Desvios político-ideológicos que o MCI deve superar

“Quais são os grandes desvios político-ideológicos que o Movimento Comunista Internacional precisa enfrentar e superar?” (Respondendo a um camarada!)

Ivan Pinheiro

Foi positiva a recente publicação, no portal oficial do PCB, do artigo “A que heranças o Movimento Comunista Internacional deve renunciar?” (1), de autoria do camarada e amigo Carlos Arthur (Boné), com quem compartilhei a militância sindical e sigo compartilhando a trajetória ainda em curso da Reconstrução Revolucionária do partido, em meio a convergências e divergências naturais e saudáveis entre os militantes que expõem suas opiniões. A divulgação oficial desse citado texto autoral contribui para a abertura de um urgente e necessário debate, para o qual pretendo contribuir nestas e em outras modestas linhas, ainda mais porque, como sabemos, o PCB está em vias de ultimar a convocação de uma Conferência Política Nacional em que algumas das questões aqui abordadas deverão ter um lugar de destaque.

O autor se propôs em seu artigo a listar e desenvolver cinco pontos que, a seu juízo, “constituem os grandes desvios político-ideológicos que o MCI precisa enfrentar e superar”, indicando-os nesta ordem e nestes termos, segundo seus critérios: “etapismo estratégico”, “nacional-chauvinismo”, “doutrinarismo e inflexibilidade tática”, “LGBTfobia e transfobia” e “moralismo quanto às drogas”.

Começo minhas considerações concordando que os três primeiros pontos listados realmente merecem constar de qualquer agenda que se dedique ao estudo e à superação dos desvios presentes no MCI (Movimento Comunista Internacional), até porque muitos deles são renitentes, alguns desde o surgimento dos partidos comunistas! Mas concordar com a listagem destas três questões não significa concordar com todas as conclusões a que chega o autor.

Etapismo estratégico:

No caso da crítica ao etapismo – a meu ver o mais grave desvio reformista que grassa no MCI – foi correta a lembrança do camarada de que o PCB (a meu ver a partir de 2005, em seu XIII Congresso) consolidou a definição estratégica do caráter socialista da revolução brasileira, rompendo com o histórico equívoco de que ela teria que ser obrigatoriamente precedida por uma revolução nacional-democrática, em aliança com setores burgueses supostamente anti-imperialistas. Mas os argumentos de que o camarada se vale em sua crítica são problemáticos e alguns até inverídicos. Por exemplo: depois de constatar corretamente que “no MCI há uma disseminada compreensão etapista do processo revolucionário …, da parte de partidos que de “comunista” hoje só mantêm o nome, mas que sucumbiram à socialdemocratização”, ele declara textualmente que esses partidos “não participam do EIPCO (Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários) nem têm nenhuma relação com os PCs que o integram”.

Antes fosse, camarada! Estaríamos próximos a uma nova Internacional Comunista!

É difícil admitir que seja por falta de informação que um dirigente do porte do autor combine duas conclusões absolutamente contraditórias. Em resumo, ele diz que no MCI há etapismo, mas no EIPCO não! Será que ele não sabe que o EIPCO é exatamente o encontro anual do MCI (Movimento Comunista Internacional), como é conhecido o campo político dos PCs que o compõem e ao qual ele se dirige já no título do seu texto? Como ficamos sem saber a que partidos ele critica, é factível a hipótese de que o camarada pretendesse “passar pano” em partidos que conhecemos e sabemos que participam do MCI (movimento) e do EIPCO (encontro) e que, tomando emprestadas palavras do camarada, “de “comunista” hoje só mantêm o nome”! Com todo respeito, uma hipótese é que esse malabarismo verbal sirva para esconder as divergências cada vez mais antagônicas no seio do EIPCO, talvez para justificar a oportunista “diplomacia comunista”, um desvio que não tem nada a ver com as melhores heranças do MCI, pois trata igualmente todos os partidos “irmãos” aparentemente de forma “ecumênica”, mas na prática escamoteia as diferenças e abre espaço a algumas iniciativas individuais de dirigentes, algumas vezes contraditórias com resoluções congressuais ou de instâncias coletivas de direção partidária.

