113 anos de Gregório Bezerra

 

Valentes, conheci muitos,

E valentões, muitos mais.

Uns só Valente no nome

uns outros só de cartaz,

uns valentes pela fome,

outros por comer demais,

sem falar dos que são homem

só com capangas atrás.

 

Conheci na minha terra

um sujeito valentão

que topava qualquer briga

fosse de foice ou facão

e alugava a valentia

pros coronéis do sertão.

Valente sem serventia

foi esse Zé Valentão.

 

Conheci outro valente

que a ninguém se alugou.

Com tanta fome e miséria,

um dia se revoltou.

Pegou do rifle e, danado,

meia dezena matou

sem perguntar pelo nome

da mãe, do pai, do avô.

 

E assim, matando gente,

a vida inteira passou.

Valentão inconsequente,

foi esse Zé da Fulô!

 

Mas existe nesta terra

muito homem de valor

que é bravo sem matar gente

mas não teme matador,

que gosta de sua gente

e que luta a seu favor,

como Gregório Bezerra,

feito de ferro e de flor.

 

Gregório, que hoje em dia

é um sexagenário,

foi preso pelo Governo

dito “revolucionário”,

espancado e torturado,

mais que Cristo no Calvário,

só porque dedica a vida

ao movimento operário

e à luta dos camponeses

contra o latifundiário.

 

Filho de pais camponeses,

seu rumo estava traçado:

bem pequeno já sofria

nos serviços do roçado.

Com doze anos de idade

foi pra capital do estado,

mas no Recife só pôde

ser moleque de recado.

Voltou pra roça e o jeito

foi ser assalariado.

Até que entrou pro Exército

e decidiu ser soldado.

 

Sentando praça, Gregório

foi um soldado exemplar.

Tratou de aprender a ler

e as armas manejar.

Em breve tornou-se cabo

mas não parou de estudar.

Chegou até a sargento

na carreira militar.

Sua vida melhorou

mas não parou de pensar

na sorte de sua gente

entregue a duro penar.

Um dia aquela miséria

havia de se acabar.

 

Foi pensando e conversando,

trocando pontos de vista,

que Gregório terminou

por se tornar comunista

e no Partido aprendeu

toda a doutrina marxista.

Convenceu-se de que o homem,

no mundo capitalista

é o próprio lobo do homem,

torna-se mau e egoísta.

 

Da luta de 35,

Gregório participou.

Derrotado o movimento,

muito caro ele pagou.

O Tribunal Militar

do Exército o expulsou,

e o meteu na cadeia

onde Gregório ficou

até em 45

quando a anistia chegou.

 

Mas todo esse sofrimento

valeu-lhe muito respeito.

Candidato a deputado

foi gloriosamente eleito

pra Câmara Federal

sendo o segundo do pleito.

Seu trabalho no Congresso

só lhe aumentou o conceito.

 

Mas eleito deputado,

um problema ia surgir:

Gregório não tinha roupas

para o mandato assumir.

Foi preciso a gente humilde

que o elegeu se unir

e fazer uma “vaquinha”

pras roupas adquirir.

Assim, vestido elegante,

Gregório pôde partir.

 

A força dos comunistas

assustou a reação.

Viram o apoio que o povo

dera a eles na eleição.

Armaram rapidamente

uma bruta traição.

Contra o PCB votou-se

a total proibição

e contra os seus deputados

engendrou-se a cassação.

Fizeram o que fez agora

a falsa “revolução”.

 

Gregório pronunciou

a oração derradeira

apresentando o projeto

em favor da mãe solteira.

Projeto feito com amor

à mãe pobre brasileira,

a essa mulher do povo

que só conhece canseira.

Projeto que mostra a alma,

alma pura e verdadeira,

desse homem contra quem

já se inventou tanta asneira.

 

Usurpado no mandato

que o povo lhe confiara,

a reação novo bote

contra ele já armara:

um quartel que pegou fogo

em Pernambuco, inventaram

que Gregório o incendiara,

e o meteram na cadeia

sem que a culpa se provara.

Mas ao final do processo

a verdade brilhou clara.

 

Assim, posto em liberdade,

Gregório não descansou.

Em Pernambuco e Goiás,

dia e noite trabalhou,

organizou camponeses,

a muita gente ensinou.

No Paraná e em São Paulo

sua ajuda dedicou.

Um dia com um revólver

por azar se acidentou.

 

Veio a Polícia e, ferido,

para a cadeia o levou.

Solto de novo, Gregório

para Pernambuco voltou.

E é em Pernambuco mesmo

que o vamos encontrar

em abril de 64

quando o golpe militar

se abateu sobre o País

derrubando João Goulart,

prendendo os que encarnavam

a vontade popular,

os que com o povo lutavam

para a Nação libertar.

 

Gregório então foi detido

no interior do estado.

Mas só se entregou depois

de ter identificado

o capitão que o prendia.

Tivera esse cuidado

pois sabia que um bando

de facínoras mandado

pelo usineiro Zé Lopes

buscava-o naqueles lados.

