Comunista nascido em Panelas revive em biografia relançada em Caruaru
Livro tem declarações de Anita Prestes, Ziraldo, Niemeyer e Ferreira Gullar.
Jael Soares
Do G1 Caruaru
“Memórias”, a autobiografia do comunista Gregório Bezerra – ícone da luta revolucionária –, é relançada nesta quinta-feira (12) em Caruaru, no Agreste pernambucano. O livro foi publicado em 1979 e possui contribuições da historiadora Anita Prestes, do poeta Ferreira Gullar e do jornalista Roberto Arrais, integrante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Na reedição, recebeu fotografias e textos inéditos, além de declarações do arquiteto Oscar Niemeyer, do cartunista Ziraldo, da advogada Mércia Albuquerque e do governador Eduardo Campos. Tem ainda participação de Jurandir, filho de Bezerra. (Leia abaixo trechos da obra)
O evento ocorrerá na Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras (Acaccil), a partir das 19h, contando com debate aberto. Está confirmada a presença de Roberto Arrais e do maestro Mozart Vieira, da Orquestra Sinfônica dos Meninos de São Caetano. Este regente conheceu o comunista nos movimentos estudantis no Recife. “Nasci em 5 de outubro de 1962 e minha geração toda foi, no fato de formação, em todo o período de ditadura, depois de 1964. E fui naturalmente estudante na década de 1970 e, logo cedo, fui simpatizante de Gregório Bezerra. Acompanhei toda a trajetória política dele. Ele era um sujeito cosmopolita, à frente dos tempos, com ideais de liberdade, de ir e vir do cidadão”, conta o Mozart, que promete uma apresentação de músicas autorais e da época para o lançamento.
Bezerra, de igual modo, estava à frente do próprio PCB, segundo relembra Roberto Arrais. “Ele recebia críticas, porque alguns intelectuais do partido achavam que tinham de seguir os manuais. Mas, ele conseguia traduzir, pela simplicidade, para o camponês e para as pessoas religiosas, a questão do que era a luta espiritual e da luta material. Alguns não permitiam que os religiosos participassem. Ele admitia e dizia que, para ser comunista, tinha que se lutar pela igualdade, nã o pelas condições materiais”.
Arrais conta que o revolucionário era um líder legítimo, tranquilo e otimista. “Gregório venceu uma série de desafios com relação à sobrevivência, por ter nascido no Agreste, numa área de seca, ser filho de camponeses. Depois, foi para a cidade com dez anos, foi menino de rua, começou a trabalhar aos quatro anos de idade, morou debaixo das pontes, vendeu jornal e conseguiu ser ajudante de pedreiro”, quando participou de uma greve e foi preso pela primeira vez. “Gregório é um símbolo da luta, da resistência. É um símbolo do herói nacional, do cotidiano”.
De agricultor a deputado federal
Gregório Bezerra nasceu no município de Panelas, também no Agreste, em 1900. Logo nos primeiros cinco anos de vida, perdeu os pais e passou a trabalhar na lavoura de cana-de-açúcar, permanecendo analfabe to até os 25. Isto, porém, não o impediu de enveredar pela luta revolucionária desde os 17 anos, sob influência da Revolução Russa de 1917. A militância lhe rendeu 23 anos de cárcere no país e o exílio – primeiro em Cuba e depois na Europa, até 1979, onde escreveu “Memórias”. Em passagem da época, o comunista ressaltava a compreensão do humano: “Não luto contra pessoas, luto contra o sistema que explora e esmaga a maioria do povo”.
Dentre os episódios mais chocantes vividos por Bezerra, ainda no Brasil, estão o dia em que foi arrastado por ruas de Recife na recém-instalada Ditadura Militar, em 1964, e a troca da liberdade dele pela liberdade de um embaixador sequestrado, em 1969. De acordo com a Boitempo Editorial (que relança a obra), as reflexões, a vida no Agreste e os momentos de glória também são relembrados. Um destes é a votação em que Gregório Bezerra foi eleito deputado fed eral em 1946.
Ele também participou em Pernambuco da Luta Antifascista em 1935, da Anistia em 1945, da Constituinte deste mesmo ano e foi amigo de Luiz Carlos Prestes, bem como de Miguel Arraes. Morreu em novembro de 1983, depois da segunda Anistia. A reedição do livro dele, que tem 648 páginas, já foi lançada em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife. No site da editora, a obra é adquirida por R$ 78.
Trechos do livro
Infância
“Foi o Natal mais farto e rico de alegria a que assisti durante os nove anos e dez meses de minha vida. Além disso, ganhei dois metros de algodãozinho para fazer duas camisas, porque só tinha uma e velha, que já estava virando farrapo. Aproveitei a cumplicidade de vovó e pedi-lhe que me fizesse uma camisa e uma calça, em vez de duas camisas. A velha topou as minh as antigas pretensões. Entretanto a costureira, que foi a minha tia Guilhermina, em vez de me fazer uma calça, fez uma ceroula grande, de amarrar acima do tornozelo. Deram-me para vestir. Achei bonita e até mais bonita do que uma calça, porque me fez lembrar do meu falecido avô, que, quando vivo, somente vestia ceroulas compridas amarradas no tornozelo. Calça só vestia quando ia à feira ou em visita aos domingos. Afinal, todos aprovaram a ceroula, menos minha irmã Isabel. Ganhei a “batalha” de anos atrás, quando pleiteei uma calça no sítio Goiabeira. Era feliz, agora, e me sentia homem. O Natal e Ano-Novo serviram para minhas exibições de ceroulas compridas e camisa fora da calça.”
Militância
“Voltei à rua, tentando ver se alguns operários haviam chegado. Não havia ninguém. Fiz um ligeiro comício para os pequenos grupos que se aglomeravam nas sacadas dos prédios vizinhos, concitando-os a pegar em armas, sob o comando do camarada Luiz Carlos Prestes. Fui aplaudido das varandas por alguns estudantes que ali moravam. Mas o apoio, infelizmente, não pas sou dos aplausos. Um oficial tentou prender-me, pedindo-me que, pelo amor de Deus, eu me rendesse. Ao chegar a dez metros de mim, apontei-lhe o fuzil e o fiz recuar. Vinha chegando um sargento radiotelegrafista que, de longe, perguntou-me o que havia. Respondi-lhe que, se quisesse lutar pela Aliança Nacional Libertadora, tinha um lugar a sua disposição; se não, caísse fora enquanto era tempo.”
Serviço
Lançamento do livro “Memórias”, de Gregório Bezerra
Local: Academia Caruaruense de Cultura, Ciências e Letras (Acaccil)
Endereço: Rua Quinze de Novembro, C entro
Dia: quinta-feira (12)
Hora: a partir das 19h
Entrada: gratuita.