Nesta hipótese, a inusitada e redundante adjetivação do etapismo como “estratégico”, usada pelo autor para classificá-lo como um desvio do MCI, provavelmente seja mais um artifício para criar conceitos diferentes de etapismos, de forma a sugerir que haja também um “etapismo tático”, que seria justificável, como uma espécie de mediação “passageira”, de natureza conjuntural. Esse jogo de palavras acaba objetivamente contribuindo para a conciliação com partidos “irmãos” marcados por décadas do que diziam ser uma etapa tática (a revolução nacional-democrática), mas que se transformou em estratégia, no discurso e na prática. Será que é apenas uma mediação conjuntural, um “etapismo tático”, o reformismo crônico de dezenas de partidos que participam do EIPCO (portanto do MCI!), como o PCdoB, cujas principais divergências com o PCB me parecem inconciliáveis? Com todo respeito às suas gloriosas trajetórias e a seus militantes, o que dizer de certos partidos, nossos vizinhos latino-americanos do Cone Sul, também há décadas aliados a forças social-liberais e burguesas que prometem uma gestão reformista do capitalismo mas, quando governam, entregam a conciliação e o amaciamento da luta de classes, a serviço do capital? A adesão de Partidos Comunistas a candidatos e governos burgueses que se propõem a gerir o capitalismo nos seus países é um dos principais fatores de divisão no seio do MCI.

Além do mais, é um outro equívoco tratar o EIPCO como uma espécie de Internacional Comunista, em que houvesse algum grau de identidade teórica e ideológica quando, em verdade, trata-se de um encontro anual de praticamente todos os partidos comunistas do MCI, de quase todos os países (alguns deles com até 3 partidos diferentes!), em que as divergências são cada vez mais profundas e cristalizadas, dificultando até mesmo a redação consensual da declaração final do evento. Isso não significa, de minha parte, subestimar o papel atual do EIPCO que, além de importante espaço de debates e aproximações, favorece a manutenção do portal Solidnet, em que se divulgam pronunciamentos e iniciativas dos PCs. O EIPCO é o possível para os dias de hoje, em que ainda não estão dadas as condições para a construção de uma verdadeira Internacional Comunista, que se organize em função da convergência de princípios e estratégias comuns, do internacionalismo proletário e da unidade de ação.

Nacional-chauvinismo:

Tenho acordo com a crítica do camarada quando classifica como “nacional-chauvinismo” o desvio de alguns PCs que se põem a reboque de burguesias nacionais que fazem do patriotismo um instrumento para defender e expandir seus interesses de classe e, ao mesmo tempo, mitigar as contradições entre o capital e o trabalho, com o discurso da união nacional contra inimigos externos, para prevenir e/ou promover conflitos militares em relação a outros países e se proteger internamente de insurgências e lutas revolucionárias. Parecem-me corretos também seus argumentos de que o etapismo nacional-libertador (ou via nacional ao socialismo) tem íntima ligação com os desvios de direita da chamada etapa nacional-democrática, tratados no item anterior. Diz o camarada:

“O nacional-chauvinismo não apenas entende a necessidade de uma “etapa nacional-democrática” anterior à revolução socialista, mas, além disso, privilegia o elemento nacional do etapismo. Na prática, não apenas propõe uma aliança com a dita burguesia nacional como, além disso (se não explicitamente como resolução, ao menos como consequência prática), coloca a classe trabalhadora “nesta etapa” como coadjuvante perante as ações da fração burguesa com que propõe aliança”.

Temos este exemplo em casa! Sobretudo a partir da chamada “Declaração de Março de 1958”, o PCB fundiu em uma mesma estratégia etapista essas duas faces ilusórias da moeda reformista, na expectativa de (quem sabe um dia!) evoluir para a etapa socialista. Refiro-me às ilusões de que a burguesia brasileira tinha contradições com o imperialismo e aquelas que consideravam a democracia um valor universal, inclusive para a transição ao socialismo.

Depreendo das conclusões do camarada Carlos Arthur sobre este tema que convergimos na atualidade mundial da estratégia socialista da revolução, em função das contradições cada vez mais inconciliáveis entre o capital e o trabalho. Ele considera como desvios presentes no MCI os etapismos nacional-democrático e nacional-libertador, apontando inclusive a íntima ligação entre eles. Estamos também de acordo que é importante saber utilizar as contradições interburguesas (eu acrescentaria as de natureza interimperialista) em prol do avanço das lutas dos trabalhadores e do socialismo, mas desde que com a mais absoluta independência em relação aos inimigos de classe.

