HOMENAGEM AO CAMARADA MARCOS CARDOSO FILHO NO IFSC
Era o começo da primavera, no meio dos anos em que as flores vieram com as cores das balas dos generais, naquele 22 de setembro de 1976, Marcos Cardoso Filho então professor da Escola Técnica Federal de Santa Catarina – ETFSC, atualmente IFSC, foi conduzido as dependências da mesma para que os militares fizessem seu julgamento. Seu crime: lutar contra a barbárie do autoritarismo daquele regime e que predomina sobre todo o capitalismo.
Neste 22 de setembro de 2014, também começo da primavera, os dirigentes do IFSC, fazem pedido de desculpas, por ter a instituição permitido que os desmandos da ditadura ocorressem em suas dependências. Para tanto, a referida instituição fez um documentário: História recontada: Professor Marcos Cardoso Filho e a ditadura na escola técnica, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6ExVQd_NHjI.
Os militantes do PCB e da UJC de Florianópolis lá estiveram e a camarada Bernadete Wrublevski Aued fez a seguinte intervenção:
“SINGELA HOMENAGEM AO CAMARADA MARCOS CARDOSO FILHO
Recebi a incumbência da célula de base do Partido Comunista Brasileiro (PCB) “Manoel Alves Ribeiro”, ou simplesmente ”seu Mimo” de homenagear Marcos Cardoso Filho (in memoriam), por ocasião da exibição do documentário “História recontada: professor Marcos Cardoso Filho e a ditadura na Escola Técnica”. Produzido pela IFSC/TV o filme foi exibido no auditório da Reitoria do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), no dia 22 de setembro de 2014, em Florianópolis. Nestes locais de trabalho e de exercício profissional, Marcos Cardoso Filho pertencia à galeria dos professores esquecidos. Na década de 1970, coincidentemente o professor Marcos Cardoso Filho, do IFSC e da UFSC, também é dirigente do PCB em SC. Em 1975 é preso e torturado na Operação Barriga Verde. O Exército fez uma das audiências do seu julgamento no próprio IFSC, levando o professor algemado na frente dos alunos. Paga, em decorrência um severo tributo: negam-lhe legitimidade em vida e lhe prestam homenagem somente após mais de três décadas e depois de morto. A homenagem é um pedido de desculpas dos dirigentes da instituição e uma resposta à solicitação do Coletivo Catarinense Memória, Verdade, Justiça ao professor Marcos, morto posteriormente num acidente na Lagoa da Conceição no dia 22 de dezembro de 1983.
A rememorização do desastre ocorrido com Marcos enche meus os olhos d’água e embarga minha voz, até hoje. A última vez que conversamos, na Lagoa da Conceição onde moramos, Idaleto e eu, deu-se um pouco antes do acidente. Conhecemos Marcos por intermédio de Eliane Mota, simultaneamente, estudante de economia da Universidade Federal de Santa Catarina, membro do centro acadêmico e do Partido Comunista Brasileiro (PCB).
O camarada Marcos tinha regressado a Florianópolis, estava feliz por ter defendido sua tese de doutorado na USP. Neste encontro disse-nos encontrar-se um pouco apressado, pois mesmo às vésperas do Natal iria dar um passeio em seu barco a vela, com familiares. Estando fora da cidade há alguns anos, não percebeu que a rede de energia elétrica havia sido instalada, às pressas, para a população da Costa da Lagoa, uma rede que foi inaugurada um dia antes das eleições de 1982. A imprudência associada à imperícia de parte de funcionários da CELESC interrompe abruptamente 6 trajetórias. Neste dia perdem a vida o camarada Marcos e Eliane. Além disso, também foram ceifados: de Daniel Maravalha Cardoso, 4 anos, (filho do próprio Marcos e de Marise Maravalha) do sobrinho André Cardoso Bittencourt, 7 anos, (filho de sua irmã Rosimeri Cardoso e de Heitor Bittencourt), da sobrinha Manoela Cardoso Garcia, 5 anos e de sua irmã Regina Cardoso, 19 anos.
Minha memória não guarda lembranças somente do excelente professor Marcos que seus ex-alunos atestam. Marcos tinha a rara qualidade de ser, ao mesmo tempo, profissional em Física, doutor e professor militante. Seu humanismo nada tinha de abstrato, ou cristão, tinha uma origem e um destino, motes de um compromisso social e político: a miséria de uma sociedade desigual e autoritária. Desde a sua juventude é militante comunista. Com 17 anos, estudando no Colégio Governador Celso Ramos, em Joinville, conhece militantes do PCB e, depois se junta a eles. Por isso, luta na antiga Escola Técnica, hoje (IFSC), aprendendo a distinguir entre a justa indignação que incita ao engajamento e o rancor, que leva ao apassivamento. De forma similar ao que Hobsbawm sugere aos sapateiros, Marcos torna-se conhecido na história catarinense por sua radicalidade política junto aos movimentos sociais. Se ocorria uma mobilização estudantil? Lá estava Marcos. Se surgia uma greve de professores ou um movimento dos mais diversos, dentro da escola? Lá estava Marcos. Se surgia uma roda de samba? Lá estava Marcos estimulando a que se cantasse música popular do Brasil, em especial as de protesto como “Caminhando e cantando” (Geraldo Vandré), “Pau de arara” (Carlos Lira e Vinicius de Moraes), “Roda Viva” (de Chico Buarque).
