O pacote do primeiro-ministro Tsipras Um acto de traição contra o povo grego

imagemMichel Chossudovsky

Depois de ter lançado um Referendo a fim de refutar e recusar o acordo de salvamento externo (bailout) preparado pela Troika, o primeiro-ministro Tsipras juntamente com o seu recém empossado ministro das Finanças, saiu-se quatro dias depois com um pacote de austeridade muito semelhante àquele que em Junho fora rejeitado pelo governo grego.

Esta meia-volta foi cuidadosamente engendrada. O povo grego foi iludido e enganado. O Referendo foi um absoluto “ritual de democracia”.

Tsipras fez um acordo com os credores. Ele era desde o princípio favorável à aceitação das exigências dos credores.

Tsipras efectuou a campanha do “NÃO” tendo já decidido que no rastro do Referendo ele diria SIM aos credores e se dobraria às suas exigências. Isto equivale a um Acto de Traição.

Não houve tentativa por parte do governo Tsipras, na sequência imediata do Referendo, de renegociar ou estender o prazo final em nome do povo grego em resposta ao Voto NÃO. Na manhã de segunda-feira, no dia seguinte ao Referendo, Yanis Varoufakis, que havia liderado as negociações com Troika, resignou como ministro das Finanças. Será que ele resignou por vontade própria ou foi “demitido” para facilitar um acordo com a Troika?

Sabe-se que os credores influenciam nomeações para postos ministeriais chave (exemplo: Coreia do Sul, Dezembro de 1997 na altura da Crise Asiática, o ministro das Finanças e o governador do Banco Central são demitidos por ordens de Washington).

Varoufakis foi apressadamente substituído por Euclid Tsakalotos, que tomou posse segunda-feira de manhã. Sua nomeação como ministro das Finanças e negociador chefe (a qual deve ter sido conhecida bem antecipadamente) foi amplamente saudada pelo establishment político e financeiro da UE.

O primeiro-ministro Alexis Tsipras juntamente com o seu novo ministro das Finanças efectuaram então reuniões na segunda-feira tanto com o Syriza como com a oposição. E no fim do dia, uma “declaração conjunta” foi rapidamente assinada “por quase todo o espectro político em apoio aos seus esforços para procurar um novo acordo por parte dos credores do país”.

Tsipras disse depois ao Parlamento que o seu governo fora forçado a dobrar-se às exigências dos credores. Ele também disse que o referendo não autoriza o governo a encarar o Grexit, nomeadamente uma saída da eurozona.

O que ele deixou de mencionar é que o Voto NÃO lhe dera um mandato político para renegociar o acordo em nome do povo grego tendo em vista pelo menos aliviar os impactos mortais das medidas de austeridade propostas.

Na quinta-feira, um documento de 13 páginas contendo reformas concretas e medidas de austeridade foi enviado à Troika. A iniciativa destinava-se, segundo informações dos media, a “actuar como fundamento para libertar um novo pacote de três anos de bailout de 53,5 mil milhões de euros para salvar a nação da bancarrota”.

Estas propostas esboçadas no documento de 13 páginas explicitavam o desastre grego.

Elas envolviam aumentos maciços de impostos, uma redução drástica nos salários do sector público, cortes em pensões incluindo um aumento na idade de reforma para 67 anos, a privatização de activos do Estado incluindo empresas de utilidade pública e infraestrutura: “O governo procurará liquidar activos do Estado e por em andamento a privatização da rede da companhia de electricidade, aeroportos e portos regionais incluindo Pireu e Salónica”.

Neoliberalismo e “remédios económicos” mortais postos em prática por um partido “de esquerda”. Abaixo alguns destaques destas propostas(negritos acrescentados):

As propostas incluem uma grande quantidade de aumentos de impostos incluindo uma taxa de 23 por cento de IVA sobre restaurantes e catering, uma taxa reduzida de 13% sobre alimentos básicos, energia, hotéis e água e uma assim chamada taxa “super reduzida” de 6% sobre coisas como produtos farmacêuticos, livros e teatro – talvez apropriada para um país que foi o pioneiro na tragédia. Os novos níveis de impostos arrancarão em Outubro próximo. [Estes aumentos de impostos matarão a indústria turística e desencadearão bancarrotas de restaurantes e hotéis locais]

Além disso, reduções especiais de impostos para as ilhas do país – pontos de atracção turísticos – serão liquidadas. Só as ilhas mais remotas conseguirão manter as cobiçadas isenções fiscais.

Os gastos militares serão cortados em 100 milhões de euros este ano e o dobro disso em 2016. Os impostos sobre as empresas aumentarão de 26 para 28% e os agricultores perderão seu tratamento fiscal preferencial e os subsídios de combustível. [Isto desencadeará bancarrotas de agricultores]

O governo está à procura de reformas que em 2015 tragam poupanças permanentes de 0,25% a 0,5% do produto interno bruto e de 1% do PIB em 2016 e além. Medidas destinadas a atingir estes números incluem desencorajar a reforma antecipada e padronizar a idade de reforma nos 67 anos em 2022 – excepto para aqueles que desempenham “trabalhos árduos” e mães que criem crianças com uma deficiência. [atrasar a idade de reforma também contribui para aumentar o desemprego juvenil]

Pensões sociais serão melhor direccionadas, ao passo que fundos de pensão suplementares serão financiados por contribuições dos próprios empregados. Benefícios tais como um fundo de solidariedade serão gradualmente cancelados e contribuições de saúde para pensionistas saltarão em média de 4 para 6%. Mais reformas terão início para fazer o sistema de pensões mais sustentável, incluindo uma revisão de contribuições de pensões para todos os auto-empregados. [A redução drástica de benefícios sociais desencadeará pobreza em massa]

As autoridades modelarão os salários do sector público para assegurar que estejam numa trajectória descendente em 2019 e que se ajustem à “qualificação, desempenho e responsabilidade” do pessoal. [Destruição do sector público]


Correcções nas leis de insolvência terão como objectivo conseguir que devedores reembolsem empréstimos, enquanto consultores ajudarão a tratar de maus empréstimos. Serão também tomados passos para conseguir que investidores estrangeiros despejem o seu dinheiro em bancos gregos.

