José Rodrigues dos Santos: 100 anos
Um sindicalista negro
Por Carlos Rico (CNMO Maringá), via COLETIVO NEGRO MINERVINO DE OLIVEIRA
Nascia no dia 05 de janeiro de 1923, em Cabeceira do Mocambo (BA), JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS, “um dos mais importantes líderes do movimento sindical rural do Estado [Paraná] e do Brasil.”, nas palavras do historiador Angelo Priori [1], tendo participado “diretamente, da fundação de 86 sindicatos em toda a região e da Federação dos Trabalhadores na Lavoura do Estado do Paraná”. [2]
Falar das lutas populares no Brasil significa lembrar e prestar reverência a personagens como José Rodrigues dos Santos, cuja trajetória militante contribuiu de maneira decisiva na organização da classe trabalhadora do país. Não se pode falar das lutas sindicais no Brasil sem mencionar os sacrifícios e o empenho de homens e mulheres como José Rodrigues dos Santos.
Teve papel importantíssimo na organização sindical de trabalhadoras e trabalhadores rurais em um período em que a luta pela terra no Brasil apresentava contornos de tensão extremos. A Guerra de Porecatu, conflito armado entre pequenos proprietários e posseiros contra os grandes proprietários e grileiros de terra nas cidades de Porecatu, Jaguapitã e Centenário do Sul no norte do Paraná ocorrido na década de 1940, é um dos principais eventos que marcam as décadas de 40 e 50 do século XX [3].
Por conta desses conflitos, em 1954, a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB), dirigida politicamente pelo Partido Comunista Brasileiro, colocou como tarefa política das suas lideranças e dirigentes a organização sindical dos trabalhadores rurais no norte do Paraná. Assim, em 1956, de forma pioneira, é criado em Maringá o Sindicato de Empregados Rurais de Maringá, tendo como presidente José Rodrigues dos Santos.
A organização de trabalhadoras e trabalhadores rurais tinha como contestação imediata o regime de trabalho, em que os trabalhadores não recebiam o salário integralmente em dinheiro corrente e recebiam parte em ‘boró’, moeda paralela que circulava em cada fazenda. Além do não cumprimento da legislação trabalhista, sem direito a salário mínimo e férias, os proprietários impediam os trabalhadores de cultivar alimentos para subsistência que podiam ser produzidos em conjunto nos cafezais [4]. Os casos de perseguição, assédio e violência também eram comuns, como relatou Bonifácio Martins [5], vinculado ao PCB, vereador por Maringá entre os anos de 1956 e 1964, outro personagem importante da história das lutas populares de Maringá e do Paraná.
Assim, como relata o próprio José Rodrigues no livro AS MEMÓRIAS DO SINDICALISTA JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS, “em 54, ficou bem conhecida na região a luta contra o boró […], a notícia foi “publicada [no jornal ‘Terra Livre’] e o Partido me chamou para integrar-me como militante e depois como quadro.” [6]. A ação do PCB teve grande impacto na organização das lutas sociais do norte do Paraná:
“Em Londrina havia muitas células do partido, inclusive na região rural. Foi nessa época que começou a vir gente de fora. Foi quando veio o João Saldanha, do Comitê Central, que ficou um ano e pouco vindo e ficando dez, quinze, vinte dias. Veio também o Gregório Bezerra, o Mário Rosas, o Agriberto de Azevedo, o Mário Alves, que era jornalista, e o Grabois.” [7]
Em reação à modesta porém rápida mobilização e organização da classe trabalhadora, a Igreja Católica do Paraná, representada pelos bispos de Maringá, Londrina, Campo Mourão e Jacarezinho, decidiu por organizar a Frente Agrária Paranaense (FAP), uma entidade que visava combater a influência comunista entre trabalhadoras e trabalhadores rurais [8]. De acordo com depoimento do padre Osvaldo Rambo [9]:
― Havia um rapaz, que via longe, um tipo‘ negro mas que era muito ativo. Rapaz muito astuto, fazia facilmente vários amigos. Ele começou a trabalhar com a organização das associações e dos sindicatos de orientação de esquerda. Logo, nós da igreja, os padres das paróquias; alguns, observamos isso a tempo. […] Mas nós, considerando que esse rapaz, José Rodrigues dos Santos, tinha êxito, de fato, em organizar o movimento. Assim sendo, nós, dentro da igreja, os bispos, dois, três bispos da região norte […] pensamos que deveríamos fazer alguma coisa em oposição a esse movimento.
Forjado a partir da miséria, da fome e da violência de classe que viu e viveu na pele desde criança, foge de casa aos 13 anos em 1936: “O início da minha caminhada começa por aí, procurando, fugindo, trabalhando, pensando e querendo mudar este mundo.” [10]. Viveu boa parte da vida vida fugindo, lutando, se rebelando, perseguido e na clandestinidade numa época em que a organização e a manifestação política da classe trabalhadora eram reprimidas de forma sistemática pelos patrões e pelas forças do Estado.
