A divisão da Síria pelo imperialismo
A SÍRIA ESTÁ SENDO DIVIDIDA SEGUNDO UM PLANO IMPERIALISTA
TKP (Partido Comunista da Turquia) — últimas avaliações de Kemal Okuyan, Secretário-Geral do TKP
O que está acontecendo na Síria não é novidade. Após a dissolução da União Soviética, a chamada “Nova Ordem Mundial” tornou-se o emblema da agressão imperialista, usando como ferramenta principal a fragmentação dos países e a divisão do mundo em pequenas unidades. Alguns saudaram esse fato com o slogan de que “toda nação tem o direito de ser um Estado”, enquanto outros tentaram reduzi-lo ao simplismo de um “ataque aos Estados-nação”. Desde então, tentamos explicar que a questão é totalmente baseada em classes: os monopólios transnacionais não querem restrições ao movimento de capital, à exploração dos trabalhadores e à apropriação das riquezas naturais. O problema, em essência, não é nacional, é de classe.
Era óbvio que as novas unidades que surgiram por meio de intervenções e guerras imperialistas serviriam aos interesses do imperialismo. A situação nos Bálcãs é uma prova disso. A chamada “Primavera Árabe”, que usou os protestos legítimos dos povos pobres, nada mais foi do que a transferência do modelo dos Balcãs para o Oriente Médio. A Síria enfrentou essa “Primavera Árabe” sob o governo de Assad, que acreditava que, com políticas liberais e acordos com o Ocidente, poderia evitar o conflito confiando em mecanismos repressivos. Entretanto, quando parte do povo sírio reconheceu o perigo criado pelos grupos jihadistas e pela agressão imperialista apoiada pelos regimes reacionários da região, começou a resistir, e Assad assumiu a liderança dessa resistência.
O motivo do ódio do AKP [1] e de outros regimes reacionários da região contra Assad é claro: sem a posição firme de Assad, a coalizão entre o imperialismo dos EUA e os jihadistas teria redesenhado toda a região como quisesse. Essa resistência foi fortalecida pelo Irã e pela Rússia — certamente de acordo com seus próprios interesses — e, portanto, não conseguiu subjugar a Síria.
Entretanto, como o problema é de classe e não nacional, as leis do capitalismo seguiram seu curso. Na Síria devastada pela guerra, não foram implementadas políticas econômicas que pudessem contar com o apoio do povo trabalhador, e o governo de Assad, acreditando que o perigo havia passado, começou a adotar novas políticas liberais que aumentaram o pessimismo da população. Por outro lado, o BRICS, que se apresenta como uma alternativa ao sistema de alianças liderado pelos EUA, também baseia sua abordagem no sistema capitalista de exploração. No capitalismo não há princípios, apenas competição, conflito e interesses compartilhados.
O que aconteceu com o povo palestino? Aqueles que culpam a resistência palestina pela situação atual, aqueles que dizem “eles não deveriam ter provocado Israel”, sabem perfeitamente bem que, por trás do apoio aberto dos EUA e de seus aliados e do apoio tímido do resto do mundo a Israel, há razões de classe. Israel e, em geral, o capital judaico são muito poderosos, enquanto o povo de Gaza é pobre, e os poucos empresários palestinos que existem se tornaram, em sua maioria, colaboradores que buscam apenas manter seus próprios negócios em funcionamento.
Agora a Síria está sendo abandonada à própria sorte. Ou melhor, está sendo dividida sob os termos de um acordo imperialista. Estamos alertando há três meses que esse acordo estava a caminho. Agora, os chamados “líderes” promovidos sob a proteção do imperialismo na Síria, cujas palavras são amplificadas pela mídia monopolista, falam sobre o acordo como se fosse trivial. Há rumores de concessões para bases militares, trocas sobre a Ucrânia e desentendimentos entre o Irã e a Rússia. Todo tipo de coisa é dito.
As guerras imperialistas têm consequências imprevisíveis, assim como a “paz” imperialista. O processo ainda está em andamento. Os cálculos podem falhar, pode surgir uma resistência inesperada e a disputa sobre a distribuição pode desencadear novos confrontos. É por isso que ainda não é possível, nem deveria ser, pôr um fim a isso.
Entretanto, uma coisa deve ficar clara: é impossível se opor ao imperialismo ou defender uma pátria sem uma perspectiva de classe. As políticas de “segurança” desenvolvidas contra esta ou aquela nação ou seita, nascidas de conflitos de interesse entre países capitalistas, levam inevitavelmente a essa situação.
Quanto à Turquia… Aqueles que fazem alarde com argumentos como “um estado curdo está sendo formado” ou “o HTS[2] está colaborando com o PYD” têm servido às políticas neo-otomanas de Erdoğan há anos, e agora continuam no mesmo caminho. O que importaria se o HTS não colaborasse com o PYD[3]? A criação de um “estado curdo” é o alfa e o ômega do que está acontecendo na Síria hoje?
Ou, colocando a questão de outra forma: se o HTS, a Al Nusra, a Al Qaeda, o ISIS, o Exército Livre da Síria ou qualquer um de seus derivados atravessasse do leste do Eufrates para as Colinas de Golã, tomando toda a Síria sob um califado sangrento, eles respirariam aliviados só porque alguns comandantes jihadistas dizem que os turcos são seus amigos?
Alguns dariam um suspiro de alívio… Os monopólios de construção, alimentos, energia, têxtil, automotivo, bancos… Mas esses não são a Turquia, são os exploradores que sugam a Turquia até a medula.
A classe capitalista não entende de nações; ela quer exploração, pilhagem, liberdade de movimento e divisão dos trabalhadores. Se uma nação não for suficiente, ela cria micronações, desperta tensões entre tribos e as traz à tona. Na Síria, há muitos desses casos.
Agora é a hora de se opor a esse processo até o fim, para impedir que essa ignomínia seja legitimada. E depois disso? A luta continuará.
Essa luta é contra o imperialismo, o obscurantismo e a exploração. Ela não vai parar!
Notas
[1] — Partido da Justiça e Desenvolvimento (Turquia) — partido de Erdogan
[2] — HTS (Hay’at Tahrir al-Sham — Organização pela Libertação do Levante) — é uma organização armada salafista-jihadista[1] que atua predominantemente no noroeste da Síria, especialmente na província de Idlib. Fundado em janeiro de 2017, o HTS surgiu da fusão de várias facções rebeldes, incluindo a Jabhat Fateh al-Sham (anteriormente Frente al-Nusra, o braço da Al-Qaeda na Síria), e outros grupos menores.
[3] — PYD (Partiya Yekîtiya Demokrat — Partido de União Democrática) — O Partido de União Democrática é um partido formado por curdos sírios estabelecido em 2003 por nacionalistas da causa Curda na região norte da Síria.
Tradução — Rede Marxista