Em Israel, judeus e palestinos protestam contra ataque
Em frente ao mar, na cidade portuária de Asdud – Ashdod para Israel –, um grupo de ativistas se reuniu, no dia 31 de maio, para protestar contra o ataque, ocorrido na madrugada anterior, das Forças Armadas israelenses à frota humanitária que levaria ajuda e solidariedade aos palestinos da Faixa de Gaza. A maioria dos cerca de 200 manifestantes, acompanhados de perto por um grupo do Exército de Israel e por um barco pequeno com dois soldados no mar, são judeus de esquerda que se opõem à política do governo israelense e que integram movimentos e organizações pró-Palestina. Devido aos fortes bloqueios militares, ao muro construído em torno de grande parte da Cisjordânia e à proibição da livre circulação de cidadãos palestinos pelo território ocupado por Israel, a ida da maioria dos palestinos à cidade de Asdud é quase impossível.
A todo instante, chegam notícias de manifestações na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Jeff Halper, do Comitê Israelense contra a Demolição de Casas, é um dos militantes cujo celular toca repetidamente. Ele explica que as manifestações deverão continuar por toda a semana, o que deve acirrar os ânimos no país. Nas ruas de Jerusalém, onde normalmente já existe um forte clima de militarização – homens e mulheres jovens com uniformes do Exército e metralhadoras em punho fazem parte da paisagem da cidade –, aumentou o número de policiais e soldados.
Em Beit Sahour, uma cidade de maioria cristã próxima a Jerusalém, padres e a população local também realizaram uma manifestação contra o ataque à frota. A cidade anoiteceu com diversas bandeiras palestinas nos postes e fios. No dia 1º, em Ramallah, capital da Cisjordânia, uma manifestação foi feita na região central.
Na região dos territórios ocupados em 1948 e 1967, os trabalhadores palestinos declararam greve geral no dia 1º. Todo o comércio em Jerusalém Oriental se manteve fechado e, pelas ruas, taxistas árabes colocaram bandeiras da Turquia nas janelas dos veículos. A Autoridade Nacional Palestina (ANP) ainda declarou três dias de luto na Cisjordânia. Outras manifestações ocorreram em Jerusalém Ocidental e Tel Aviv, feita por judeus pró-Palestina, já que a maioria dos palestinos não tem acesso a essas regiões. Em Jerusalém Oriental, que ainda possui maioria palestina, houve confrontos com a polícia em diversos bairros nos quais os moradores organizaram manifestações e atos.
Tiro no pé
“Que hora interessante que vocês escolheram para vir à Palestina”, brinca Nassar Ibrahim, do Centro de Informação Alternativa em Beit Sahour. O palestino avalia que o ataque à frota irá gerar uma resposta internacional tão forte quanto a dos ataques à Faixa de Gaza, em dezembro de 2008 e início de 2009. “O que fizeram foi uma estupidez, acredito que agora haverá uma forte pressão. Uma hora Israel vai ter que começar a pagar por todos esses crimes”.
Jeff Halper avalia que, ainda que nunca se espere uma atitude de diálogo do atual governo de Israel, o ataque chegou a surpreender. “Até mesmo jornalistas israelenses que apoiam a saída militar, jornalistas que foram do Exército inclusive, como Ronny Daniel, do Canal 2, afirmaram que houve uso excessivo de violência; até ele estava surpreso”.
Para Khaled Hidmi, diretor da União de Comitês de Trabalhadores Agrícolas, ligada à Via Campesina, a atitude de Israel mostrou uma enorme estupidez, intolerância, além de deixar claro para o mundo todo que Israel não tem nenhum interesse em um processo de paz com os palestinos. “O que eles mostraram é que não se importam com as leis internacionais, que eles têm o poder para fazer o que quiserem”.
O militante acredita que tais atitudes são impulsionadas por uma corrente ainda mais à direita dentro dos partidos israelenses, que querem avançar com o projeto sionista. Ele prevê, entretanto, que, desta vez, Israel pode ter complicações, devido ao rechaço de diversos países – e cita o Brasil como exemplo. “Além disso, é uma atitude que coloca todos os países árabes contra o Estado de Israel, além da Turquia”.
Hidmi também aposta que se os países se mantiverem firmes e as manifestações populares ao redor do mundo continuarem, esse pode ser um ponto de inflexão nas relações israelenses e palestinas. “A máscara está caindo. Muitos jornais israelenses de direita têm criticado a atitude”, completa.
Mais mortes
Apesar de toda condenação internacional, Israel fez uma nova investida militar na Faixa de Gaza e matou cinco palestinos um dia depois do ataque à frota humanitária. Gaza é lugar mais pobre e populoso de toda a Palestina. Desde 2007, a região – governada pelo grupo islâmico Hamas – sofre um forte bloqueio. Toda a área é cercada por forças militares israelenses.
Khaled Hidmi descarta a possibilidade de haver retaliações por parte do Hamas, já que há um acordo entre os movimentos e partidos sociais palestinos, desde 2006, de não lançar mão de retaliações e ataques violentos. “Não há chance disso ocorrer”, garante. O militante, porém, alerta que Israel poderá usar todo tipo de argumento para justificar suas ações, tal como fez com o ataque aos barcos. Inicialmente, afirmaram que havia terroristas e membros da Al-Qaeda na embarcação e que os ativistas iniciaram os ataques. “Agora, pelas imagens, todos sabem que eles entraram atirando. Havia integrantes da frota enviando textos pelo Twitter e as últimas mensagens que obtivemos foram de que eles chegaram silenciosamente e atacaram”, conta Jeff Halper.
O israelense acredita que essa é uma grande oportunidade para punir Israel severamente. “Israel cometeu mais uma vez um crime, tal como faz todos os dias. Existe uma lei internacional que proíbe que se capturem barcos em oceanos. E, mesmo que o barco estivesse em águas israelenses, a ação desmedida não se justificaria. Para mim, se eles estão trazendo as pessoas a força para cá, isso é sequestro, e eu não sei porque Israel não será julgado por isso. Israel pode fazer tudo o que quiser, quebrar todas as leis internacionais, e não se preocupar com as conseqüências. Agora, talvez, tenhamos a chance de começar a mudar essa situação”, conclui.