Doutrinarismo e inflexibilidade tática:

Já sobre o item doutrinarismo e inflexibilidade tática, a superficialidade com que o assunto é tratado pelo autor inibe uma análise mais fundamentada. Ele fala em tese e não nos oferece um único exemplo concreto como subsídio. A minha impressão é que, seja por diplomacia ou para se proteger de críticas, ele não tenha citado qualquer partido no qual identifique esses desvios esquerdistas. Mas não vou escapar da polêmica por conta disso!

Tenho razões para estar convencido de que o sujeito oculto alvo da crítica é exatamente a principal referência dos partidos que se articulam em torno da Revista Comunista Internacional e da Iniciativa Comunista Europeia, em relação aos quais o recente XVI Congresso do PCB decidiu privilegiar aproximações e ações políticas e considerou como o bloco revolucionário do MCI (2). Apesar de perceber uma certa incoerência do autor com as suas próprias conclusões no tema anterior, em que creio termos convergido sobre a atualidade da luta pelo socialismo, penso que o alvo inominado da sua crítica é o Partido Comunista da Grécia (KKE) que, entre os PCs dos países capitalistas, considero o mais bem organizado quantitativa e qualitativamente, o mais preparado teoricamente, mais enraizado no proletariado e na juventude (talvez o único que seja a principal força política tanto no movimento sindical como no estudantil em seu país) e o mais influente em sua própria sociedade e talvez no próprio MCI.

Analisemos com atenção a argumentação do camarada para “provar” o doutrinarismo esquerdista “desses PCs”:

“Esses PCs têm por prática denunciar as mazelas do capitalismo e as ações autoritárias dos governantes, mas sempre apenas apontando que a superação desta situação será no socialismo, com discursos que acabam sempre centrados na afirmativa “a única saída para a classe operária, e a tarefa de nosso tempo, é a luta decidida pelo socialismo-comunismo”, praticamente sem nenhuma mediação tática… meu apontamento é que a tendência que constato em tais PCs é o descolamento entre a luta imediata, a política geral e o objetivo estratégico”. (grifos meus)

Bem informado, o autor deve saber que a frase que cita criticamente entre aspas (“a única saída para a classe operária, e a tarefa de nosso tempo, é a luta decidida pelo socialismo-comunismo”), tem clara e comprovadamente o DNA do KKE e que seu conteúdo (ainda bem!) vem sendo incorporado e exposto por diversos “desses PCs”, entre os quais o da Turquia (TKP), do México (PCM) e dos Trabalhadores de Espanha (PCTE), que vêm se fortalecendo em seus respectivos países, ainda que em estágios diferentes de construção ou reconstrução e de peso político (de que as mediações dependem!), mas todos tendo superado o etapismo e outras formas de reformismo, como o excesso de mediação tática, que reduz a estratégia socialista a uma palavra de ordem solta e burocrática, para um futuro incerto, colocada ao final de pronunciamentos políticos sempre apenas conjunturais.

A citada frase, que define a única saída para a classe operária (haverá outra?) não é uma mera palavra de ordem voluntarista, agitativa e intempestiva, como sugere a crítica. Nela hifenizam-se corretamente as palavras socialismo-comunismo para deixar claro de que socialismo se trata, marcando diferença em relação a expressões como “socialismo e liberdade”, “socialismo de mercado”, “socialismo do século 21” ou “eco socialismo”. Além do mais, a frase criticada pelo camarada define a luta que propõe como tarefa de nosso tempo, pelo entendimento de que o agravamento da crise sistêmica do capitalismo e das contradições interimperialistas significa mais exploração do proletariado, mais repressão a rebeldias, lutas e movimentos sindicais e populares, mais guerras, mais desemprego, fome e miséria, anunciando as possibilidades e a provável proximidade da Era das Revoluções, para a qual cabe aos partidos comunistas se prepararem, desde já, para estarem à altura de suas tarefas como vanguarda.

O camarada Carlos Arthur também sabe que o KKE não chegou a estas conclusões de uma hora para outra, mas após muitos anos de estudos e debates internos, críticos e autocríticos, sobre os problemas da construção das experiências socialistas, da trajetória da Internacional Comunista, do MCI e do seu próprio partido. Estou certo de que ele concorda que não haja outra saída para a classe operária além do socialismo-comunismo com hífen, o que me leva a supor que faça essa crítica por considerar que esta luta não é prioritária na atualidade.

