A “guinada à direita”…

Dario da Silva*

Artigo recente (21/11/2014) de André Barrocal, na Carta Capital, intitulado “Dilma prepara guinada à direita na economia“[1], é ilustrado com uma foto de Dilma tomando chimarrão.

Uma imagem associada a uma matéria implica uma vinculação simbólica.

No caso, a ilustração possui pelo menos três significados facilmente identificáveis, Dilma (Presidência da República), o chimarrão (cultura gaúcha ou sulina) e a cor vermelha da sua roupa.

Dilma de vermelho é uma presença simbólica frequente nas ilustrações. Porém, o chimarrão não é comum. Por mais ambivalente que seja o significado, uma das vinculações é a identidade cultural (ícone da cultura gaúcha) presente na foto e a tônica da notícia (guinada à direita).

Na melhor das hipóteses, a associação foi entre o segundo mandato e a “guinada à direita”. Mesmo com ausência de intenção, há pelo menos um descuido, que revela um tratamento diferente daquele observado durante polêmica pós-eleitoral sobre o Nordeste. Considerando que o PT foi derrotado no Rio Grande do Sul e considerando também a polarização Sul x Nordeste, não é possível descartar a intenção de vincular o Sul à “guinada”. Esse link pode ser feito sem cometer o mesmo preconceito direcionado recentemente ao Nordeste?

Seja como for, nem na origem nem no processo a cultura gaúcha pode ser associada à direita. Tal operação (voluntária ou não) é uma simplificação preconceituosa!

Um estudo exploratório da literatura sobre a Histórica Platina[2] mostra que na origem o gaúcho surge como síntese das lutas de resistências das classes e frações de classe mais subalternizadas do período platino. Índios, negros, desertores do exército etc. Mesmo com a apropriação contemporânea pelo movimento Tradicionalista no campo cultural, não podemos falar em homogeneidade, pois há contrapontos, o Nativismo é um exemplo.

Como em qualquer Estado brasileiro, no Rio Grande do Sul existem contradições e não homogeneidade. O mesmo vale para as regiões, inclusive o Nordeste!

Mas a cultura gaúcha não é o foco principal abordado aqui, serve apenas para mostrar um aspecto do discurso governista, que é a incoerência interna. Neste caso se revela na medida que o governismo saiu em defesa do Nordeste[3], mas ataca o Rio Grande o Sul sob o mesmo método, o que demonstra conveniência e não a virtude de combater coerentemente todas as formas de preconceito, como era de se esperar.

Agora vamos considerar a análise acima como um simples vício semiológico do autor deste artigo e levar a cabo uma avaliação um pouco mais abrangente.

Cabe perguntar sobre o significado da afirmação contida no título da matéria citada. Desde quanto Dilma pode dar uma guinada à direita? Não pode dar uma guinada à direita um governo que já está com a direita! Mais adequado seria afirmar que este governo será mais à direita do que o anterior.

Se revela então outro aspecto que marca a posição governista, certamente o mais importante, se refere à sua correspondência com realidade. Na última campanha, principalmente no segundo turno, a tática discursiva governista foi o “combate a direita”. Este espasmo de esquerda[4], esta suposta cruzada contra a direita, carecia de substância mas funcionou como arma poderosa para chantagiar a esquerda[5] e impor o “voto crítico” em Dilma.

A justificação retórica de uma posição se sustenta de forma completamente estática? Não! Pelo menos na aparência ela deve mudar.

A tese do “governo em disputa”[6] cumpriu um papel justificador para o governismo até que a realidade o demonstrou. O discurso precisava mudar, mesmo que na aparência. Não apenas isso, precisava dar uma aparência de coerência com a proposta que elegeu Lula.

Da mesma forma, o “combate a direita” não tem substância real, não resiste a uma análise séria dos governos do PT ou pelo menos do primeiro Governo Dilma[7]. Inclusive, era previsível que o segundo Governo Dilma seria mais à direita que o primeiro[8].

Podemos identificar pelo menos três funções que cada variação no discurso governista cumpre:

1) justificar a defesa do governo;

2) dar uma aparência de coerência com análise da realidade;

3) dar uma aparência de coerência com o discurso anterior.

A realidade desvelou a inconsistência do “combate a direita” e exige uma nova equação. Agora surgiu a tese da “guinada à direita”.

