Niemeyer – O ser artista e o ser revolucionário

Nas incontáveis e fabulosas obras de Niemeyer dispostas em espaços urbanos pelo Brasil e o mundo – com variável riqueza de dimensões, formatos, detalhes e funcionalidades – é possível encontrar uma identidade comum, um traço característico que não é, necessariamente, a famosa linha curva: trata-se do caráter político.

Uma dessas obras, especificamente, é emblemática do uso que Niemeyer fez do concreto como referencial sólido para a defesa de ideias. Sem a menor dúvida, o imponente monumento que margeia o Memorial JK, em Brasília, com a gentil presença da estátua do presidente Juscelino Kubitschek, é seu exemplo eloquente.

Alongado e retilíneo desde sua base, a obra tem no ápice uma angular curva de concreto, o que provoca um belo contraste visual de formas. Mas não é só. Há uma nítida mensagem que se transmite vivamente por meio desse constructo cimentado. Uma sugestão? Basta observar como as peças que compõem o monumento harmonicamente representam e conjugam uma foice e um martelo entrecruzados.

A obra é uma evidente exortação artística do emblema que traduz a união do proletariado e do campesinato, cuja composição política na unidade de ação é indispensável para o êxito da causa comunista.

Historicamente, o símbolo da junção da foice e do martelo foi incorporado pelo governo bolchevique à bandeira da URSS após a Revolução Soviética de 1917, tornando-se um referencial para os partidos e organizações marxistas-leninistas mundo afora.

Como se percebe nas formulações artísticas de Niemeyer, a forma-concreto existe como expressão de um conteúdo-ideia que lhe dá valor e sentido. Uma dialética que une dimensões distintas, o real e o imaginado, o posto e o pressuposto, a matéria e o pensamento, numa reciprocidade que intercala níveis diferenciados de compreensão visual, estética e política.

A relação intermitente e mediada entre a consciência política de Niemeyer e seu gênio artístico se traduz de modo indissociável em suas obras. A expressão criativa e objetivada da arte humana numa perspectiva que ele concebia como autenticamente revolucionária e internacionalista é marca presente em praças, monumentos, prédios, ruas, cidades e nações em vários cantos do planeta.

A negação e a descontextualização do legado de Niemeyer, de modo a omitir sua existência, como fazem a direita e os revisionistas de ocasião a seu serviço, cegam o olhar dialético sobre o processo histórico de construção daqueles espaços urbanos de sociabilidade e de sua própria gênese civilizatória.

A justa homenagem que se faz a Niemeyer é um registro da potencialidade que possuem subjetividades revolucionárias de objetivar, na arte, o acúmulo cultural, material e imaterial do gênero humano com propósitos radicais, o que abre o horizonte da catarse.

É preciso, claro, estudar as contribuições de Niemeyer e localizá-lo como um militante político e artista repleto de contradições, erros e acertos. Ignorar casuisticamente sua vida, sua morte e suas obras, contudo, significaria infirmar as possibilidades criativas do gênero humano e sua capacidade de pensar e responder suas necessidades históricas de modo concreto – e com concreto.

(por Lucas Farias – PCB Alagoas)

http://www.pcb-al.org/index.php/artigos/119-niemeyer-o-ser-artista-e-o-ser-revolucionario

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