O GOLPE JÁ ACONTECEU!
Luiz Rodolfo Viveiros de Castro
E tem tempo…
O golpe contra as esquerdas, os movimentos sociais e os explorados e oprimidos já aconteceu e tem tempo. Há divergências de quando foi urdido, mas seguramente lá pela metade da década de noventa. Mas o marco real de sua implantação é a “Carta aos brasileiros” de fevereiro de 2002. Naquele momento, Lula, o PT e seus satélites, comunicam ao país e, sobretudo, ao mundo, que estava consubstanciada a traição a todos os princípios políticos e programáticos que vigoravam desde 1980. Vale a pena reler a “carta”, que nada mais é do que a expressa garantia de que a política econômica dos governos FHC seria continuada.
Antes de tomar posse Lula vai aos Estados Unidos com Palocci. Volta com o nome do presidente do Banco Central, agora com status de ministro: Meireles – ex presidente mundial do Banco de Boston e recém eleito deputado federal pelo PSDB de Goiás. Acho que isso basta para definir o que seria este governo…
Com algumas políticas sociais razoáveis, mas que não chegaram a significar quase nada perto do que é destinado para os donos do mundo. Basta fazer as contas e verificar a proporção do que é gasto com o bolsa família em relação ao que é destinado ao pagamento da dívida pública. Fizeram alarde de medidas como o PROUNI, que levou milhares de estudantes pobres para a universidade – ou seja, os pobres passaram a estudar nas universidades privadas ( a maioria de baixa qualidade), que receberam indiretamente por isso o dinheiro público, em lugar de fortalecer as, hoje combalidas, universidades públicas e de qualidade. Não vou aqui me estender sobre as ditas medidas populares, já me manifestei em diversos outros momentos sobre isso. Concretamente, os seguidos governos Lula e Dilma fazem a política dos donos do mundo – o capital financeiro (alguém questiona que “nunca na história deste país” os bancos obtiveram lucros tão astronômicos?), as grandes corporações, o agronegócio, as mineradoras e as grandes empreiteiras. Muito poucas terras foram destinadas à reforma agrária, as populações das periferias são tratadas a ferro e fogo, os indígenas são massacrados, os ribeirinhos expulsos para a construção de hidrelétricas… Tudo isso para chegar agora, como comecei simbolicamente pelo exemplo da escolha de um ministro, tendo como ministra da Agricultura a Katia Abreu – UDR, CNA.
No campo das relações políticas tudo também foi muito claro. A começar pelo candidato a vice, Alencar – grande industrial, do PL (partido claramente de direita) até chegar ao PMDB de Cunhas e Renans.
Em nenhum momento esses governos que se diziam populares, de esquerda, apostou na elevação do nível de consciência e organização das massas. Preferiu apostar em transformá-las em consumidores. Jogou com a distribuição de cargos e benesses para cooptar os movimentos sindicais, já burocratizados e quase todos os movimentos sociais.
Esse foi o GOLPE perpetrado contra as esquerdas, os oprimidos e explorados…
O QUE ESTÁ ACONTECENDO AGORA
Trata-se de “golpes baixos” na disputa renhida entre aqueles que brigam para serem os “gerentes” do capitalismo. Os “donos do mundo” assistem de camarote.
Se até pouco tempo atrás estavam totalmente satisfeitos com a “gerência” do lulopetismo pragmático, que conseguia realizar a política do grande capital e ao mesmo tempo aplacar a organização e a resistência dos movimentos populares, através da já mencionada cooptação e da distribuição de migalhas, com o agravamento da crise econômica mundial, começaram a mudar.
Para que seus lucros continuem intocados, as exigências são muito mais draconianas. Mesmo com todas as concessões neoliberais feitas pelo governo – ajuste fiscal, reformas disso e daquilo sempre contra as conquistas sociais, privatizações (batizadas de “concessões” ou de “parcerias público-privadas”.) e etc. A confiança dos “donos” nos atuais “gerentes” foi sendo minada.
Já não está adiantando dar ministérios para comprar apoio no Congresso. À menor ameaça de possível naufrágio os ratos começam a pular do barco. Renan Calheiros (eleito presidente do Senado com os votos – declarados – da bancada petista) toma café da manhã com Lula, mas vai jantar com os senadores do PSDB.
