Com Syriza a Grécia continua atrelada à Troika, à OTAN e ao mercado!
De Roma para o Correio da Cidadania, Segunda, 21 de Janeiro de 2015.
Pouco antes do Natal, o influente jornal alemão, Handelsblatt, publicava um editorial onde eram citadas as declarações do carismático líder do Syriza (Partido da Esquerda Radical), Aléxis Tsipras, provocando o desencanto em muitos setores da sociedade grega que, ao votar no novo partido, acreditavam que com ele a Grécia poderia reconquistar a soberania e reconstruir a economia depois dos desastres provocados pela “Troika” (União Europeia, FMI e BCE).
No editorial do Handelsblatt, Aléxis Tsipras dava a entender, bem claramente, que acabou a fase dos protestos de rua e das palavras de ordem contrárias à União Europeia, visto que com a transformação do movimento em partido, a prioridade foi dotar o Syriza do necessário pragmatismo político para gerenciar o futuro governo de colisão que Aléxis Tsipras deverá formar após as eleições de 25 de janeiro.
Por isso, para tranqüilizar o mercado e, sobretudo, os tecnocratas da União Européia, Alexis Tsipras declarou ao Handelsblatt:”…O governo liderado por Syriza respeitará todas as obrigações que a Grécia assumiu, enquanto membro efetivo da Eurozona, visando alcançar o equilíbrio orçamental e procurando atingir os objetivos fixados no âmbito da União Européia…”
Depois, no dia 20, isto é na véspera das eleições, Aléxis Tsipras para ganhar o voto dos moderados e dos indecisos e assim alcançar um majoritário 35%, recorreu ao jornal conservador britânico, Financial Times, para prometer:”…O futuro governo chefiado por Syriza vai manter todos os compromissos que a Grécia assumiu anteriormente com a União Europeia em matéria orçamental e para eliminar o déficit. No mesmo tempo pretendemos introduzir na Grécia um novo contrato social para fechar o ciclo da austeridade e, consequentemente, alcançar a estabilidade política e a segurança econômica…”.
Os “brokers” do mercado adoraram as declarações de Tsipras, enquanto em Bruxelas, o poliglota presidente do BCE, Mario Draghi, comentava alegremente em francês “…Enfin Aléxis c’est pás um enfant terrible! (Afinal esse Aléxis não é um garoto mau!). Consequentemente a bolsa de valores de Atenas voltou a subir, depois da recaída no fim de novembro, quando a revista alemã Der Spigel, alinhando-se a posição dos falcões do Parlamento Europeu, publicou uma reportagem sobre a possível saída da Grécia da Eurozona, enfocando, por isso, a antiga militância comunista de Aléxis Tsipras e as vertentes esquerdistas (maoístas e trotskistas) do novo partido Syriza, como elementos fundamentais para impor ao novo governo a decisão de abandonar a União Européia e de voltar a inflacionadissima drakma, a antiga moeda da Grécia.
A provocatória reportagem do Der Spigel não teve efeitos e foi desmentida até por Ângela Merkel, visto que os emissários do BCE e, sobretudo, da Comissão Europeia estavam negociando “em off” com Alexis Tsipras o futuro programático da Grécia, do momento que o governo do direitista Antonis Sâmara estava com os dias contados. Não é casual que o presidente do BCE, Mario Draghi, nesses dias foi citado em todos os noticiários das TV européias dizendo: “…haverá uma flexibilização orçamental para aumentar a liquidez em cada país da União Europeia, o que permitirá a economia de respirar com novas fontes de financiamentos…”.
Imediatamente Alexis Tsipras se alinhava às posições de Mario Draghi explicando que o novo curso da Grécia não vai desatender as regras fixadas em Bruxelas visto que : “…o governo liderado por Syriza vai renegociar a divida e alongar os tempos para seu pagamento, de forma a permitir a economia de sair da austeridade para assumir o crescimento…”
A crise econômica e a evolução do SYRIZA
Em 2008 a crise econômica global atacou profundamente a economia da Grécia que não estava minimamente preparada para reagir como fizeram os outros paises da União Européia. Pelo contrario, a crise se aprofundou tornando-se sistêmica ao multiplicar as nefastas conseqüências desse processo, isto é: especulação, recessão, corrupção, fraudes, evasão fiscal, perda da soberania, economia ilegal (trabalho negro, contrabando e narcotráfico) e, sobretudo o desemprego, que em 2009 atingiu 9,65% da população ativa.