Já a palavra apenas, que enfatiza o sempre na frase crítica do autor, serve para valorizar a crítica da suposta ausência total de mediação tática na ação política do KKE, segundo o autor um “desvio esquerdista” que o leva ao “descolamento entre a luta imediata, a política geral e o objetivo estratégico”, sugerindo que as iniciativas e discursos desse partido não sejam para agitar, mobilizar e organizar lutas imediatas no contexto político geral, mas sempre e apenas para propagandear o socialismo e o comunismo, sem “nenhuma mediação tática” e “descolado das lutas imediatas”!

Sem conseguir explicar como um PC “doutrinarista” é incontestavelmente a vanguarda das lutas anticapitalistas e anti-imperialistas em seu país, conscientizando e mobilizando amplas massas, na maioria das vezes por iniciativa própria e solitária, por conta da degeneração completa da chamada “esquerda” grega, o autor decreta sua sentença contra “esses partidos” com as seguintes palavras:

“Os partidos que caem nesse viés têm a característica de não apontarem luta política concreta imediata e geral que acumule forças e contribua para o crescimento do nível de consciência das massas”.

Ao contrário dessas insinuações, o KKE pratica importantes mediações táticas, não apenas na esfera propriamente sindical (vide a PAME – Frente Militantes de Todos os Trabalhadores) mas também em termos das alianças entre o proletariado e as demais classes empobrecidas da sociedade burguesa, como por exemplo os pequenos agricultores gregos. Sugiro aos camaradas que estão acompanhando esta polêmica a leitura de importante documento oficial do KKE (“A Aliança Popular: o programa e a estratégia dos comunistas gregos”) (3), para constatar que esse partido não incorre em desvios etapistas de falta de mediação tática e muito menos os de excesso, pois não aderiu ao socialdemocrata Partido da Esquerda Europeia, no Parlamento Europeu (de que participa a maioria dos PCs do continente), e jamais se aliou ao Syrisa (nem quando este governou a Grécia), aquele partido “de esquerda” que já foi o mais querido de todos os reformistas e social-liberais, exatamente por lhes parecer que havia enfim surgido um concorrente para desbancar o “stalinista” KKE!

Uma proposta tática para PCs europeus:

Antes de comentar os dois últimos temas considerados pelo camarada como os cinco principais desvios atuais do MCI, não posso deixar de abordar a sugestão dele a título de “uma proposta tática para PCs europeus” para que levantem o que ele chama de “uma bandeira tática política imediata: o fim da monarquia e a imediata proclamação da República”. Em primeiro lugar, parece-me óbvio que todos os PCs sempre travaram e ainda travam a justa luta contra a monarquia, ainda mais nos países em que este anacronismo persiste. Mas não creio que nos dias atuais seja prioridade para eles.

Soa-me datada a citação de Lenin sobre o tema que o camarada transcreve. Não há como comparar o quanto foram poderosas, absolutistas e tiranas as monarquias no passado com aquelas que sobrevivem em alguns poucos países, em geral transformadas em meras tradições simbólicas e até mesmo folclóricas, praticamente sem muita importância nos poderes executivos e legislativos, seja na política interna ou externa. Nos poucos países em que sobrevivem monarquias – ainda que mantenham alguma influência, sobretudo na Grã-Bretanha e na Espanha, onde servem aos setores hegemônicos de suas classes dominantes como fator e símbolo de unidades nacionais questionadas por separatismos – há muito tempo a dominação burguesa já é exercida, na prática, na forma “república democrática-liberal” de fato.

Defender a luta pela república no lugar da monarquia como prioridade é incorrer no mesmo desvio etapista nacional-democrático já aqui analisado e criticado pelo camarada. É como se a condição sine qua non da revolução socialista fosse a prévia proclamação da república, que aliás já vigora formalmente há muito tempo na maioria dos países capitalistas, nos quais nunca fez jus ao conceito de “coisa pública” que a palavra sugere, pois se trata do aparelho de dominação do estado burguês. Tenho dúvidas inclusive se o fim dessas monarquias e até mesmo as eventuais vitórias de algumas lutas nacionalistas dos povos que compõem esses “reinos unidos” sejam tão decisivos para criar melhores condições objetivas e subjetivas para as lutas táticas e estratégicas do proletariado.

