O NARCOTRÁFICO, UMA CAIXA DE PANDORA

Sobre o flagelo do narcotráfico, permitam-nos fazer as seguintes considerações:

Esse não é um problema exclusivo da Colômbia, mas um problema internacional, cuja solução deve comprometer o conjunto das nações.

A folha da coca, através dos séculos, tem sido utilizada para mitigar a fome, a sede, o cansaço, como digestivo e relaxante, estando determinado pela ciência que tem propriedades nutricionais e medicinais.

Outra coisa é a cocaína, que, ainda que tenha sido utilizada como anestésico, desafortunadamente é derivada de um estupefaciente de generalizado uso aditivo e nocivo, que gera hoje um grave problema de saúde pública mundial.

Se concordamos que coca e cocaína não são a mesma coisa, resulta ilógico que, para acabar com o problema do narcotráfico, se deva então erradicar uma planta que pode propiciar benefícios à humanidade. O rigor da repressão e das medidas punitivas contra a criminalidade que se desenvolve nos processos de produção, comercialização e consumo das chamadas drogas ilícitas, derivadas do processamento da folha de coca ou de outras plantas, não deve recair sobre os nós mais fracos dessa corrente, que são os consumidores e os agricultores, mas sobre os beneficiários principais do negócio ilegal, que são os mercados financeiros mundiais.

Podemos dizer que o narcotráfico, lamentavelmente, permeia todo o tecido social colombiano, incluindo o Estado. Há duas décadas, Joe Toff, então diretor da DEA (departamento de repressão ao narcotráfico dos EUA) para a Colômbia, afirmou que a Colômbia era uma narcodemocracia.

O fenômeno não é exclusivo do nosso país. Hoje em dia, se reconhece que os lucros do narcotráfico e de outras atividades ilegais contaminaram todos os círculos financeiros da economia mundial.

Dentro desse contexto, as FARC-EP não só expressaram sua preocupação, como também traçaram políticas que podem contribuir para criar soluções. Há 20 anos, a VIII Conferência Nacional dos Guerrilheiros apresentou no ponto 10 de sua plataforma para a reconstrução e a reconciliação nacional:

“Solução do fenômeno de produção, comercialização e consumo de narcóticos e alucinógenos, entendido sobretudo como um grave problema social que não pode ser tratado pela via militar, mas requer acordos com a participação da comunidade nacional e internacional e o compromisso das grandes potências como principais fontes da demanda mundial de drogas”.

Dentro da mesma perspectiva, o pleno do Estado Maior Central das FARC-EP, em março de 2000, determinou que:

“Como o governo estadunidense alega que sua criminosa ação contra o povo colombiano é a existência do narcotráfico, o exortamos a legalizar o consumo de narcóticos. Assim, se suprimem na raiz as altas rendas produzidas pela ilegalidade desse comércio, assim se controla o consumo, se atende clinicamente aos toxicodependentes e se liquida definitivamente esse câncer. Para grandes enfermidades, grandes remédios”.

No desenvolvimento prático dessas ideias, no marco dos Diálogos de Paz de Caguán, o comandante em chefe das FARC, Manuel Marulanda Vélez, apresentou um plano para, em acordo com as comunidades, implementar mecanismos de substituição de cultivos de uso ilícito. Tratava-se de um experimento-piloto para ser desenvolvido no município de Cartagena del Chairá (Departamento de Caquetá), complementado com uma iniciativa de desenvolvimento social que melhoraria as condições de vida dos habitantes dessa região, e se articularia com a reforma agrária rural integral que requer o país.

Nossas posições frente ao assunto de que trata o terceiro ponto da discussão dos Diálogos de Havana tem sido historicamente claras, mas aspiramos enriquecê-las com as propostas e pontos de vista expressados nos fóruns que a mesa convocou sobre o tema, e que a respeito podem seguir aportando as comunidades afetadas e todos os que quiserem ajudar a resolver esse problema, que é usado como desculpa para o intervencionismo de potências estrangeiras no conflito interno colombiano.

No estudo de cultivos e narcotráfico, temos que começar pelo princípio: Quando se iniciou o “negócio”? Quando foi a semeadura? Como foi a história da bonança dos barões da coca e da maconha na Colômbia? Quem foram os que enriqueceram? Onde estão? Quando se iniciou a plantação da coca e da papoula? Quando surge a “janela sinistra” do Banco da República? Que presidente a permitiu? Quem foi beneficiado? Quais foram os montantes, de onde vieram e de quem, quando da Anistia de Turbay Ayala? Quem se beneficiou? Onde estão essas pessoas?

Tais documentos não são reservados. O segredo não os ampara.

Nessa época, quais bancos tinham sucursais no Panamá e em outros paraísos fiscais? Quais bancos tiveram dificuldades nessas sucursais (especialmente as panamenhas), e sobre quais bancos recaíram investigações nacionais e estadunidenses? Quais eram os seus donos e o que fazem hoje?

O que sabem as autoridades sobre as operações realizadas por bancos de Medellín e Cali para lavar dinheiro de negócios sujos dos dois carteis do narcotráfico de ambas as cidades? Existe alguma conclusão das autoridades judiciais em torno da aliança do governo de César Gaviria com o cartel de Cali, dos paramilitares para perseguir Pablo Escobar? Perguntaram sobre o financiamento do cartel de Cali para o funcionamento do Bloco de Busca no seu início?

Que investigações e que condenações existem relacionadas com a força pública e sua vinculação com o narcotráfico?

Quem foi foi o diretor da aviação civil que autorizou a máfia na utilização de pistas clandestinas nas selvas do Yarí para a operação de recepção de pasta de coca do Peru, reabastecimento de combustível e a decolagem de aeronaves carregadas de cocaína para os Estados Unidos? A que família pertencia o helicóptero Hughes interceptado pelas autoridades na operação contra o laboratório de “Tranquilandia”, o maior complexo de produção de cocaína do mundo?

Quem foi o presidente que exonerou da direção da polícia de Magdalena o coronel Pardo García por se negar a suspender os operativos antidrogas contra o chefe paramilitar Hernán Giraldo, na Sierra Nevada de Santa Marta? Como surgiu e incidiu na vida política nacional o chamado cartel das três letras, o DAS (Departamento Administrativo de Segurança)?

Por que não investigar e tornar públicas as denúncias do informante dessa instituição, Rafael García, um de seus artífices confessos? É possível que toda essa trama funcionasse sem a participação do Estado e de suas Forças Armadas em um dos países mais militarizados do mundo? Desde a bonança “marimbera” até hoje, quantos presidentes, parlamentares, governadores e prefeitos foram eleitos com o dinheiro “quente” dos carteis da droga?

Como se explica que anualmente a lavagem de dinheiro faça ingressar na economia colombiana pelo menos 16 bilhões de pesos, o que representa 3 pontos do Produto Interno Bruto? Tem algo a ver com o que os bancos colombianos ganharam? Ou seja, 4,5 bilhões até julho de 2013?

Por que os chefes mafiosos da distribuição da droga nos Estados Unidos, que são os que ficam com a maior parte do negócio, não são presos?

Todas essas inquietudes nos fazem pensar que o narcotráfico é um problema complexo cuja solução requer a participação da comunidade internacional.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP

Fonte: http://pazfarc-ep.org/

Tradução: PCB Partido Comunista Brasileiro

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