Este contexto evoluiu ao ponto de desagregar por completo a economia da Grécia, que com as rígidas medidas de austeridades impostas pela “Troika” (União Europeia, FMI. e BCE) implodiu. Por isso, hoje, 26,4% da população ativa grega está desempregada. Porém, na computação dos efeitos da crise se deve somar mais 6% de trabalhadores gregos desempregados que renunciaram procurar emprego pelos canais oficiais do momento que trabalhavam sem contrato. A metade desse “exército de reserva” não recebe mais o subsídio desemprego ou outras formas de auxilio econômico, a não ser a ajuda alimentar das igrejas e dos inúmeros grupos de “mútuo socorro solidário”, que surgiram sobretudo em Atenas, Salonicco, Patrasso, Peristeri e Larissa.
A Grécia conta com uma população de quase 11 milhões, de que quatro vivem em regime de pobreza. Outros dois milhões de gregos sobrevivem no âmbito da pobreza absoluta e um milhão e meio já está rebaixado no nível zero, isto é vivem em condições abaixo da pobreza. Por isso tudo, para os estrategistas de Bruxelas a evolução política e econômica da Grécia, se tornou um pesadelo do momento que o Partido Comunista da Grécia e a Frente Militantes de Todos os Trabalhadores (PAME) fatores da ruptura política com a União Europeia e a OTAN, poderiam fazer explodir a qualquer momento a rebelião popular.
Por absurdo, todas as vezes que a PAME conclamou as forças da esquerda para manifestar unitariamente nas greves gerais, houve sempre uma dissensão com a nova esquerda (Synaspismos, Akoa, DEA e KEDA). que depois, em 2004, com a formação do SYRIZA (Coalizão da Esquerda Radical) manifestou abertamente sinais de hostilidade política aprofundando a campanha anti-comunista.
Um processo que a imprensa helênica e a europeia exploraram “ad hoc”, contribuindo ao fortalecimento do mito do SYRIZA, que é apresentado como a formação política mais radical da esquerda grega, chefiada por lideranças que haviam rompido com o marxismo-leninismo do KKE, juntamente a outras de origem maoísta, trotskista, ecologista e social-democratas que questionam a política financeira da União Européia sem desejar a ruptura.
Foi nesse âmbito que Aléxis Tsipras, em 2006, concorreu à prefeitura de Atenas liderando a lista “Anohiti Poli” (Cidade Aberta). Durante a campanha eleitoral Tsipras prometeu um amplo programa de medidas radicais em favor dos pobres tornando-se, assim, o novo líder da então Coalizão da Esquerda Radical (Syriza).
Esquerda ou Social-democracia?
A complexa evolução da crise econômica que atacou a União Europeia nos últimos dois anos e a atrelagem da Grécia à Alemanha, foram os elementos políticos do chamado “pragmatismo levantino”, com o qual Aléxis Tsipras direcionou a transformação do SYRIZA em um novo partido social-democrata, que nas eleições antecipadas de 25 de janeiro deverá enxugar ainda mais o antigo partido socialista reformista (PASOK), além de conquistar o voto dos moderados que ficaram descontentes com o partido direitista de Sâmaras e sobretudo dos indecisos da classe média que querem recompor seus privilégios econômicos.
Por isso, Aléxis Tsipras ao fechar a campanha eleitoral na praça Omionia de Atenas declarou:”…O medo acabou, a Grécia e a Europa vão mudar…Domingo vamos escrever uma nova história sem virar página. Simplesmente vamos mudar o tempo onde o SYRIZA vai assumir a responsabilidade histórica de abrir caminhos para uma política alternativa na Europa…A Grécia deixará a experiência neoliberal para seguir um modelo de proteção social e de crescimento…Realizando a renegociação da divida sem ações unilaterais…O nosso partido vai encontrar o meio para por fim a catástrofe da austeridade...”
Filtrando as palavras de Tsipras resulta evidente que SYRIZA, por um lado – mesmo com a maioria absoluta no Parlamento – vai fazer um governo de coalizão com o novo partido de centro-esquerda “To Potami” (O Rio), criado pelo jornalista Stavros Theodorakis, que no governo do direitista Sâmaras, foi nomeado governador do Banco da Grécia e que, segundo algumas fontes se entende muito bem com o presidente da BCE, Mario Draghi.
