Defender os princípios não significa ineficiência na política real!
Pronunciamento de Kemal Okuyan (Partido Comunista da Turquia – TKP), Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários, 2013, Portugal.
DEFENDER OS PRINCÍPIOS NÃO SIGNIFICA INEFICIÊNCIA NA POLÍTICA REAL!
Caros camaradas,
A Turquia testemunhou um histórico movimento popular massivo no fim de maio deste ano. Mesmo os registros policiais falavam em cerca de 11 milhões de pessoas tomando parte nas manifestações de 31 de maio espalhadas por todo o país à exceção de poucas cidades.
Nós buscamos dividir as avaliações de nosso partido sobre a “resistência de junho” com partidos irmãos, bem como informar regularmente sobre os desdobramentos na Turquia.
Graças a este material, tentarei agora ir mais longe e explicar brevemente algumas conclusões políticas e teóricas às quais o TKP chegou a partir dos eventos históricos, enquanto as lutas sociais na Turquia entram agora em nova fase.
Como vocês sabem, a “Resistência de Junho” foi um movimento de massas sem uma vanguarda política, no qual as pessoas se insurgiram contra o poder Islâmico-Fascista instituído por liberdade, proteção do espaço público, secularismo e independência. O fato de que certos atores políticos como o TKP tenham tomado parte no movimento e chegado a dirigí-lo e afetá-lo profundamente em certos momentos e em certas localidades não muda a realidade referida.
Quanto a isso, a qualidade da relação das massas com nosso partido demonstrou uma experiência única, nos permitindo sentir o pulso de como as reações que estiveram na base da constituição deste movimento poderiam estar em sintonia com a luta pelo socialismo. A linha política de nosso partido foi desenvolvida sem fazer nenhuma concessão do ponto de vista da perspectiva de uma revolução socialista, considerando a política de alianças como um fenômeno interno aos setores da classe trabalhadora, e identificando qualquer parte das classes exploradoras não como amigos, mas como inimigos em qualquer instância. A opinião muito presente de que esta linha política teria fôlego curto recebeu um duro golpe durante o movimento popular deste ano.
É fato que a esquerda na Turquia, incluindo o TKP, geralmente recebe votação muito pouco expressiva nas eleições. Isto se deve a um conjunto de razões: estrutura peculiar do cenário político em nosso país; gatilho eleitoral de 10%; laços fracos entre as forças progressivas e o povo, já que aquelas têm de gastar boa parte de sua energia focadas em sobreviver aos ataques perpetrados pelo Estado.
Entretanto, a “Resistência de Junho” mostrou que a dinâmica social pode amadurecer muito rapidamente. Ela pôs de volta na Turquia, que era considerada um “país estável” pela ordem capitalista, a batalha política. E isto nos revelou alguns tesouros mais valiosos do que qualquer experiência prática eleitoral.
Milhões de pessoas se levantaram contra as tentativas do governo do AKP de impor o modo de vida islâmico. Desde o princípio, o TKP trabalhou na linha de resistência a estas imposições, criticando e mesmo se isolando de uma posição irracional de “esquerda” que considerava que “este assunto não nos diz respeito”. Lutar contra a islamização da estrutura política “secular” é válido e correto mesmo em casos onde o secularismo está associado à hipocrisia da classe burguesa, como acontece na Turquia.
Como partido patriótico e secular da classe trabalhadora, o Partido Comunista da Turquia não ficou surpreso quando milhões se levantaram, nem preocupado com a complexidade ideológica do movimento. Nós sequer cogitamos a possibilidade de dourar a pílula quanto à raiva dirigida ao partido governante da Turquia e a Erdoğan e estimulamos a paixão das pessoas pela liberdade e a independência através da referência socialista. Buscamos manter e afiar estes sentimentos e as demandas que vêm deles.
Buscamos um caminho no interior das lutas para trazer o debate sobre o socialismo enquanto alternativa às contradições de classe, e mostrar que a burguesia foi a responsável direta pelo que estava acontecendo.
