OS 80 ANOS DA ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA

imagemFrente política de massas anti-imperialista, antilatifundiária e antifascista, a Aliança Nacional Libertadora – ANL – foi oficialmente instituída no dia 30 de março de 1935, em ato público realizado no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. Agregou em torno de si personalidades, organizações de trabalhadores, partidos e movimentos de corte revolucionário, democrático e progressista e sua construção contou com a participação ativa dos comunistas, tendo em Luiz Carlos Prestes, militante do PCB desde 1933, um de seus principais dirigentes, aclamado como presidente de honra.

O programa popular revolucionário da ANL procurava contemplar reivindicações concretas das classes subalternas e extratos intermediários da população brasileira, tais como: não reconhecimento e não pagamento da dívida externa; denúncia dos tratados desiguais assinados com os países imperialistas; nacionalização dos serviços públicos essenciais e das empresas imperialistas que não se subordinassem ao poder revolucionário; jornada máxima de oito horas; seguro social; aposentadorias; aumento de salários; isonomia salarial e garantia de salário mínimo; fim do trabalho escravo; eliminação dos latifúndios; amplas liberdades democráticas; supressão de quaisquer privilégios de cor ou raça; total liberdade religiosa com a separação entre Igreja e Estado; oposição às guerras imperialistas; estreitamento de relações com as demais nações latino-americanas; solidariedade com todas as classes e povos oprimidos do mundo.

O momento histórico em que se formou a ANL foi caracterizado por uma ampla ofensiva das forças reacionárias no Brasil e no mundo e pelo risco de guerras localizadas ou mesmo de uma conflagração militar generalizada. Após o refluxo das revoluções proletárias europeias que se seguiram ao Outubro russo de 1917 e ao término da Primeira Grande Guerra, inaugurou-se um ciclo de contrarrevoluções. A ascensão do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha e a capitulação das chamadas democracias liberais (Estados Unidos, França e Inglaterra) em face das aventuras praticadas pelos militaristas japoneses no Pacífico Oriental, pelo expansionismo hitleriano na Europa e pelo colonialismo italiano no norte da África ofereceram alento às forças da reação internacional.

No Brasil, a chamada Ação Integralista Brasileira, fortemente influenciada por seus antecessores fascista e nazista, arregimentou expressivos contingentes com a finalidade de atuar como uma força de choque contrarrevolucionária em oposição à mobilização da classe operária e das forças populares. O próprio governo brasileiro — engajado desde o início da década em um esforço de conter, enquadrar e desmobilizar o movimento dos trabalhadores — adotou leis e dispositivos jurídicos cerceadores das lutas de massas e aceitou de bom grado a ajuda prometida pelos integralistas. Foi neste espírito que, em 5 de março de 1935, durante o governo constitucional de Getúlio Vargas, entrou em vigência a Lei de Segurança Nacional que promoveu as condições necessárias à repressão em larga escala do movimento aliancista, das lutas populares e do Partido Comunista. Em 5 de julho de 1935, quatro meses depois, Luiz Carlos Prestes divulgou um manifesto conclamando o povo e os trabalhadores a reagirem contra a ameaça integralista e o governo Vargas e a instaurar no país um poder popular nacional revolucionário.

Em resposta, o governo central interditou a ANL e perseguiu seus militantes. Privados do único instrumento de ação legal contra o que consideravam ser uma marcha em direção à fascistização do Brasil, dirigentes do PCB, militantes e líderes da ANL encabeçados por Luiz Carlos Prestes— muitos deles veteranos das lutas tenentistas de 1922 e 1924 — se engajaram na preparação de uma insurreição armada.

Entretanto, os acontecimentos se precipitaram. No Rio Grande do Norte, uma mobilização de trabalhadores contra o governo do estado resultou na destituição do governador e na formação de um governo nacional libertador. Impactada pelos acontecimentos na capital potiguar, a liderança clandestina da ANL desencadeou insurreições militares em Recife e no Rio de Janeiro. Mal organizado e sem apoio popular, o movimento foi derrotado e, na esteira desta derrota, teve lugar um surto de repressão contra os trabalhadores, os setores populares e a intelectualidade progressista, que culminou com a instauração do Estado Novo, regime de forte influência fascista, a partir de 1937.

Diferentemente do que tem sido repetidamente afirmado pelos setores reacionários da sociedade brasileira há quase oito décadas, a Aliança Nacional Libertadora não organizou, sob as ordens de Moscou, um golpe comunista com a finalidade de sovietizar o país. Movimento político plural, ela tinha objetivos nacionais e democráticos, anti-imperialistas e antilatifundiários. É oportuno esclarecer que a iniciativa de criação da ANL não partiu dos comunistas, sua presença e influência na entidade se adensaram gradativamente em proporção à definição dos objetivos da organização, ao aprofundamento dos embates com as forças reacionárias e ao recrudescimento da coerção governamental contra ela.

Instituída em março de 1935, sua concepção não resultou das decisões do VII Congresso da Internacional Comunista, só concluído em agosto daquele mesmo ano. Pelo contrário, foram suas atividades e experiências, assim como as coalizões antifascistas organizadas no mesmo período em Espanha e França que contribuíram para a adoção pelo Kominter da Política de Frentes Populares naquele congresso. Os levantes realizados em Natal, Recife e Rio de Janeiro não foram manifestações de um putschismo revolucionário ou de um revolucionarismo golpista adotado formal e conscientemente pelo PCB, mas sim uma resposta precipitada e equivocada, apesar de heroica, ao avanço do integralismo e às inclinações autoritárias do governo de Vargas dada pela ala radical do tenentismo, abrigada no seio das direções da ANL e do PCB.

Apesar de sua derrota e de seus erros, a ANL nos legou um exemplo de dedicação às causas dos trabalhadores e do povo, demonstrando com sua experiência que o caminho para a derrota das forças da reação e do imperialismo passa pela organização, mobilização e unificação da classe operária e seus aliados, dos setores progressistas e revolucionários, avançados e antifascistas.

(Muniz Ferreira é historiador e membro do Comitê Central do PCB)

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