Para que(m) servem os Institutos Federais?

imagemGabriel Magalhães(i)

Rodrigo Lima(ii)

O ano de 2008 marcou a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF’s), durante o segundo mandato de Luís Inácio Lula da Silva (2007-2010). Os Institutos foram criados sobre as bases dos Centros de Educação Federal de Educação Tecnológica (CEFET´s), cuja origem histórica remonta às Escolas de Aprendizes e Artífices criadas em 1909, no Governo de Nilo Peçanha. Desde 2008 os Institutos Federais passaram por um processo de expansão e interiorização que em termos de velocidade de implementação não tem comparativo na história educacional brasileira(iii). O processo de expansão dos IF´s serviu como uma das principais bandeiras políticas eleitorais das candidaturas petistas nas últimas eleições, sempre evidenciada pelo discurso oficial como base de uma suposta “revolução educacional” no país.

Nos últimos anos há uma crescente produção acadêmica que tem se voltado para a análise e tentativa de compreensão deste fenômeno em suas diferentes dimensões. Mas para além das conclusões científicas que estão emergindo, parece que ainda existem lacunas importantes na compreensão dos sentidos políticos de tal processo. Afinal de conta, para que(m) servem os Institutos Federais? Qual projeto de sociedade eles buscam atender? Responde a quais interesses de classe?

Pistrak, um famoso pedagogo soviético, afirmava que a educação sempre esteve a serviço das necessidades de um regime social determinado(iv). Portanto, para uma crítica profunda do atual modelo de educação, devemos fazer sempre o esforço de buscar os problemas em suas raízes, levando em consideração a totalidade das relações sociais às quais ela está submetida. Isso significa dizer que não devemos compreender a precarização do ensino como um mero problema de ordem administrativa ou de financiamento, seu sucateamento pode ser traduzido numa concepção de Estado que há anos vem sendo implantado no Brasil, que preza por uma lógica de mercado e por parcerias com empresas privadas, colocando nitidamente os Institutos Federais sob interesses do capital.

As concepções hegemônicas de educação – todas elas pró-capitalistas – estão bem presentes no modelo de expansão e interiorização dos Institutos Federais. Apesar de todo um discurso oficial que busca projetar e legitimar a expansão sob bandeiras da “inclusão” e do “desenvolvimento social”, o impulso real das políticas organizadas em torno dos Institutos Federais está pautado no sentido de atender às demandas do capital monopolista, que nas últimas décadas intensificou o processo de interiorização em busca do aumento das taxas de exploração do capital sobre o trabalho. Os Institutos Federais inserem-se, portanto, no contexto de formação da força de trabalho submetida à lógica do capital, formando-a para o trabalho nos estreitos limites das demandas provenientes das grandes empresas em suas respectivas áreas de influência (microrregiões, arranjos produtivos locais).

Essa mesma lógica sustenta uma formação pedagógica pautada pelas competências e habilidades. Conceitos que buscam atender à flexibilização e precarização do trabalho, pois as mesmas seguem pautadas pelas necessidades do mercado e não pelas demandas dos/as trabalhadores/as.

Os conceitos de empreendedorismo, empresas júnior e incubadoras de empresas permeiam os projetos pedagógicos dos cursos e o processo formativo dos estudantes. Estas noções de educação associam-se às mudanças presentes no mundo do trabalho e estão submetidas a uma lógica de expropriação e de retirada dos direitos sociais e trabalhistas conquistados à custa de um longo processo histórico de lutas operárias. Diferentes formatos jurídicos foram criados para disciplinar a relação de trabalho em favor de sua plena utilização pelo capital: subcontratações, terceirizações, formação de cooperativas de fachada, trabalho “informal”, “voluntariado”, renúncia ao contrato formal, ou, ainda, a figura do trabalhador “pessoa jurídica”, que, mobilizado pela falácia do “empreendedorismo”, se converte individualmente numa empresa fictícia para vender sua força de trabalho, sem os direitos associados legalmente à contratação tradicional.

Tais exemplos de “reestruturação produtiva” e “desregulamentação do mercado de trabalho”, com vistas à plena “empregabilidade” ou “trabalhabilidade” (para usar termos recorrentes no jargão burguês contemporâneo) do sujeito obrigado a vender sua força de trabalho para sobreviver, nada mais são do que formas atualizadas de dominação, com o duplo sentido de disponibilizar grandes contingentes de pessoas para o trabalho assalariado e de fazer valer a hegemonia do capital, por meio de um processo alienante de difusão da ideologia burguesa. Isto porque tais mecanismos de expropriação do trabalho vêm acompanhados de intensa campanha ideológica voltada a convencer a todos de que se trata da conquista da liberdade individual perante a opressão do trabalho (não do proprietário dos meios de produção). Propala-se a ideia, difundida pelo “empreendedorismo”, de que cada um pode ser “patrão de si mesmo”.

