“Não apoiaremos o Syriza. Estamos contra a UE, a OTAN e as cadeias do capitalismo”
O eurodeputado do Partido Comunista da Grécia (KKE), Kostas Papadakis, afirma: “O Syriza deixou muito claro que não vai desafiar a UE nem a OTAN. Nós dizemos: que tipo de esquerda é essa?”.
“Não existe medo da UE ou do Syriza, não é a preferência da oligarquia, mas é a nova socialdemocracia, útil para o sistema”, assinala Papadakis, cujo partido aparece em algumas pesquisas acima do PASOK
Andrés Gil
24/01/2015 – 00:50h
O Partido Comunista da Grécia (KKE) não se transformou com o passar do tempo. O edifício, de estética arquitetônica soviética, está presidido por uma estátua de Lenin, a foice e o martelo. O eurodeputado do KKE, Kostas Papadakis, partido que não está ligado ao GUE – “apenas querem embelezar a UE” –, tem muito claro que estarão na rua contra o Governo de Alexis Tsipras, favorito para ganhar as eleições neste domingo, “desde o primeiro dia”. Por que? “Porque não é um partido revolucionário, está a favor da UE, a OTAN e o grande capital”.
A Grécia está virando à esquerda com a previsível vitória do Syriza?
Primeiro, é preciso esclarecer que o Partido Comunista da Grécia (KKE) deve estar mais forte após estas eleições. A mudança de Governo não mudará aspectos cruciais. A permanência do país na UE, o pacto de estabilidade e o memorando não desaparecerão. Esta agenda da UE terá continuidade. Todas estas medidas reacionárias continuarão.
O segundo fator é que a dívida do país continuará aqui. Nós lutamos para sair da UE e a completa anulação da dívida. Queremos sair da UE, porém com a condição de que se socializem os meios de produção. Agora, a gente precisa desafiar todo o poder da oligarquia. No dia seguinte às eleições, a oligarquia permanecerá aqui.
Por isso, pedimos ao povo que tenha isto na cabeça, porque depois das eleições, o povo continuará do outro lado. Nos anos que o Syriza, com 27%, esteve na oposição, o conflito social diminuiu. Nós dizemos que isso vale para a Espanha, onde no ano do surgimento do Podemos, caíram as mobilizações. As pessoas pensam que apenas com um voto podem mudar as condições de vida, porém dizemos que é importante acreditar que não existem salvadores e nem messias. O povo só irá salvar-se a partir de suas lutas, suas decisões e enfrentando a UE, OTAN e os monopólios.
Está comparando o Syriza com o Pasok ou a Nova Democracia?
O Syriza deixou muito claro que não vai desafiar a UE nem a OTAN. Que tipo de esquerda é esta? O termo esquerda tem bandeiras concretas: contra a UE, a OTAN, lutar para sair deles, enfrentar os empresários e a oligarquia. Os empresários já disseram que dão boas vindas ao ‘radicalismo do Syriza’. A mesma contradição vale para a UE, porém isto não muda a vida do povo. Escutamos sobre o programa de Draghi: possui uma condição, que existe no programa, o memorando. E o Syriza diz que continuará o programa europeu, com regras e medidas. A Nova Democracia diz que é preciso continuar com a dívida, o Syriza, com os cortes. Porém, nosso povo viveu os maiores cortes, que foram acompanhados das mais duras medidas para pagar a dívida. E já existem mais medidas para pagar a dívida. Mas isto é ocultado. Rena Dourou, presidente do Syriza da região de Attica, já fez o contrário do que disse.
Mas o Syriza diz que mudarão as coisas.