E se configurou uma situação em que mesmo massas desejosas de uma solução rápida perceberam e defenderam de maneira muito comprometida que liberdade e independência são impossíveis sem socialismo. Tocados pelo fato de que o TKP persistentemente e sinceramente espalhava a verdade sobre o que está acontecendo na Turquia, alguns dentre os mais enérgicos e decididos militantes pediram o ingresso em nosso partido, enquanto outros se aproximaram como amigos permanentes. Ainda mais: grandes massas começaram a discutir a necessidade de um partido, o que seria inconcebível há poucos anos.
Este método de lutas é útil apenas porque há bom embasamento ideológico e político. Sabemos que, no passado, o movimento da classe trabalhadora sofreu muito na Turquia e em outros países por ter escolhido se limitar às demandas imediatas das massas e ter desistido do socialismo enquanto meta.
Em nosso caso, o TKP prefere atuar de acordo com algumas diretrizes vermelhas.
Primeira e mais importante: não buscar alianças ou contatos com qualquer setor da classe burguesa exceto estratos pequeno-burgueses que vivem de seu próprio trabalho, e não colaborar com círculos políticos burgueses. Este é o modo de se distanciar de nacionalismo e liberalismo, que consideramos gêmeos.
A segunda diretriz vermelha: não mencionar qualquer termo ou expressão em nossos documentos, atividades ou discursos que jogue sombra sobre nosso compromisso com a “revolução socialista”, marcada em nosso programa partidário.
Podemos falar de mais “linhas vermelhas” que foram desenhadas por desenvolvimentos concretos no mundo e em nossa região. O TKP não vai tolerar nenhum tipo de fundamentalismo religioso e se opõe ao uso de referências religiosas na vida política. O TKP faz parte da luta carregando o princípio absoluto da luta anti-imperialista, contra projetos, organizações e agressões imperialistas e sabendo que não há algo como um imperialismo menos pior ou preferível!
Graças a estas linhas vermelhas, nosso partido avaliou o governo do AKP corretamente, e não cedeu à posição tragicômica de outras forças políticas; mais importante, consideramos nossos princípios não como algo sagrado no campo da política, mas como armas confiáveis que fortalecem a luta pelo socialismo.
Assim o TKP conseguiu organizar uma grande manifestação pública em Istambul no 90º aniversário de fundação da República da Turquia. Afirmamos que “a fundação da república foi um progresso histórico” e explicamos “o que se tornou a ideia de república nas mãos da burguesia” para as pessoas que se somavam à manifestação, que ouviam os comunistas pela primeira vez e não conheciam as posições sobre o conteúdo de classe nas demandas por laicidade e independência. Nossas palavras eram simples: “se vocês querem um país independente e secular, têm que libertar o país deste sistema capitalista explorador”! Dezenas de milhares de pessoas carregaram a bandeira da “República Socialista” contra o AKP e nos ouviram por horas.
Nós sabemos que este é apenas um início. Mas também aprendemos algo: quando se segue uma linha política corajosa e efetiva, não se deve afrouxar, mas sim encontrar os caminhos para fortalecer os princípios, o programa político e o rumo. E é isso que estamos fazendo. Lutar pelo socialismo significa lidar com questões ideológicas e políticas complexas, que têm ligação aberta ou velada com contradições de classes. Subestimar estas questões em nome da contradição de classes nã funciona. O mesmo ocorre quando se perde a essência da política revolucionária: a tomada do poder político.
O levante popular na Turquia esse ano mostrou claramente que um partido que não tenha um caráter secular e patriótico não terá lugar entre o povo. Há ainda uma conclusão adicional que não é menos importante: sem a mira claramente apontada para o socialismo, não há necessidade de um partido comunista. Há outras forças, entretanto, que se sentem bastante à vontade de jogar por dentro o jogo do sistema político burguês.
Nós pensamos que o movimento comunista mundial, em todo caso, deveria evitar abordagens mecânicas e sectárias, defender a atualidade e a necessidade do socialismo e experimentar uma ruptura radical com as forças imperialistas, burguesas e reacionárias não apenas em palavras, mas na prática.
Morte ao capitalismo!
Vida longa ao socialismo!
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)