos da Bahia, em especial. A conjuntura brasileira é grave e difícil para a classe trabalhadora. A vitória de Lula foi fundamental pois aglutinou amplos setores da esquerda, progressistas e democratas em torno da derrota eleitoral dos fascistas. A tentativa de golpe subsequente, inclusive com a preparação de atos terroristas, demonstrou que esse setor reacionário não defende sequer uma democracia formal, política, de viés liberal. Demarcou os setores econômicos, políticos e sociais mais autoritários, com seu ranço escravocrata, anti popular e antinacional. Deixou a luta de classes mais evidente e brutal. A posse de Lula foi marcante e histórica, pelos novos protocolos e pelos compromissos reafirmados em ambos os discursos de Lula, no Congresso e no Parlatório do Palácio do Planalto. Foram importantes para reafirmar compromissos sociais e populares importantes: revogação do teto de gastos, enterro da reforma “escravagista”, combate à desigualdade social, defesa das empresas públicas, punição dos criminosos do governo Bolsonaro. Os novos ministérios criados ou recriados e os ministros indicados para essas áreas, também dão uma tônica do que podemos vir a ter em relação à participação política popular: Ministério da Cultura, Ministério das Mulheres, Ministério dos Povos Indígenas, Ministério da Igualdade Racial, Ministério do Trabalho, entre outros. Nós, comunistas, estivemos com força na batalha do segundo turno e na posse de Lula. Temos clareza que a correlação política é difícil e o bolsonarismo e o fascismo seguirão vivos. Não há clareza se de fato trata-se de um governo em disputa, com possibilidade de estar mais à esquerda do que os de 2002 e 2006. Esse será nosso papel: seguir mobilizando e organizando a classe trabalhadora para reivindicar e respaldar as reformas tão necessárias para superarmos os abismos sociais, bem pontuados pelo próprio Lula na posse. Sigamos atentos e mobilizados, pois a luta de classes não se encerra com uma vitória eleitoral.

O Momento: Na última eleição, você foi candidato ao senado por SP, poderia apresentar os principais aspectos dessa jornada política?

Tito Bellini: A tarefa que me coube em 2022 me pegou, num primeiro momento, de surpresa, pois estávamos construindo uma candidatura a deputado desde 2021. Aceitei o desafio no ano do centenário e tentei contribuir da forma mais ampla, abrangente e articulada possível, com o conjunto do partido e das candidaturas que lançamos no estado de SP. Vínhamos tentando construir uma chapa que tivesse chances eleitorais, mas dificuldades nossas impediram isso. Ainda assim, conseguimos lançar a maior bancada de candidaturas do Brasil pelo PCB desde a reconstrução revolucionária. Esse foi um aspecto que me levou a aceitar o desafio, pois fui um dos articuladores de diversas candidaturas nossas e a disputa ao Senado me permitiria continuar nessa tarefa de acompanhamento e respaldo, como de fato ocorreu. Tive sérias dificuldades pessoais, por problemas de saúde meu, de minha mãe, entre outros, que praticamente me deixaram fora de combate no primeiro mês de campanha. Ainda assim, e sem o fundo eleitoral, que só chegou após as eleições, conseguimos rodar praticamente todas as regiões do estado.

Mais do que levar nosso programa, foi possível apreender as diferentes realidades econômicas e, sobretudo, de atuação dos comunistas no Estado de SP. Uma riqueza que muitas vezes não conseguimos fazer chegar às direções intermediárias e estaduais do partido. São atuações em áreas diversas como organização de comunidades tradicionais, povos originários, trabalhadores sem teto, ocupações urbanas, assentamentos rurais, juventude, movimento sindical, agentes culturais, comunicação popular, entre outras. Isso reforçou a convicção e certeza que podemos caminhar para voltarmos a ser um partido que incida cada vez mais de forma orgânica e decisiva nos rumos da luta de classes e da organização popular em nosso país, com forma e liderança. O resultado eleitoral também foi expressivo: 59.449 votos, o que foi a maior votação obtida pelo PCB nacionalmente em 2022 e a terceira maior desde os anos 90.