O governo abrirá profissões restritas tais como de engenheiro, notário e oficial de justiça. Ele formulará leis destinadas a livrar-se de burocracia e a tornar mais fácil obter licenças de negócios, assim como reformando o mercado do gás.

O governo procurará vender activos do Estado e começará a privatizar a companhia proprietária da rede eléctrica, aeroportos e portos regionais incluindo Pireu e Salónica. [Uma prenda para investidores estrangeiros, os quais adquirirão as empresas de serviços públicos e a infraestrutura do país]

O que não é explicitamente mencionado no documento de 13 páginas é a lógica do “investimento abutre”, que leva à morte final do “capitalismo grego” incluindo sua indústria bancária, comercial e de estaleiros navais.

(Os elementos essenciais tanto da declaração conjunta como do documento de 13 páginas foram sem dúvida redigidos antes do Referendo).

Quem são os actores principais?

A Troika está a actuar por conta das instituições credoras. Eles não dão as ordens. O BCE é integrado por indivíduos que estão em estreita ligação com os principais interesses da banca incluindo JP Morgan Chase, Deutsche Bank e Goldman Sachs.

Analogamente, o FMI (que é essencialmente uma burocracia para a arrecadação de dívida) faz parte do chamado Consenso de Washington, com ligações ao Tesouro dos EUA, a think tanks económicos de Washington e naturalmente à Wall Street.

Houve divisões dentro da equipe negociadora do governo Tsipras. O que tem de ser enfatizado é o facto de que nenhumas concessões foram aceites pelos credores em qualquer etapa das negociações.

Em Fevereiro, o antigo ministro das Finanças Varoufakis havia insinuado que a Grécia cumpriria suas obrigações de dívida mas não seria capaz de obedecer às drásticas medidas de austeridade exigidas pelos credores, incluindo despedimos maciços de empregados do sector público, reforma de pensões e segurança social, etc.

Estas reformas não exacerbarão apenas a crise económica e social, a resultante estagnação económica também contribuirá para aumentar a dívida soberana. E é disso que os credores estão à procura.

O desemprego segundo estatísticas oficiais é actualmente da ordem dos 26%. O desemprego juvenil está nos 50%. A taxa real de desemprego é significativamente maior do que o número publicado pelo governo.

Condicionalidades da dívida

O que deve ser entendido é que credores não estão necessariamente fixados no reembolso de dívida soberana. Muito pelo contrário. O seu objectivo é fazer a dívida avançar através do chamado reescalonamento de dívida, o qual basicamente lhes permite emprestar mais dinheiro ao devedor. A nova moeda facilita então o processo do serviço da dívida. “Nós lhe emprestaremos o dinheiro e com o dinheiro que lhe emprestámos você nos pagará de volta”. Novos empréstimos reembolsam velhas dívidas.

Este procedimento tem sido aplicado rotineiramente durante mais de trinta anos como parte do programa de ajustamento estrutural (PAE) do FMI-Banco Mundial. O fardo da dívida ascende. O país fica cada vez mais num colete de força. Os credores dão as ordens sobre reformas macroeconómicas.

Quanto ao novo pedido de Tsipras, este é para a concessão de uma pacote de 53,5 mil milhões de euros, a maior parte do qual será utilizado para o serviço da dívida. A maior parte do dinheiro não entrará no país. Este dinheiro será concedido a credores da Grécia em troca de um dramático pacote de reformas.

Dívida em economia real

O que tem de ser tratado é o relacionamento entre a arrecadação de dívida em termos monetários e a economia real.

Os credores usarão os muitos milhares de milhões de obrigações de divida da Grécia como meios para impor reforma macroeconómicas mortais as quais servirão para desestabilizar a economia nacional e empobrecer ainda mais a população. Estas são mencionadas pelo FMI como “políticas de condicionalidade”, as quais permitirão aos credores ditar o essencial da política económica e social.

Os credores estão muito interessados em adquirir riqueza real dentro da economia nacional, nomeadamente a aquisição de instituições bancárias nacionais da Grécia, suas empresas públicas, sua terra agrícola, etc.

As 13 página do documento de Tsipras soletram o desastre: um novo processo de empobrecimento, a tomada dos activos públicos e da infraestrutura do país, bancarrota de agricultores e pequenos negócios, o influxo de investidores estrangeiros que comprarão a riqueza do país a preços de saldo.

A substância da proposta de Tsipras foi endossada na sexta-feira 10 de Julho pelo parlamento grego numa votação de 251 a favor, 32 contra e 8 abstenções. Houve um movimento significativo contra a proposta vinda do Syriza.

O documento de 13 páginas que esboça propostas de reforma do governo e de austeridade destina-se a ser utilizado nas negociações com credores da Grécia durante o fim-de-semana.

O que está em causa no pacote de reformas proposto é um processo engendrado de empobrecimento, a morte de programas sociais e uma bancarrota de facto destinado a levar empresas nacionais e regionais à bancarrota.

A aceitação pela Grécia das exigências dos credores é o equivalente a abandonar a sua soberania como estado nação.

As consequências económicas e sociais provavelmente serão devastadoras.

11/Julho/2015


O original encontra-se em www.globalresearch.ca/…

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

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