Os comunistas do mundo todo, e sobretudo os europeus, têm uma bandeira comum imediata e prioritária muito mais importante, não apenas tática, mas com enormes implicações estratégicas, e que já vem sendo desfraldada com vigor pelos partidos mais consequentes, tendo na vanguarda exatamente o TKP, o PCTE e o KKE. Refiro-me à luta pelo fim da OTAN! Mas mesmo nesta importante luta, que aos desatentos parece consensual entre os PCs europeus, as divergências estratégicas e de princípios entre os campos reformista e revolucionário do MCI também são notórias. As posições de “dissolução da OTAN”, levantadas em meras palavras de ordem e não em ações políticas pelos reformistas, nada fazem além de adiar para um futuro incerto e longínquo o fim desse bloco imperialista. Afinal, em que condições isso aconteceria? Uma reunião de cúpula dos líderes dos países do pólo imperialista liderado pelos Estados Unidos decidiria abrir mão de seu principal instrumento de dominação?

Por outro lado, as posições de “saída imediata de cada país da OTAN”, que vigoram no campo revolucionário do MCI e se expressam em manifestações de protesto e ações de obstrução da remessa de armas dos seus países para a guerra imperialista na Ucrânia, representam não só uma possibilidade concreta de vitória contra este bloco imperialista, mas uma determinação prática de luta da classe trabalhadora de cada país em prol da política internacional do proletariado – e mesmo assim, sem colocar a saída da OTAN como pré-requisito à revolução socialista. A OTAN será mais fraca em geral quanto mais países-membros dela se afastarem, antes ou depois de suas revoluções.

LGBTfobia e transfobia; moralismo quanto às drogas:

Sem qualquer subestimação da atualidade desses dois importantes temas, não concordo que tenham peso político para constar de um ranking com apenas cinco principais problemas no seio do MCI. Nunca tive a oportunidade de conhecer qualquer posição do citado Partido Comunista Britânico e só soube de sua opinião contrária à utilização de banheiros femininos por trans ao ler as críticas que, a respeito disso, faz em seu texto o camarada Carlos Arthur, com as quais tendo a concordar, apesar de ter pouco acúmulo sobre este debate.

No entanto, talvez pela minha ignorância a respeito, me pareceu exagero o que ele chama de “atrasada concepção LGBTfóbica e transfóbica no interior dos Partidos Comunistas do mundo” e, assim sendo, soou-me estranha sua proposta de que o PCB priorize tornar-se a vanguarda da luta contra estes desvios que considera haver no Movimento Comunista Internacional. Provavelmente haverá diferenças no trato desta questão entre os PCs, imagino que a principal delas sobre a sua importância na luta de classes e que alguns deles possam subestimá-la e, desta forma, soarem como conservadores para os que a valorizam. Mas não imagino que, entre comunistas, se trate de uma fobia, que subentende aversão, rejeição, escárnio, preconceito e até mesmo perseguição ao seu objeto.

Já quanto ao que o autor se refere arbitrariamente como “moralismo quanto às drogas”, apesar de me parecer equivocado tratar o assunto como um dos principais “desvios no MCI”, concordo com sua denúncia de que “o discurso da “guerra às drogas” não passa de um biombo “justificador” de uma verdadeira guerra aos pobres” e com a defesa da bandeira da legalização escalonada de drogas para uso recreativo. Para mim, isso não significa que devamos estimular o uso de drogas pela juventude nem deixar de denunciar também que a disseminação de drogas alucinógenas é outro aspecto da “guerra aos pobres”.

Conclusões:

Segundo meus critérios, numa lista prioritária de problemas no seio do MCI não faltariam outros que considero mais relevantes, o mais urgente deles o debate sobre o que é o imperialismo nos dias de hoje, em função dos desenvolvimentos do chamado “socialismo de mercado” na China e da eclosão da guerra na Ucrânia, que obviamente não é apenas um conflito entre esta e a Rússia, mas a expressão do acirramento de contradições cujos protagonistas principais são os Estados Unidos e a China, que disputam palmo a palmo a hegemonia mundial, colocando na ordem do dia os riscos de guerras de extensões continentais, intercontinentais e mesmo mundiais.