Pouco adiante, no entanto,

no cruzmento da estrada,

surge um destacamento.

Era uma tropa embalada

do Vigésimo RI

e à sua frente postada

a figura de Zé Lopes

com toda sua capangada.

 

Foram chegando e dizendo

que o preso lhes entregassem

para que naquele instante

com sua vida acabassem.

O capitão, no entanto,

pediu-lhe que se acalmassem,

pois as ordens do Recife

não era pra que o matassem.

Queriam ouvir Gregório

e depois o fuzilassem.

 

Zé Lopes e seus capangas

não queriam obedecer.

Gritavam que comunista

não tem direito a viver.

Mas o capitão foi firme,

não se deixou abater.

A coisa então foi deixada

pro comando resolver.

Rumaram pra Ribeirão

onde o comando foi ter.

 

Zé Lopes, chegando lá,

insistiu com o comandante,

que lhe entregasse Gregório

pra “julgar” a seu talante.

Não conseguiu e Gregório

foi, de maneira ultrajante,

amarrado como um bicho,

jogado num basculante

que o levou pro Recife

às ordens do comandante.

 

Levado então à presença

do General Alves Bastos,

Gregório, os pulsos sangrando,

nem assim se pôs de rastos.

Quando este lhe perguntou

onde as armas escondera,

respondeu: “se armas tivesse,

não era desta maneira

que eu estaria agora,

mas com as armas na mão,

junto com o povo lá fora”.

 

Pro Forte das Cinco Pontas

foi conduzido, então,

e de lá para o quartel

de Motomecanização,

onde começa a mais negra

cena da “revolução”

que tanta vergonha e crime

derramou sobre a Nação.

Darci Villocq Viana,

eis o nome do vilão.

 

Esse coronel do Exército

mal viu Gregório chegar

partiu pra cima dele

e o começou a espancar.

Bateu com um cano de ferro

na cabeça até sangrar.

Chamou outros subalternos

para o preso massacrar.

Gritando: “Bate na fera!

Bate, bate, até matar!”

Dava pulos e babava

como se fosse endoidar.

 

Despois despiram Gregório

e já dentro do xadrez

com a mesma fúria voltaram

a espancá-lo outra vez.

Com 70 anos de idade

e outros tantos de altivez,

nenhum gesto de clemência

ao seu algoz ele fez.

O sangue agora o cobria

da cabeça até os pés.

 

No chão derramaram ácido

e fizeram ele pisar.

A planta dos pés queimava,

mal podia suportar.

Vestiram-lhe um calção

para depois o amarrar

com três cordas no pescoço

e para a rua o levar

preso à traseira de um jipe

e para ao povo mostrar

o “bandido comunista”

que se devia linchar.

Estava certo Villocq

que o povo o ia apoiar

para em plena praça pública

o comunista enforcar…

 

Mas para seu desespero

o povo não o apoiou.

Aos seus apelos de “enforca!”

nenhuma voz se juntou.

Um silêncio insuportável

sua histeria cercou.

Via era ódio nos olhos

e se ninguém protestou

é que os soldados em volta

ao povo impunham terror.

Muitas mulheres choravam.

Uma freira desmaiou

no Largo da Casa Forte

onde o cortejo parou.

 

“Meus pés eram duas chagas

– Gregório mesmo contou –

e no meu pescoço a corda

ainda mais apertou.

O sangue que me banhava

minha vista sombreou.

Senti que a força faltava

mas minha boca falou:

“Meu povo inda será livre!”

E muita gente chorou

no Largo da Casa Forte

onde o cortejo parou.

 

A freira que desmaiara

o arcebispo procurou

e este ao Genral Justino

nervosamente apelou

para impedir o homicídio

que quase se perpetrou.

A solidariedade humana

como uma flor despontou

no Largo da Casa Forte

onde o cortejo parou.

 

Quase morto mas de pé,

Gregório foi encarcerado.

Por dias e noites a fio

ele foi interrogado.

Já faz três anos que ele

continua aprisionado

sem ordem legal pra isso

e sem ter sido julgado.

E até um habeas-corpus

pedido lhe foi negado.

 

Mas nada disso arrefece

o valor desse homem bravo

que luta pra que seu povo

deixe enfim de ser escravo

e a cada nova tortura,

a cada cruel agravo,

mais força tem pra lutar

esse homem sincero e bravo.

 

E donde vem essa força

que anula a crueldade?

Vem da certeza que tem

numa histórica verdade:

o homem vem caminhando

para a plena liberdade;

tem que se livrar da fome

para atingir a igualdade;

o comunismo é o futuro

risonha da humanidade.

 

Gregório Bezerra é exemplo

para todo comunista.

É generoso e valente,

não teme a fúria fascista.

À barbárie do inimigo

opõe o amor humanista.

 

Gregório está na cadeia.

Não basta apenas louvá-lo.

O que a ditadura espera

é a hora de eliminá-lo.

Juntemos nossos esforços

para poder libertá-lo,

que o povo precisa dele

pra em sua luta ajudá-lo.

 

Ferreira Gullar

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