José Rodrigues dos Santos também foi suplente de vereador em Maringá na chapa que elegeu Bonifácio Martins em 1960, assumindo a função legislativa em 1963 durante um afastamento de Bonifácio e pode ter sido o primeiro vereador negro da história da cidade. Foi perseguido pela ditadura empresarial-militar assim como outras lideranças populares, caso do próprio Bonifácio Martins e de José Lopes dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Maringá, segundo suplente da chapa comunista eleita em 1960. Importante lembrar que, embora militantes ou vinculados ao PCB, não concorreram como candidatos do partido, uma vez que o PCB teve seu registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 1947.
Conforme Celene Tonella, Jorge Villalobos e Reginaldo Dias, autores do livro AS MEMÓRIAS DO SINDICALISTA JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS:
“José Rodrigues dos Santos pode ser definido […] como um caso emblemático daquelas pessoas que adquiriram cidadania através da militância política, partidária e sindical. Homem pobre, negro e analfabeto até os 23 anos, não foi barrado pelos obstáculos de uma sociedade discriminatória e excludente. Tornou-se líder sindical e partidário que circulava entre políticos da envergadura de João Goulart e Brizola, e de dirigentes partidários como Prestes, Gregório Bezerra e Carlos Marighella, entre outros.” [11]
Trabalhador rural nas mais diversas culturas, mineiro, mesmo quando já era liderança popular reconhecida, combinava a sua atividade profissional e sua condição de classe com a atividade política no PCB e no movimento sindical:
“Meu sonho foi sempre escrever um livro. Eu quis, acumulei um material muito grande, para escrever a história, a situação do homem do campo. Quero caracterizar o latifúndio como um dos maiores crimes, porque tira tudo da terra e não devolve nada a ela. Quero mostrar todas as injustiças praticadas, em todos os recantos do País: despejo, assassinato, má alimentação, preconceito e todas essas coisas. Isso para dar um sentido, uma orientação para as gerações futuras. Falar das injustiças, das mordaças colocadas na sociedade, da verdadeira história.” [12]
Referências
[1] PRIORI, A. (1999). Lutas sociais e conflito político: alguns temas da história de Maringá (O II Congresso de Trabalhadores rurais e a formação da Frente Agrária Paranaense). In DIAS, R. B., GONÇALVES, J. H. R. (Orgs.), Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história regional, Maringá, PR: EDUEM.
[2] TONELLA, C., VILLALOBOS, J. U. G., DIAS, R. B. (1999). As memórias do sindicalista José Rodrigues dos Santos: as lutas dos trabalhadores rurais do Paraná. Maringá: EDUEM. p. 04.
[3] A revolta de Porecatu. Acesso em 25 de novembro de 2021. Disponível em: < http://memorialdademocracia.com.br/conflitos/pr>
[4] SILVA, O. H., O nascimento dos sindicatos rurais e o sindicalismo comunista no Paraná. In 2° MÓDULO DO CURSO DE FORMAÇÃO DE EDUCADORES E EDUCADORAS EM CONCEPÇÃO, PRÁTICA SINDICAL E METODOLOGIA DA FORMAÇÃO, São José, SC: CONTAG. Acesso em 25 de novembro de 2021. Disponível em: http://www.contag.org.br/imagens/f752cadernodetextosIImodulocursosul.pdf
[5] MARTINS, Bonifácio. Entrevista. Concedida à Divisão de Patrimônio Histórico de Maringá. 1995.
[6] TONELLA, C., VILLALOBOS, J. U. G., DIAS, R. B. (1999). As memórias do sindicalista José Rodrigues dos Santos: as lutas dos trabalhadores rurais do Paraná. Maringá: EDUEM. p. 45.
[7] TONELLA, C., VILLALOBOS, J. U. G., DIAS, R. B. (1999). As memórias do sindicalista José Rodrigues dos Santos: as lutas dos trabalhadores rurais do Paraná. Maringá: EDUEM. p. 56.
[8] [9] SILVA, O. H. (1993) apud PRIORI, A. (1999). Lutas sociais e conflito político: alguns temas da história de Maringá (O II Congresso de Trabalhadores rurais e a formação da Frente Agrária Paranaense). In DIAS, R. B., GONÇALVES, J. H. R. (Orgs.), Maringá e o Norte do Paraná: estudos de história regional, Maringá, PR: EDUEM, p. 142.
[10] TONELLA, C., VILLALOBOS, J. U. G., DIAS, R. B. (1999). As memórias do sindicalista José Rodrigues dos Santos: as lutas dos trabalhadores rurais do Paraná. Maringá: EDUEM. p. 17.
[11] TONELLA, C., VILLALOBOS, J. U. G., DIAS, R. B. (1999). As memórias do sindicalista José Rodrigues dos Santos: as lutas dos trabalhadores rurais do Paraná. Maringá: EDUEM. p. 05-06.
[12] TONELLA, C., VILLALOBOS, J. U. G., DIAS, R. B. (1999). As memórias do sindicalista José Rodrigues dos Santos: as lutas dos trabalhadores rurais do Paraná. Maringá: EDUEM. p. 102.