O governismo é mascaramento da realidade, é uma ideologia justificadora dos governos do PT, mais precisamente, na formulação de Marx sobre o debate econômico na Inglaterra no seu tempo, apologia. A mediada que se acirrou a luta de classes naquele país, a pesquisa deu lugar ao pugilato profissional pago, a investigação científica foi substituída pela má consciência e a má intenção da apologética[9]. A similaridade é patente!

Este fenômeno não é um cíclico que pode se repetir ad eternum. É degenerativo, ou seja, são momentos do mesmo processo de recuo. São governos à serviço da burguesia, mas (inversamente ao discurso) cada vez mais à direita.

A relativização da “guinada à direita” e sua utilização como justificação, ensaiada em artigo de Rui Daher, na Carta Capital, afirma que “Katia Abreu pode ser uma escolha acertada“[10]. A dificuldade de defender a posição é tão grande que convergiu com o antagonista da Veja, Reinaldo de Azevedo[11].

A margem de manobra da apologética governista vai diminuindo a cada novo passo, até o momento em que se inviabilizará.

*Dario da Silva é mestrando em Patrimônio Cultural pela UFSM e membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro – PCB.

Notas:


1. “Dilma prepara guinada à direita na economia”, <http://www.cartacapital.com.br/economia/dilma-prepara-guinada-a-direita-na-economia-9646.html>, (Acesso: 25/11/2014).

2. “O SURGIMENTO DA IDENTIDADE GAÚCHA NO CONTEXTO PLATINO E A DISPUTA CULTURAL”, <https://dariodasilva.wordpress.com/2014/05/21/o-surgimento-da-identidade-gaucha-no-contexto-platino-e-a-disputa-cultural/>, (Acesso: 25/11/2014).

3. “Contra preconceito, Lula sai em defesa do NE e dos nordestinos”, <http://www.opovo.com.br/app/opovo/radar/2014/10/08/noticiasjornalradar,3327886/contra-preconceito-lula-sai-em-defesa-do-ne-e-dos-nordestinos.shtml>, (Acesso: 25/11/2014).

4. “Esquerda Sazonal”. <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/vladimirsafatle/2014/09/1516545-esquerda-sazonal.shtml>, (Acesso: 25/11/2014).

5. “Introdução à crítica da razão chantagista”. <http://dariodasilva.wordpress.com/2014/11/17/introducao-a-critica-da-razao-chantagista/>, (Acesso: 25/11/2014).

6. Registro do debate no primeiro Governo Lula: “Governo em disputa”, <http://www.correiocidadania.com.br/antigo/ed348/editorial.htm>, (Acesso: 25/11/2014). Registro recente: “Recados eleitorais para a nova etapa do jogo político”, <http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=7927>, (Acesso: 25/11/2014).

7. “A gestão do capitalismo no governo da srª Dilma”, <http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=3941>, (Acesso: 25/11/2014). “GOVERNO DILMA ACIONA AS FORÇAS ARMADAS PARA A REPRESSÃO AOS MOVIMENTOS SOCIAIS “, <http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=7672>, (Acesso: 25/11/2014). “Dilma se rende à Lei e Ordem: a ditadura da burguesia mostra a sua cara”, <http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=7004>, (Acesso: 25/11/2014).

8. “Nem Aécio nem Dilma: PCB seguirá na luta pelo Poder Popular e pelo Socialismo”, <http://pcb.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=7868>, (Acesso: 25/11/2014).

9. “Posfácio à Segunda Edição Alemã (1872) do Primeiro Volume de «O Capital»)”, <http://www.marxists.org/portugues/marx/1873/01/24.htm>, (Acesso: 25/11/2014).

10. “Katia Abreu pode ser uma escolha acertada”, <http://www.cartacapital.com.br/politica/katia-abreu-3658.html>, (Acesso: 25/11/2014).

11. “Joaquim Levy e Kátia Abreu, futuros ministros de Dilma, começam bem: as esquerdas ficaram furiosas! Sem dúvida, é um bom sinal!”, <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/joaquim-levy-e-katia-abreu-futuros-ministros-de-dilma-comecam-bem-as-esquerdas-ficaram-furiosas-sem-duvida-e-um-bom-sinal/>, (Acesso: 25/11/2014).

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