O Momento: Qual é a centralidade da sua atividade política em SP?

Tito Bellini: Sou militante organizado no estado de SP desde meu ingresso no PCB em 2007. Internamente, participo da direção estadual do partido e da direção macrorregional, entre outras tarefas que tenho. Assumi, recentemente, a Secretaria Estadual de Formação Política do estado de SP. Na atuação de base, venho me dedicando desde 1996 à militância, de forma ininterrupta. Inicialmente, no movimento estudantil de graduação e pós-graduação, e depois na atuação na área de educação e cultura. A partir de 2005, essa atuação foi sendo amplificada, através da construção coletiva de um instrumento local de intervenção, que é o Instituto Práxis de Educação e Cultura, que se tornou também o Ponto de Cultura Pedra no Sapato, na cidade de Franca. Nesse espaço, organizamos ações importantes ao longo dos anos, seja na nossa sede, seja em articulações com outras frentes e entidades. Construímos um cursinho popular que funcionou entre 2009 e 2020. Realizamos cursos de formação política em vários anos e com diferentes temas, algo a ser retomado esse ano. Também desenvolvemos um trabalho investigativo relacionado à ditadura militar, que redundou no projeto Memórias da Resistência, com a publicação de um livro e um documentário focado em documentos inéditos da ditadura militar encontrados numa fazenda abandonada no interior de São Paulo, fazenda essa de um ex-delegado do DOPS. Indico nosso site para conhecerem o trabalho, embora esteja um pouco desatualizado: www.memoriasdaresistencia.org.br

Em Franca, também temos uma atuação junto aos professores da rede estadual, a partir da Unidade Classista. Uma ação difícil, pois somos oposição à direção pelega da APEOESP, mas temos articulado com amplos setores do professorado, sobretudo os mais fragilizados e precarizados, que são os chamados “categoria O”. Ressaltamos que não há concurso para professores há 10 anos no estado.

No próximo ano, devo continuar com essa atuação local, mas também buscando aprofundar a organização do partido no estado de SP, ajudando a preparar o partido para o novo ciclo de lutas que se abre.

O Momento: Poderia nos falar do seu compromisso acadêmico como professor da UFTM?

Tito Bellini: Contraditoriamente, minha atuação política é em SP, mas, minha atuação profissional se dá em MG. Estou na UFTM desde 2010 e acumulei diferentes ações e intervenções importantes, em articulação coletiva com outros colegas. Coordenei o departamento de História por uma gestão e também o PIBID por alguns anos. Participo como coordenador do Núcleo de Estudos Marx e Marxismos, onde desenvolvemos cursos e atividades ao longo desses anos.

Na docência, atuo como professor de História da América Contemporânea, além de disciplinas teóricas de marxismo. O compromisso tem sido, desde sempre, com a construção de uma universidade plural, popular e democrática. Aliás, esse deveria ser o compromisso de todos docentes. Temos tentado preparar e orientar os discentes não para o mercado de trabalho, mas para algo mais abrangente, demonstrando que a atuação na educação pressupõe não apenas conteúdos, mas métodos e inserções na ação política cotidiana, algo que não necessariamente se dá apenas em sala de aula. Destaco muito isso aos discentes, que a universidade é esse conjunto. Daí a necessidade fundamental de políticas de permanência e assistência estudantil que garantam essa imersão de fato na vida universitária, tão crucial na formação dos estudantes. Eu mesmo, em minha graduação, precisei de moradia estudantil e bolsas, o que garantiram uma vida acadêmica mais plena e diversa. Pois, é algo que só pode ocorrer ainda na vida universitária, e não após isso.

O Momento: A militância no movimento docente tem sido uma marca do seu compromisso com a universidade popular, como se efetiva sua participação nessa luta?