A concepção de educação presente nos Institutos Federais relaciona-se diretamente com as imposições e concepções que o capital impõe aos trabalhadores.

Os pilares da pesquisa e da extensão acabam por submeter-se à mesma lógica. O que vemos no campo da pesquisa é uma orientação para as chamadas “pesquisas aplicadas”. Aplicadas, obviamente, a responder demandas das empresas que veem nas parcerias e cooperações com os IF’s saídas baratas e fáceis para resolverem seus problemas. É mais uma das facetas da inversão do dinheiro público para atender às demandas dos capitalistas. Já a extensão nos Institutos responde hegemonicamente a uma noção assistencialista e compensatória, quando voltada para os setores populares, desenvolvendo-se sob a lógica do voluntariado, cuja origem remonta ao Terceiro Setor.

O processo de expansão vem se dando pela lógica da precarização. O funcionamento de diversos campi se dá em um contexto de falta de infraestrutura, com prédios improvisados, a falta de laboratórios e a defasagem de docentes e técnicos-administrativos. Uma auditoria realizada em 2013 pelo Tribunal de Contas da União (TCU), revelou um déficit de 8 mil professores e 5 mil técnico-administrativos(v).

Vale frisar que esta lógica da precarização que tem presidido a expansão da Rede Federal denota um projeto de país, de um Brasil capitalista e dependente, submisso ao papel imposto pela atual divisão internacional do trabalho. Este modelo de expansão busca formar força de trabalho para uma economia capitalista dependente e em crise sistêmica, hipertrofiando as características mais nefastas típicas da nossa formação sócio-econômica, tais como a tendência à reprimarização da economia e ao excedente de força de trabalho em relação à demanda do capital, retroalimentando a superexploração da força de trabalho característica do capitalismo tupiniquim. Concomitantemente, vale considerar também o reflexo das desigualdades capitalistas regionais no processo de expansão da Rede Federal: ainda que a expansão precarizada seja a tônica, é notório que a intensidade do precário é determinada em razão do perfil econômico das variadas regiões do país. Desta forma, o desigual e combinado interno ao capitalismo brasileiro se expressa em alguns centros de excelência, em tipos médios nas capitais com maior fluxo de capitais e, por fim, no mais completo abandono de preceitos mínimos de qualidade na vasta periferia do capitalismo dependente brasileiro. A reprodução das assimetrias regionais é mais um sintoma da sintonia da expansão com os desígnios do capital.

Tudo isso, contudo, não se afirma sem resistência. Nos últimos anos servidores e estudantes têm protagonizado grandes enfrentamentos com o governo e com as reitorias, exigindo mais investimento e efetiva democracia interna, condição para se implementar uma outra tônica à expansão, não submissa aos interesses empresariais. As greves de 2011, 2012, 2014 e a de 2015 põem o quadro da educação pública federal em xeque, obtendo ganhos econômicos pontuais e importantes ganhos político-organizativos.

Além disso, Brasil afora trava-se diariamente a resistência nos diferentes Institutos e campus, enfretamentos produzidos pela crescente insatisfação com o modelo implementado, os quais devem aumentar de agora em diante em razão do arrocho fiscal que agudizará ainda mais as contradições intrínsecas. O cenário atual está dissipando a “película ideológica” que ainda ocultava as mazelas deste modelo de expansão. Mais do que nunca, é chegada a hora de intensificar a crítica radical à presente expansão tendo por objetivo afirmar um outro modelo de educação profissional e tecnológica, que supere a submissão ao capital e ao seu projeto estratégico de superexploração e dependência, na perspectiva de uma Educação Popular, cujos fins sejam as necessidades humanas, as necessidades dos/as trabalhadores/as.


i) Professor de Sociologia do Instituto Federal de Alagoas (IFAL)

ii) Professor de Sociologia do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC)

iii) ARCARY, Valério. Uma nota sobre os Institutos Federais em perspectiva histórica.Disponível em: <http://www.sinasefe.org.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=1237:valerio-arcary-lanca-artigo-sobre-institutos-federais&catid=1:latest-news&Itemid=75> Acesso em 17 de agosto de 2015.

iv) PISTRAK, M. Fundamentos da Escola do Trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2000.

v) BRASIL. Tribunal de Contas da União (TCU). Auditoria operacional Fiscalização de orientação centralizada. Rede Federal de Educação Profissional. Brasília, 2013.

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