Dizem que eliminarão os memorandos, porém não têm exigências concretas. Que lei contra os trabalhadores serão modificadas? Sobre as aposentadorias? Todas essas medidas aprovadas pela Nova Democracia continuarão. O que propõe o Syriza? Dizem que apresentam o programa Salônica, pensado para os primeiros 100 dias e para lutar contra a emergência social. Porém, agora afirmam que é para quatro anos. O que o programa oferece é comida de caridade e luz para os mais pobres, além de 750 euros mínimos mensais para aqueles que tenham convênios coletivos. Os que têm trabalhos parciais ou por horas não se beneficiam disto. Esta é a realidade. O povo já perdeu grande parte de suas aposentadorias e a resposta do Syriza é subir 1,20 euros ao dia para as mais baixas. Isto não muda a vida, falamos às pessoas. A Nova Democracia cultiva o medo e o Syriza, as ilusões. Porém, se queremos algum alívio, devemos lutar. E isto é uma linha divisória: (recuperar) o perdido desde 2008.
Então, não apoiarão a nomeação de Tsipras.
Por tudo isto, pela responsabilidade ante o povo, depois de ter examinado bem o que diz o Syriza, não podemos participar de um Governo burguês capitalista, que continuará esta barbaridade. Há uma semana, o Syriza nos interpelou para dar o voto de investidura, porém não o fez sinceramente. Eles sabem nossas posições de todos esses anos e que estaremos em oposição a este Governo, porque o mesmo estará nas mãos da oligarquia enquanto estiver na UE. Não podemos manchar nossas mãos, não podemos dar um salto ao vazio enquanto o povo está do outro lado. Além disso, fazem parte de sua fileira o mais podre do Pasok, com deputados que votaram memorandos e que boicotaram o movimento operário e sindical.
Sairão às ruas desde o primeiro dia?
Temos grande capacidade de mobilização e grande presença entre os sindicatos. São com estas ideias que o Syriza tenta conseguir um álibi para o dia seguinte. Os gregos têm em grande estima o KKE, é um partido serio, militante, tranquilo. O que o Syriza quer é ter uma aproximação conosco para acalmar as pessoas, para que não haja luta. Conhecemos o Syriza e desde o primeiro dia estaremos na rua, nos opondo. Porém, dizemos: se realmente existisse um Governo de esquerdas, esperaríamos. Se fosse um bom Governo para o povo, o KKE não se oporia na luta. Têm medo de que o KKE como oposição possa desmascarar que serão corresponsáveis pelo que está acontecendo.
Como estão tão certos?
Temos experiência no movimento de partidos comunistas europeus na Itália, na França, que votavam pela manhã a favor das privatizações, contra pensões, salários e, pela tarde, organizavam mobilizações contra os acordos da manhã; Nós chegamos a algumas conclusões sobre estas experiências negativas. Queremos um Governo contra a UE, a oligarquia, e não daremos um salto ao nada. Não participaremos de discussões sobre o que o povo vai perder por decisões do Governo. O povo nos necessita no dia seguinte às eleições. Eles, que se comprometem com empresários no Texas, no Club Bilderberg, na cidade de Londres, já se comprometeram com o grande capital.
Essa ideia do Syriza não é muito extensa.
Fora da Grécia, não. Porém aqui, sabemos que eles não são um partido revolucionário. As pessoas que votam no Syriza, o fazem com o coração frio, sem confiar neles. As pessoas estão desesperadas e não querem continuar com a Nova Democracia. Porém, essa ideia, de que não pode existir um Governo pior, já foi usada com governos anteriores. Está claro que ocorrerá o que dizemos. Não existe medo da UE, do Syriza. Não é a preferência da oligarquia, porém é a nova socialdemocracia, útil para o sistema, que não contra-ataca a favor dos direitos da classe trabalhadora. É preciso organizar a luta para enfrentá-los.
Vocês se consideram um partido revolucionário?
Existem fatos concretos que o demonstram: lutamos contra a UE e a OTAN, queremos romper as amarras do capitalismo, socializar os bens de produção, centralizar toda a riqueza para distribuí-la, assim como a força de trabalho, para que não haja problemas de desemprego. Nosso país tem riquezas e grande localização estratégica ao norte do Mediterrâneo. Possui tecnologia, ciência, progresso em todos os meios de produção, e as pessoas deveriam desfrutar deste progresso. Porém, existe esta contradição. Não existiu outro período da história com o povo morrendo de frio enquanto existem sistemas elétricos por todas as partes.