Tito Bellini: Do ponto de vista político, destaco sobretudo nossa atuação nas eleições para reitoria em 2014 e 2018. Na primeira, passamos de 48% dos votos válidos. Na última, vencemos na consulta informal e na lista tríplice. Infelizmente, como sabíamos, o governo Temer retardou o processo por ação direta da reitoria derrotada, levando a nomeação ao governo Bolsonaro. Fomos a primeira Universidade Federal a sofrer intervenção, quando o governo fascista não nomeou o reitor eleito, Fábio Fonseca, optando por um nome que sequer havia participado da consulta à comunidade acadêmica, o antigo vice-reitor. Rapidamente um oficial da Marinha foi nomeado assessor especial da reitoria. Nos encontramos sob intervenção desde então. Paralelo a isso, construímos uma associação de autodefesa nos moldes das antigas associações de ajuda mútua. A Associação de Defesa das Professoras e Professores da UFTM – ADPROU vem tentando ocupar um lugar na garantia dos direitos dos professores da UFTM, visto que nossa seção sindical, infelizmente, é ligada aos interesses econômicos e políticos das elites de Uberaba e compactuou com o golpe que sofremos. Reconhecemos o ANDES como nosso sindicato, e estamos lutando para sermos filiados. Já temos vínculo com a Federação Sindical Mundial também. Esse instrumento político e jurídico tem tido um papel importante na articulação com a comunidade universitária, em defesa de uma universidade popular, democrática.

O Momento: A batalha na frente cultural tem permitido avanços importantes na região de Franca (SP)?

Tito Bellini: Essa atuação nossa se dá desde 2005, mas sobretudo com mais ênfase a partir de 2009. A partir de nossa associação conseguimos ter uma sede e a mantemos em funcionamento até hoje. Costumo dizer que funcionamos como uma incubadora de projetos e grupos sem espaço próprio. É uma articulação rica e difícil, pois há várias especificidades da atuação cultural e uma certa resistência à questão política. Temos buscado superar isso cotidianamente, com relativo sucesso, pois não escondemos jamais nosso viés socialista e marxista, seja no nosso estatuto, seja na estética da nossa sede. Também funcionamos como um espaço físico onde diferentes organizações de esquerda conseguem se reunir e promover atividades.

Essa é uma atuação que leva a formação de militantes também em questões burocrática-legais, muitas vezes uma deficiência nossa na atuação cotidiana. Evidente que a cultura por si só, isolada, não garante mudanças e transformações duradouras. Precisa estar articulada com outras esferas da vida, e é o que buscamos apontar e demonstrar ao longo dos anos. Creio que temos obtido um relativo sucesso nessa perspectiva.

O Momento: Como examina a luta dos comunistas para o ano de 2023?

Tito Bellini: Nossa luta é permanente, uma continuidade dos desafios de 2022. Temos um vasto campo aberto. A procura de pessoas interessadas em estarem organizados conosco foi gigante no pós-eleitoral. No Estado de SP, caminhamos para triplicar nosso tamanho, o que, creio eu, esteja ocorrendo em todo o Brasil. A grande frente de conciliação de classes para eleger Lula, caso impeça de fato mudanças estruturais, poderá levar outros setores de esquerda a virem se organizar conosco.

Mais do que um aspecto reativo, onde esperamos interessados a se organizarem, deveremos ser atuantes no cotidiano buscando aprofundar essa atuação, com formação e sem medo de crescer, superando dificuldades e problemas que porventura surjam. Só com uma forte organização nacional, de quadros, mas numericamente expressiva, conseguiremos retomar o lugar que os comunistas nunca deveriam ter perdido na luta de classes brasileira.

Então, a tarefa é abrangente, pois não é um papel apenas de dirigir setores aproximados, mas organizar os desorganizados, articular com os organizados, aprender com os movimentos que estamos inseridos, revitalizar e capilarizar nosso enraizamento social. Ser vanguarda é isso: a relação dialética entre ser direção e aprender com as bases, corrigir erros e evidenciar a necessidade da revolução socialista como única possível para que tenhamos um país substancialmente democrático e justo.

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