Por outro lado, o novo governo liderado por Aléxis Tsipras para diluir a promessa de realizar reformas estruturais radicais deverá recorrer aos programas emergenciais para poder controlar e atenuar as pressões das bases eleitorais que, de imediato, vão exigir medidas radicais para acabar com os programas de austeridade da União Europeia e com a agenda financeira imposta pela “Troika” (União Européia, FMI e BCE).
Se considerarmos que, em dezembro de 2012, o Comitê Central de SYRIZA aprovou uma moção que reafirma a manutenção da Grécia na União Europeia e que, portanto assume a participação no esquema estratégico da OTAN, é praticamente impensável que o novo governo irá em direção de uma ruptura política com Bruxelas. Também, é fora de discussão esperar que o governo de Syriza vá rejeitar a famosa agenda de austeridade imposta pela Comissão Europeia, inclusive por que o Banco da Grécia tem tempo até dia 25 de fevereiro para pagar uma parcela de sua divida, usando para isso a última cota de 1,8 bilhão de euros do pacote financeiro fixado pela “Troika” em 2013. Se o Banco da Grécia não efetua este pagamento no fim de fevereiro as agencias de rating e os institutos financeiros oficializarão o default (bancarrota) da Grécia.
Por isso, o ministro alemão das finanças, Wolfgang Schaeuble, no dia 18 de janeiro, no momento em que todas as agências de pesquisas e de sondagens eleitorais gregas e européias garantiam a vitória de SYRIZA, declarou com a máxima tranqüilidade:”…As novas eleições na Grécia não mudarão absolutamente nada na divida publica da Grécia. Qualquer governo que será eleito deverá respeitar e assumir os compromissos de seus precedecessores...”
De fato, Aléxis Tsipras garantiu a realização imediata de programas emergenciais para retirar da indigência e da pobreza extrema um ou até dois milhões de gregos e assim revitalizar a economia com o consumo. Algo que, de longe, faz lembrar a assistencial “Bolsa Família” do presidente Lula. Programas que não modificam o “status quo” dos títulos da divida, de que 80% estão em mãos da “Troika” e apenas 10% na posse dos bancos gregos.
Por outro lado, o SYRIZA nunca questionou a metodologia do pacote de ajuda financeira da “Troika” (254,4 bilhões de euro), de que 81,3 bilhões serviram para pagar as dividas contraídas com os bancos alemães franceses e britânicos; 48,2 para recapitalizar os bancos gregos e as filiais dos bancos estrangeiros operantes na Grécia; 40,6 para pagar os juros dos institutos financeiros e 34,6 para reembolsar as dividas dos privados. Praticamente 81% da ajuda financeira da “Troika” (204,7 bilhões de euro) foram desviados para o setor financeiro e apenas 4% (11,7 bilhões) foram destinados para cobrir as “necessidades de caixa” que a corrupção e as fraudes realizadas durante o governo de Antonis Samaras conseguiram esgotar em breve tempo.
Para finalizar a experiência neoliberal, impor um modelo de proteção social, redefinir o crescimento da economia e no mesmo tempo realizar a renegociação da divida o novo governo de SYRIZA deveria aprovar de imediato uma tríplice reforma: fiscal, tributária e patrimonial, para fazer pagar o custo da divida a todos aqueles que se beneficiaram: bancos, multinacionais, industriais, latifundiários, especuladores e a grande parte da classe média. Além disso Aléxis Tsipras deveria propor uma lei extraordinária para reduzir o orçamento das Forças Armadas que nesses anos de crise nunca baixou!!!
É claro que, hoje, o partido SYRIZA não é mais a Coligação da Esquerda Radical de 2004. Tornou-se um partido social-democrata que quer ficar no poder. Por isso, deverá garantir o controle social com a implementação de eficazes medidas emergenciais que atenuam o peso das medidas de austeridade. Por outro lado deverá responsabilizar-se pelo reforço da lucratividade dos financiamentos efetuados pela BCE, pelas novas normas de competitividade que serão introduzidas na economia (privatização e flexibilização), pela sistematização dos serviços públicos e “dulcis in fundo” por regulamentar, definitivamente nas costas dos gregos, o pagamento dos 254,4 bilhões que a “Troika” emprestou em 2013.
*Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV “Quadrante Informativo” e colunista do “Correio da Cidadania”