Guerra anglo-americana Os ingleses destruíram em 1814 a Casa Branca e o Capitólio

imagempor Miguel Urbano Rodrigues

Os historiadores dos Estados Unidos dedicam atenção mínima à guerra anglo americana de 1812-14. A bibliografia de qualidade sobre o tema é aliás escassa.

Para o orgulho americano o desfecho do conflito é muito doloroso.

Para combater Napoleão, a Inglaterra tinha imposto a proibição de relações comerciais com a Europa. A medida impedia as exportações de algodão dos EUA para França. As tentativas de furar o bloqueio britânico não tiveram êxito. A Royal Navy, que desde Trafalgar dominava o Atlântico, afundava ou apreendia os navios americanos.

O governo do presidente Madison, na esperança de conquistar o Canadá, decidiu em 1812 declarar guerra à Inglaterra, mas as forças invasoras, mal comandadas, foram repelidas pelas fracas guarnições britânicas.

Em abril de 1814, após a abdicação de Napoleão, enviado para a Ilha de Elba, a Inglaterra decidiu aplicar um castigo exemplar aos EUA. Um pequeno exército de veteranos e uma grande esquadra de 17 navios de linha, sob o comando do almirante Alexander Cochrane, foram mobilizados para combater os EUA.

A armada inglesa destruiu sem dificuldade os poucos navios americanos que ousaram enfrentá-la.

Diferentes portos foram bombardeados e o principal desembarque de tropas terrestres – 4.000 homens – ocorreu em Benedictine, perto da capital americana.

O mal armado exército da União que tentou impedir o seu avanço foi aniquilado em Bladensburg. Os ingleses ocuparam a capital quase sem resistência.

Washington era na época uma cidade insalubre, rodeada de pântanos. Os únicos edifícios em pedra importantes eram a Casa Branca, o Congresso, e os de algumas secretarias de Estado. Foram esses precisamente os alvos da soldadesca inglesa.

Os invasores cometeram atrocidades e roubos e incendiaram a residência do Presidente Madison e o Capitólio, então sem a atual cúpula. A biblioteca do Congresso, com 3.000 volumes, foi destruída.

Terminada a operação punitiva, as tropas britânicas abandonaram a cidade no dia seguinte.

A OCULTAÇÃO DA HISTÓRIA

A paz foi assinada em Gand, na Bélgica, a 24 de Dezembro de 1814.

A Casa Branca e o Capitólio foram reconstruídos, mas com projetos que alteraram a fisionomia original. A guerra deixou por muito tempo sequelas inapagáveis.

O país cresceu. Em 1823 tinha 10 milhões de habitantes, mas 1.600.000 eram escravos. Ganhou ambição de grande potência. O presidente Monroe, em resposta ao projeto europeu de recolonização das antigas colónias da Espanha, proclamou a Doutrina a que ficou ligado o seu nome: A América para os Americanos. Mas o desafio era uma bravata. Os EUA não tinham exército e marinha capazes de enfrentar as forças da Santa Aliança – Rússia, Áustria, Prússia, França – que pretendiam restabelecer o poder da Espanha nas repúblicas latino americanas libertadas por Bolivar e San Martin.

Mas Monroe sabia que o governo britânico, cuja marinha tinha o domínio absoluto dos oceanos, se opunha ao sonho da Santa Aliança.

A famosa Doutrina não impediu aliás que a Inglaterra, então primeira potência mundial, interviesse múltiplas vezes na América Latina. Isso ficou transparente em 1850 quando os EUA foram forçados a assinar o chamado Tratado Clayton-Bulwer considerado por historiadores americanos o mais humilhante da sua história.

O ouro da Califórnia foi a origem do projeto de um canal na Nicarágua que ligaria o Atlântico ao Pacifico, evitando a longa viagem pelo Cabo Horn, no sul da Argentina.

O governo americano comprou as terras por onde passaria o Canal e já tinha a maquinaria na região quando a Inglaterra enviou um ultimato a Washington exigindo o cancelamento imediato da obra porque atravessaria territórios do “Rei dos Mosquitos (uma tribo da região) aliado do governo de Sua Majestade Britânica”. Uma esquadra foi enviada para a costa atlântica da Nicarágua.

Os EUA não dispunham de força naval em condições de se opor ao ultimato. E assinaram o Tratado que sepultou o ambicioso projeto do Canal interoceânico através da Nicarágua.

No início do século XX, os EUA construíram o Canal do Panamá.

Transcorrido mais de um século, o projeto do canal através da Nicarágua foi agora retomado pela China.

Recordo o episódio, porque hoje, quando a Inglaterra é um submisso aliado dos Estados Unidos, em ambos os países tudo se faz para apagar a hostilidade que os separou ao longo do século XIX.

No imaginário americano permaneceu por muito tempo a memória do incêndio da Casa Branca e do Capitólio. Não esqueci que numa visita ao Congresso americano, quando era deputado na Assembleia Parlamentar da UEO, perguntei ao senador Edward Kennedy se o Capitólio era muito diferente do edifício original. Limitou-se a responder laconicamente: “Foi reconstruído”.

Junho de 2016

O original encontra-se em www.odiario.info/os-ingleses-destruiram-em-1814-a/

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/mur/destruicao_da_casa_branca.html

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