No campo do tratamento com os setores explorados e oprimidos, as medidas tomadas para demonstrar a submissão aos “donos” tampouco têm sido suficientes… É a Força de Segurança Nacional colocada á disposição dos jagunços do agronegócio para massacrar os indígenas (os guarani-kaiowa do Mato Grosso do Sul e os tupinambás do sul da Bahia que o digam) – aliás, ou muito me engano ou este “amigo” do Lula, José Carlos Bunlai é proprietário da Usina São Fernando no MS, denunciado pelos Guarani-kaiowa como um dos principais fazendeiros responsáveis pelos massacres para garantir a expansão de seus campos de plantação de cana de açúcar nas terras originais. É a Lei Antiterrorismo – proposta pelo governo e votada pelos deputados do PT, Pc do b e etc. É a ocupação de favelas pelas forças armadas…
Nada disso tem adiantado, os “donos do mundo” estão descartando seus atuais gerentes e não querem esperar até a próxima rodada da farsa eleitoral. E por isso segue o espetáculo…
O JUDICIÁRIO
Acho que basta uma única frase: A Justiça não é neutra, a Justiça é de classe, a Justiça é burguesa!
O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Quanta contradição numa expressão de 3 palavras.
Se é Estado não pode ser democrático, posto que o Estado é um instrumento de dominação de classe.
Democrático – Não pode existir democracia numa sociedade de classes. Não existe democracia política sem democracia econômica e social. Aliás, essa palavra já está pra lá de desgastada, assim como “ética” e “cidadania”. Todos enchem a boca para afirmar que estamos numa democracia, posto que temos eleições “livres” a cada dois anos… Que democracia é esta em que todos têm os mesmos direitos, mas somente alguns podem exercê-los?
DIREITO – o arcabouço jurídico é risível… Até uns tempos atrás legitimava a escravidão… Acho que não é necessário entrar em outros exemplos… As leis são produto da correlação de forças numa sociedade de classes. Concessões são conseguidas ou cedidas, avanços e recuos acontecem. Prega-se o direito de manifestação e edita-se a Lei Antiterrorismo… E por aí vai.
A CONDUÇÃO COERCITIVA
Agora falando sério, trata-se desse nosso país… Aqui, em qualquer periferia, as casas são invadidas, sem mandado nenhum, as mobílias são quebradas, muitas vezes já entram atirando. Sempre coercitivamente, mas às vezes não há a condução, deixam o cadáver. Em outras há a condução, mas sem volta – quantos Amarildos existem por aí…
Bom, mas isso acontece com a enorme maioria da população, os “sem direitos”, os que não têm condições de contratar advogados. E nestes casos pouco vemos opiniões e pareceres de conhecidos juristas que tão bem manuseiam as tecnicalidades dos códigos. Aliás, mesmo sem ser advogado, quero deixar aqui um desafio a todos os que tiverem oportunidade de ler esse texto: aonde está, no Código de Processo Penal, o artigo que indica que somente após ter sido citado e não tendo comparecido, o “investigado” poderá ser intimado com a ressalva de condução coercitiva? Que eu saiba, o artigo cita, claramente, que esta norma é aplicada a “testemunhas e vítimas”. Não era o caso do Lula, que estava sendo “investigado”. Mas nessa hora, as tecnicalidades não contam e os juristas opinam, como sempre, a favor do que lhes interessa.
Além disso e mais do que isso, vivemos num país em que uma enorme quantidade de presos estão encarcerados sem sequer terem sido julgados, vivendo em condições carcerárias inaceitáveis. Mas parece que esse fato não mobiliza essa militância tão sensível quando se trata da atual “condução coercitiva”.
A SELETIVIDADE – POR QUE SÓ INVESTIGAR UM LADO
Mais uma vez, e desta vez com muito mais razão, os petistas acertam. Acontece que para fazer a crítica da seletividade, pela esquerda, o correto seria aplaudir o fato de que uma quadrilha esteja sendo investigada e EXIGIR QUE AS OUTRAS TAMBÉM SEJAM. Não dá pra admitir o argumento de que “não podem me investigar porque não estão investigando os outros”…
Quero mais que TODOS SEJAM INVESTIGADOS, JULGADOS e CONDENADOS… Lula,Dilma, FHC, Collor, Sarney… e se der pra chegar até o JK seria ótimo. Mas, não acredito nisso. Afinal, a Justiça não é neutra, é burguesa.
A MÍDIA GOLPISTA, sobretudo a REDE GLOBO
É fácil falar mal da mídia golpista, dominada pelas seis famílias. Sobretudo da excrescência que é a Rede Globo. Mas por que nestes 13 anos de governo não foi enfrentada a questão da “Democratização dos Meios de Comunicação? E, pior, quem financia estes monopólios de comunicação, senão o próprio governo que sempre dirigiu o maior montante de recursos para os grandes – só de propaganda das estatais e de balanços destas empresas, que poderiam ser publicados em periódicos menores e de forma desconcentrada e regionalizada já é um escândalo.
E o que vemos agora, além dos xingamentos dos fanáticos, que como vários articulistas já comentaram – se ouvem Guarujá, respondem com Paraty – o próprio Lula deve ter “esquecido” do que achava sobre o Roberto Marinho, mas quem tiver disposição é só clicar no link https://www.youtube.com/watch?