No caso do PCB, o seu recente XVI Congresso acertou em cheio ao apontar a necessidade de pautar e aprofundar o estudo e o debate sobre a atualidade da China, reconhecendo honestamente a “ausência de posição fechada (do partido) sobre o caráter socialista ou não” desse país (4). O
aspecto mais relevante e urgente deste debate sobre a China é que, sem a sua conclusão, não há como debater com seriedade e concluir com acerto o que é o imperialismo, o fator mais decisivo para um partido revolucionário ter relevância e peso político para atuar no seu país e no Movimento Comunista Internacional, evitando posicionamentos públicos coletivos e individuais erráticos e contraditórios. E sem definição coletiva sobre o imperialismo e a China nos dias de hoje, é impossível ter posição coletiva sobre a atual guerra na Ucrânia.

Em partidos comunistas, a falta destes debates conspira contra o centralismo democrático e só interessa àqueles que lutam para evitar que eles aconteçam, diante dos riscos que percebem de que suas posições possam ser derrotadas e da eventual perda do poder de manobra que lhes permitem adotar decisões individuais ou de “núcleos duros”, à falta de posição coletiva sobre questões fundamentais.

Outros temas que eu sugeriria incluir nesta agenda os revisitei recentemente na releitura do importante texto de Anita Leocádia Prestes (“A que herança os comunistas devem renunciar?”) (5), escrito em 1980, cujo título o camarada parafraseia criativamente (“A que heranças o MCI deve renunciar?”), mas não leva em conta o principal erro destacado pela autora, ou seja, a falta de um estudo profundo, honesto e autocrítico, sem patriotismo partidário nem propaganda, da trajetória do MCI, das experiências de construção do socialismo e sobretudo do próprio partido, debate interrompido desde 2009, quando o XIV Congresso do PCB aprovou o texto de referência “Socialismo: Balanço e Perspectivas” (6), com o objetivo de estimular, aprofundar e atualizar essa discussão entre a militância do partido.

Na expectativa de ter contribuído para animar o debate, deixo aqui meu cumprimento respeitoso ao camarada e amigo Carlos Arthur.

Guapimirim (RJ), 24 de abril de 2023

Ivan Pinheiro


[1] Link para o texto do camarada Carlos Arthur: https://pcb.org.br/portal2/30248
[2] Ponto 130 – Resoluções do XVI Congresso: “O PCB respeita a diversidade de opiniões existente no atual Movimento Comunista Internacional e busca estabelecer um diálogo com todos os partidos comunistas do mundo, para trocar avaliações acerca dos processos políticos em curso e coordenar ações comuns contra a ofensiva burguesa. No entanto, o PCB deve privilegiar aproximações e ações políticas com os partidos do bloco revolucionário, que se articulam em espaços como a Iniciativa Comunista Europeia e a Revista Comunista Internacional, preservada a nossa autonomia política.”
[3] https://lavrapalavra.com/2019/08/13/a-alianca-popular-o-programa-e-a-estrategia-dos-comunistas-gregos/
[4] Ponto 134 – Resoluções do XVI Congresso: “A China assume uma importância regional cada vez maior na Ásia, com protagonismo mundial geopolítico e econômico. Nos últimos 40 anos, a redução da pobreza na China impactou em mais de 70% na redução da pobreza mundial. O país é dirigido por um partido comunista que se compreende fiel ao marxismo-leninismo, dirigindo um processo de longa duração histórica de transição socialista. Cabe ao PCB buscar maior estudo e aprofundamento sobre essas experiências, assim como intensificar intercâmbio cultural e político com o Partido Comunista Chinês, como forma de melhor compreendê-lo. A despeito da ausência de posição fechada sobre o caráter socialista ou não desses países, nosso Partido deve defender a China dos ataques do imperialismo e da propagando orientalista, racista e anticomunista produzida pelos monopólios de mídia ocidentais.”
[5] – PRESTES, Anita Leocadia, “A que herança os comunistas devem renunciar?”, Oitenta, Porto Alegre, L&PM, volume 4, primavera 1980, p. 197-223 – Envio o texto completo, em seguida, por esta mesma via.
[6] – https://pcb.org.br/portal2/26603.

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