O colapso da URSS não gera dúvidas?
Estudamos muito o colapso e chegamos à conclusão de que existiram grandes benefícios com a socialização dos bens produção. A chave está em que os problemas que foram surgindo, tentaram ser resolvidos com respostas capitalistas, não socialistas. Com as reformas nos anos 60, com a entrada do mercado, entrou o antagonismo e criou problemas concretos que, com os anos, cresceram e geraram consequências negativas na direção do partido.
O principal assunto é que em um país socialista os problemas não podem ser resolvidos com receitas capitalistas, mas socialistas. Aprendemos com estas experiências como é importante ter seu próprio programa. Assim, o Partido Comunista Grego tem organizada a luta, não apenas pelos problemas diários, mas também com a perspectiva futura. O povo deve saber qual caminho é o que proposto e não se fia nos partidos que não são claros. Nós somos muito claros. O Syriza, a Nova Democracia e o Pasok seguem o caminho do capitalismo. Nós somos os únicos que temos uma proposta política completamente diferente, um caminho radical.
Nós predizemos o que ia acontecer. Em 2010, dissemos que vinha a tormenta. E tínhamos razão. As pessoas reconhecem que o partido lê muito bem a realidade, é um partido militante que diz a verdade, apesar das consequências. Apesar dos caminhos simples que alguns oferecem, o povo da Grécia está vivendo uma crise muito grave, com graves consequências e, agora, são conscientes de que a vida não se modifica facilmente apenas com um voto. Não dizemos que o Syriza é o mesmo que a Nova Democracia. São partidos diferentes. Porém, quando tendo uma estratégia concreta que possui a mesma prioridade, servir aos benefícios do capital e a UE, objetivamente leva ao mesmo lugar: capitalismo, produção capitalista, UE.
O que têm em comum o Syriza e a Nova Democracia?
São versões diferentes do capitalismo, porém não são diferenças cruciais quanto à essência do tipo de políticas que serão promovidas. Nos anos 80, o Pasok falava de sair da CEE e da OTAN, falava de socializar os meios de produção… Porém, agora, o Syriza nem sequer chega a dizer isso.
Na Espanha existe um partido com o qual compartilhamos estratégia, o Partido Comunista dos Povos da Espanha (PCPE). É um partido que luta para manter a luz do único caminho que pode oferecer uma saída ao povo. Porque os demais, tanto o Podemos quanto o PCE, que mudou após seguir o eurocomunismo e se tornou pró-União Europeia, e os partidos do GUE, querem embelezar a UE, para que possa existir uma UE melhor. E isto é perigoso para o povo, porque têm apoio, cultivam ilusões com a ideia de que, de uma maneira ou de outra, é possível negociar com Merkel ou o FMI para conseguir que o inimigo adote posições a favor do povo. Isto sim que é uma utopia.
Somos claros: o caminho é difícil, mas é preciso lutar para sair da UE. Cultivar a ilusão de que o falcão pode converter-se em pomba não existe. Por isso, dizemos que o Podemos, em nossa opinião, está fazendo o mesmo que o Syriza, começando com slogans e, com o tempo, será o mesmo. Recentemente, Iglesias disse que escutou os aliados financeiros e que existem posições não realistas… Estamos falando da nova versão da socialdemocracia adaptada aos temos da crise. É disto que precisa o capital. Porque o povo não confia no Pasok ou no PSOE. Apesar de seus novos líderes, aparecem novas cartas no jogo. As pessoas deveriam ser rigorosas ao examinarem as posições e viverem suas próprias lutas.
Acreditam que pode existir fissuras na coalizão do Syriza?
Sempre na história da socialdemocracia existiu uma corrente esquerdista que dizia lutar para mudar o partido. Porém, nunca se confirmou que é possível converter-se em revolucionário. Mantêm um blog, protestam de vez em quando, mas, em seguida, deixam de fazê-lo.
Fonte: http://www.eldiario.es/internacional/apoyaremos-Syriza-UE-OTAN-capitalismo_0_348916026.html
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)