Ademais de ganhar a vida como professor, de dividir com a mãe a lida da casa, enquanto comunista, agitava, distribuía o Jornal do Partido Comunista Brasileiro (PCB), “A voz da Unidade”, escrevia e divulgava panfletos. Dessa maneira o jovem Marcos vai tecendo fios que irão compor a singularidade de uma trajetória de professor que atua dentro do movimento comunista em terras catarinenses, isto é, faz política pelo avesso. A homenagem in memoriam e tendo-se passado várias décadas do seu desaparecimento é muito mais do que registro de fatos, é instituir um exemplo. Esta escolha não é casual, nem tampouco meramente científica. O esquecido professor Marcos agora integra uma hierarquia de relevância no quadro de professores consagrados do IFSC. Pode ser professor e ser comunista, não é crime. E é assim que Marcos Cardoso Filho passa a ser visto: um professor rebelde, dotado de uma ampla cultura e visão de mundo.
O golpe de 1964 ou os anos de chumbo na história brasileira e os subsequentes, de perseguição aos ‘vermelhos comunistas’, não arrefecem os ânimos de Marcos. Ao contrário, continua a lutar, como nunca, pelo fim da sociedade capitalista e paga, em decorrência, um preço elevado prisões e de ameaças de perda da sua integridade física.
O estudante Marcos completa a sua formação profissional num itinerário que pode ser resumido a “uma vida de muitas lutas” no movimento estudantil, profissional e comunista num cenário em que reina uma sucessão de muitos desmandos e de semilegalidade. Intimidações, prisões e violência física atravessam o seu percurso. Passa a ser vigiado e fichado na Secretaria de Segurança e Informações; em 1975 é ‘sequestrado’, preso e torturado pelo DOI-CODI, na operação Barriga Verde. Dentro da prisão vive um dos piores momentos de sua vida. Faz greve de fome em abril de 1977. Na prisão amarga, muitos dias. Quer retornar ao ensino de física como o demonstram os seus diversos bilhetes e petições escritos na cadeia. A dor a ele causada não decorre de seus gestos impensados, mas da sociedade ditatorial em que vive. É, assim uma dor social.
Depois, retorna ao convívio profissional, luta pela redemocratização do Brasil, Diretas Já, Anistia aos Presos e Exilados Políticos.
O seu tempo é o tempo de resistência, de atuação em diversos movimentos sociais, não de perplexidade, de contemplação, de paralisia, mas de luta de quem sequer vê uma luz ao final do túnel.
Marcos luta muito, porém sua vida é abrupta e precocemente interrompida.
No dia do seu enterro cobrimos o seu caixão com a bandeira do PCB, era só o que poderíamos fazer naquele momento de grande indignação.
Hoje, diante desta plateia tão atenta penso que a interrupção da trajetória de Marcos militante está sendo de alguma maneira retomada. Marcos lutou muito e hoje posso dizer que marcou época (como muito bem registra documentário). Todavia ele não está entre nós, talvez alguém tenha que lutar por ele.
Se souvenir, do francês significa trazer a tona o que está submerso. E mais, é reter, é conservar o passado, então lembrar é viver, é ensinar a ter projeto, é sonhar alto, é desfraldar a bandeira símbolo que Marcos honrou. Que ela continue tremulando, que a miséria provoque indignação! Se Marcos estivesse vivo diria como Oscar Niemayer:“Enquanto houver miséria e opressão, ser comunista é nossa decisão”, lembra Niemayer. Por isso, como Marcos queremos a superação da sociedade capitalista como fim da propriedade privada burguesa e tudo o que dela decorre.
Para concluir faço minhas as palavras de Bertolt Brecht:
O comunismo?
Ele é razoável. Todos o compreendem. Ele é simples.
Você, por certo, não é nenhum explorador. Você pode entendê-lo.
Ele é bom para você. Informe-se sobre ele.
Os idiotas dizem-no idiota e os porcos dizem-no porco.
Ele é contra a sujeira e contra a estupidez.
Os exploradores dizem-no um crime,
mas nós sabemos
que ele é o fim dos crimes;ele não é a loucura e sim o fim da loucura.
Não é o caos e sim uma nova ordem [social].
Camarada Marcos Cardoso Filho!
Presente!
Eliane Motta!
Presente!“