A PIROTECNIA E O CIRCO
Têm toda razão os fanáticos de um lado quando reclamam, denunciam, a pirotecnia promovida pelos juízes quando utilizam agentes da PF com uniformes camuflados e fuzis automáticos ( não na casa do Lula, mas no Instituto e na empresa e sei lá mais onde…)
O problema é que respondem da mesma forma. O vídeo postado pelo deputado Wadih Damous, em que brada “SEQUESTRO, o Lula foi sequestrado!”. O pobre do Lindberg Farias também bradando “ Estamos com sangue nos olhos, estamos com a faca na boca”…
É pirotecnia e circo de ambos os lados.
E O QUE FAZER AGORA? QUAL É A NOSSA POSIÇÃO?
É claro que estamos muito preocupados com o clima de facistização que vivemos neste momento, não somente aqui no Brasil mas em todo o mundo. Cada vez mais gente se declara, sem pejo, o que não acontecia até então, ser de direita. Há uma pauta em evidência, ultra reacionária, capitaneada pelas bancadas BBB (Bala, Bíblia e Boi) – muitos deles eleitos pela base aliada do governo – que, e neste caso estamos bem piores do que o resto do mundo, tenta barrar os avanços nas questões relativas aos costumes, como homofobia e aborto.
Não adianta dizer que nem todos os que participam dessas manifestações da direita mais tradicional são fascistas. Os que não o são estão hegemonizados por aqueles. Temos que repudiar duramente aqueles que, ainda tentando dizer que são de esquerda, pregam o comparecimento a este ato do dia 13 próximo.
Assim como nas eleições do segundo turno de 2014, há enorme pressão para que todos se posicionem, estando com um lado, para barrar o outro.
Não vamos cair nesta esparrela. A bola tem dois lados, o de dentro e o de fora. Esta disputa atual acontece do lado de dentro do sistema capitalista.
Nós tomamos partido na vida e na luta, mas temos muito claro que: 1. o divisor de águas do que é ser de esquerda é o anticapitalismo; 2. que os espaços em que nossas lutas são travadas são as ruas, as praças, os locais de moradia, de trabalho, as escolas, as ocupações, as aldeias – e não os espaços institucionais, palácios, congresso e tribunais. Portanto, nessa disputa dentro do sistema, para ver quem será o gerente dos interesses do capital financeiro, das grandes corporações, do agronegócio, das grandes empreiteiras e das mineradoras, nós estamos do lado de FORA. É óbvio que não vamos para as ruas com os reacionários tradicionais, é claro que repudiamos o clima de facistização que cresce a olhos vistos não somente aqui, mas em todo o mundo. Mas tampouco vamos sair em defesa de um governo que impõe a Lei Antiterrorismo, que coloca as forças armadas para ocupar o Complexo da Maré, que utiliza a famigerada Força de Segurança Nacional para reprimir manifestações de rua e para defender os grileiros e seus jagunços contra os indígenas que lutam pela demarcação de suas terras ancestrais, que promove um “ajuste fiscal” que cassa direitos dos trabalhadores, que está propondo mais uma “reforma” da previdência que pune os aposentados, enfim, que defende uma política econômica que propicia lucros nunca vistos aos bancos.
Mas, repito, nós temos lado. E é o lado de DENTRO das lutas cotidianas de todos os explorados e oprimidos. Falando somente dos tempos mais recentes, estivemos em todas as lutas de 2013, mas não somente nas grandes manifestações – passe livre, barrar o aumento das passagens, Amarildo, greve dos professores, liberdade para os presos, ocupas, defesa dos despejos. Em 2014, enquanto eles se ocupavam com suas eleições estávamos no “não vai ter copa”, nas favelas, com as mães dos jovens, pobres, negros, assassinados nas favelas, nas lutas contra a homofobia e, sempre, na defesa dos 23 presos políticos da “democracia”, na greve dos trabalhadores do Comperj – assunto “esquecido”, em que milhares de trabalhadores, vindos de todos os cantos do país ficaram sem emprego, sem direitos e sem futuro. Em 2015, numa conjuntura bem mais difícil, tivemos que continuar tentando denunciar os descalabros da repressão e do genocídio de negras e negros, do massacre dos guaranis no MS, dos tupinambás no sul da Bahia, dos sem teto nas grandes cidades – mas, sobretudo, na conversa com um e com outro, no trabalho miúdo que chamamos de guerrilha cotidiana.
Estamos com os 23.
Estamos com as greves dos professores e dos secundaristas.
OUSAR LUTAR, OUSAR RESISTIR, para poder OUSAR VENCER!